quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Questão de tempo.

Eu me lembro de estar andando na rua. Lembro de observar meus pés cobertos com um par de All Star pretos, traçando meu caminho incerto enquanto Ed Sheeran cantava nos meus ouvidos. Distraidamente olhei pra frente e lá estava ele: alto, não muito forte, os cabelos em cachos grandes, escuros e compridos, os olhos emoldurados com a armação grossa de óculos de grau, andando distraído em minha direção. A cada passo dado a distância entre nós diminuía consideravelmente e eu simplesmente não conseguia parar de observar cada detalhe dele, como se por alguns segundos só a gola arredondada de sua camiseta preta ou as tatuagens que cobriam seu braço esquerdo interessassem aos meus olhos.
Me senti envergonhada de estar encarando o rapaz daquela forma e tentei sem êxito algum desviar o olhar. Ele era tudo o que eu via. Só ele, mais nada nem ninguém. Porém ele parecia não me enxergar, o que era totalmente compreensível se levarmos em conta que eu não sou lá muito alta e a rua, bastante movimentada. Quando estávamos a pouco mais de 3 passos um do outro foi como se alguém lhe cutucasse as costelas e guiasse o seu olhar até mim e senti meu rosto corar. Voltei a olhar meus pés e tentei ser natural, colocando uma mecha de cabelo atrás na orelha direita antes de voltar a olhá-lo. Em um segundo lá estava ele quase na minha frente, me observando do mesmo jeito que eu o estava observando. No segundo seguinte ele já passava ao meu lado e eu voltei a olhar para frente mas ainda assim sentia seus olhos sobre mim. Olhei para trás alguns segundos depois esperando encontra-lo e o vi fazendo a mesma coisa que eu. 
*****

Eu estava dentro do mercado, deslizando pelos corredores amplos e alvos atrás de um carrinho de compras. Eu estava observando cada corredor lateral quando alguém me chamou a atenção: alto, o cabelo em cachos largos, o braço tatuado, os óculos de grau. “Não pode ser ele” pensei “Quais são as chances?”. Tentei ignorar a presença dele e continuei as minhas compras, que afinal, era o motivo para eu estar lá. Depois de ter tudo o que precisava, deslizei até a área dos caixas e entrei em uma fila aleatória e, adivinhe, lá estava ele na fila do caixa ao lado. Eu sentia que deveria dizer alguma coisa a ele mas convenhamos, seria estranho se alguém te chamasse na fila do mercado e te dissesse que lembra de passar por você na rua. Achei melhor ficar em silêncio mas não consegui evitar um sorriso bobo que a presença dele desenhou em meu rosto.
- Com licença, você poderia... – ou vi uma voz masculina dizer ao meu lado mas parou de falar assim que encontrei os olhos de seu dono. Cor de mel. Os olhos dele eram cor de mel. Ele passou a mão esquerda na nuca cheia de cachos e sorriu sem jeito. – Vo-Você....Você poderia me passar a caixa de pilha AA por favor?
Eu sorri e concordei com a cabeça enquanto me virava para pegar o que ele havia pedido. Sentia que meu cérebro poderia explodir a qualquer momento. O sorriso dele, aqueles dentes brancos e perfeitos, aqueles lábios. A voz dele – meu Deus - aquela voz. Não consigo colocar em palavras o quanto me controlei pra não deixar que todo meu sangue subisse e me delatasse no rubor das minhas bochechas.
- Muito obrigado. – ele respondeu com um sorriso de canto de boca, ah aquele sorriso, enquanto deslizava seu carrinho em direção à esteira de compras assim que entreguei a mercadoria a ele.
- Não seja por isso – respondi um pouco mais aguda do que desejava ser. Minha vez de passar as compras só chegou quando ele já estava quase a pagar. Enquanto ele digitava a senha do cartão de crédito na máquina, teimava em me observar por cima do ombro. “Desculpa moça, eu errei a senha”, ouvi-o dizer com uma risada rouca para a atendente. Depois de ter pago o que devia, ele acenou para mim enquanto se encaminhava para fora do mercado.

*****
E então eu estava em uma festa...Bem, não era exatamente uma festa, era um pub e a banda de um amigo meu tocaria lá na noite. Todos os meus amigos estavam presentes porque era a primeira vez que o cantor se apresentava para um número de pessoas maior do que o nosso pequeno grupo de amigos, assim chegamos cedo e ficamos colados ao palco baixo. Lembro que eu estava sentada sobre uma das enormes caixas de som com uma amiga quando o vi entrando no local. “Quais são as chances?” pensei comigo novamente e soltei um riso abafado que chamou a atenção de quem se sentava ao meu lado. Expliquei. Contei da rua, dos olhares cruzados, do mercado e todo aquele constrangimento bobo do “Vo-Você...”, os sorrisos e o aceno de despedida.
“Mas quem é?” – ela me perguntou forçando a vista e observando todos os cantos do pub escuro e abafado. Apontei o rapaz alto, com o cabelo em cachos escuros e largos, o braço esquerdo coberto de tatuagens e óculos de armação grossa que vestia uma camisa xadrez em azul e preto, jeans escuro e um par de All stars – “Nossa...Eu acho que se você “esbarra” com uma pessoa dessas 3 vezes em uma semana, isso nada mais é do que destino minha cara” – respondeu me empurrando de leve com o ombro ossudo.
Sendo destino ou não, ele ainda não havia me visto e minha amiga infelizmente – ou felizmente- também tinha notado aquilo. Na primeira música mais animada que tocou no som ambiente ela já me puxou e fez com que eu começasse a me mexer no ritmo da canção. Quando dei por mim já estava dançando sem pensar em nada, nem na música que eu não conhecia nem em quem me observava. Talvez fossem os drinks que eu tinha bebido fazendo seu efeito em mim. Só parei quando não conseguia mais sentir meus pés, sentando-me novamente na caixa de som que me dava uma visão privilegiada de todo o lugar. E lá estava ele, encostado no bar com mais uns três caras e me olhando. Quando nossos olhares finalmente se encontraram novamente, o vi erguer sua garrafa de cerveja no ar como um comprimento em minha direção, gesto que eu respondi com uma garrafa de água. Assim que o fiz, observei os outros rapazes que o acompanhavam olhando para mim e falando algo com ele, assim achei mais educado me voltar para meus amigos e continuar agindo como se nada tivesse acontecido.
Só voltei a vê-lo durante o intervalo do show, enquanto eu voltava do banheiro feminino. De repente ouvi-o dizer sobre o meu ombro:
- Tá de tiete hoje é? – Enquanto tentava arrumar os cabelos bagunçados.
- Meu amigo é o vocalista, é o primeiro show dele. – respondi rindo – Mas eu normalmente tieto bastante quando tem alguém cantando aqui.
- E se fosse eu lá em cima, você tietaria do mesmo jeito? – Ele passou o braço pelas minhas costas e me abraçou a cintura.
- Mas é claro, daria até um jeitinho de entrar no camarim – disse. Meu Deus, os olhos dele eram ainda mais maravilhosos de perto.
- E o que você faria no camarim, mocinha? – disse pra mim aproximando seu rosto do meu pescoço. Eu sabia o que ele queria dizer. As pessoas atrás de nós sabiam o que ele queria dizer. Os caras que trabalham no bar sabiam o que ele queria dizer. O mundo sabia o que ele queria dizer. Passei minha mão direita para sua nuca para que assim pudesse falar mais diretamente em seu ouvido:
- É engraçado que esta é a terceira vez que te vejo essa semana e ainda assim eu não sei o seu nome.
- Meu nome? Eu sou Christopher, e você?
- Madison...Ou Maddie, quase todo mundo me chama assim.
- Bem Maddie – Christopher disse no meu ouvido – dizem que encontrar alguém tantas vezes em um espaço de tempo tão pequeno é sinal do destino sabia? – seu rosto estava perigosamente próximo ao meu, sentia até seu hálito acertando meu rosto. Senti o aroma do álcool mas isso não era ruim de alguma forma.
- Interessante você ter dito isso porque minha amiga disse exatamente a mesma coisa. – Eu estava tão envolvida na situação que não cheguei a notar que minhas duas mãos estavam em sua nuca e eu conseguia sentia seus cachos entre meus dedos.
- Então deve ser verdade certo? – disse colocando sua outra mão na minha cintura. Mal tive tempo de concordar com a cabeça e já senti seus lábios urgentes sobre os meus.

*****
Os dias e as semanas se passavam e nós dois estávamos constantemente juntos. Christopher e Madison. Chris e Maddie. Maddie e Chris. Passávamos boa parte do nosso tempo fazendo alguma coisa juntos. Eu lia John Green enquanto ele lia Tolkien. Víamos filmes cults e ficávamos comentando sobre a fotografia ou a trilha sonora e riamos com os filmes alemães ou russos em que, por causa da língua, pareciam estar sempre discutindo. Cozinhávamos de tudo: de bolinhos até massa caseira para Conchiglione. Dormíamos abraçados enquanto a chuva caía do lado de fora. Dividíamos cappuccinos e a conta da cafeteria. Eu usava uma de suas camisetas como pijama, e ele carregava no pulso uma das minhas pulseiras de couro trançado. Íamos sempre à livraria e deixávamos recadinhos para os seus futuros compradores e leitores em post-its nas nossas partes favoritas de alguns livros. Dançávamos ao som de Artic Monkeys em sua vitrola até tarde da noite. Passávamos horas e horas em silêncio, apenas ouvindo o coração pulsante de cada um.
Eu nunca me sentira daquela forma. Era como se eu finalmente tivesse encontrado aquela parte que faltava nos meus dias. A voz que me sussurrava ao pé do ouvido sempre que algo me deixava preocupada. Os abraços que me serviam melhor do que meu suéter favorito. A risada mais confortável de se ouvir. O toque mais delicado que eu já sentira na vida. Tudo em nós dois parecia ter sido escolhido a dedo para se complementar. Era maravilhoso demais pra ser real.
“Quais são as chances?”
A frase brotou em minha mente novamente depois do que parecia ser muito tempo e tudo passou a fazer sentido.
- Chris...Christopher, acorda por favor. – eu dizia com a voz carregada de lágrimas enquanto cutucava sem ombro.
- O-O que aconteceu Maddie? – ele respondeu coçando os olhos sem óculos- Ei, não chora... Você teve um pesadelo? – seu rosto estava visivelmente preocupado.
- Isso é um sonho. Isso não tá acontecendo. Isso é um sonho Christopher – eu disse sem conseguir mais segurar o choro que veio com soluços. Chris me puxou para dentro do seu abraço tentando me acalmar.
- Não é não anjo, isso é verdade. Eu tô aqui tanto quanto você. – falava com um braço ao meu redor enquanto o outro aproximava meu rosto molhado de sua camiseta vermelha.
Eu sentia seu perfume. Sentia seu coração batendo contra o meu peito. Sentia seus braços me abrigando. Sentia seus lábios no topo da minha cabeça. Como aquilo podia ser um sonho?
- Eu sei que é um sonho Chris. Eu não sei como pode ser, mas é. Eu sei disso. – eu tentava voltar a ter calma mas não era possível, as lágrimas não paravam de rolar do meu rosto para sua camiseta e a cada momento meus soluços pareciam se tornar mais altos. – Por favor Christopher, não me deixe acordar. Por favor. Por Favor. – dizia agarrada a gola arredondada de sua vestimenta – Não me deixe acordar, eu não quero ficar sem você.
Ele estava em silêncio, apenas me segurava apertada ao seu peito como se quisesse nos transformar em um só. Talvez estivesse tentando entender tudo o que estava acontecendo.
- Eu sei que vou acordar a qualquer momento e eu não quero isso. Eu não quero te perder. Você não pode me deixar ir.
- Por favor Christopher. – voltei a repetir em um sussurro enquanto beijava seu pescoço e a lateral do seu rosto.
- Fica calma Maddie – ele disse finalmente, ainda me segurando firme- é só uma questão de tempo. Mas você precisa ter paciência, você tá me ouvindo? É só uma questão de tempo.
- Não Chris, eu não sei se eu consigo sem você, eu...
- Você vai ter que conseguir Maddie. Você vai conseguir. Eu vou te encontrar – e deu um longo beijo em minha testa sem me soltar nem um pouco- Eu juro que vou te encontrar. 
E então eu abri meus olhos.

*****
A única coisa que estava igual eram minhas lágrimas que brotavam e rolavam meu rosto abaixo descontroladamente. Eu não vestia a camiseta de Christopher. Todas as minhas pulseiras estavam em mim. Eu não estava em sua cama. Eu não sentia o calor da sua pele nem o seu perfume nos meus pulmões. E por várias vezes eu tentei reencontra-lo sem sucesso, voltar àquele apartamento, àquele quarto pequeno e lotado de livros e long plays, voltar para o rapaz dos olhos cor de mel.

E os dias tem se passado e eu não consigo parar de pensar em Christopher e na promessa que ele me fizera. “Eu juro que vou te encontrar”. Talvez seja idiotice buscar em cada rapaz que encontro na rua algum traço dele. As tatuagens no braço esquerdo. Os óculos de grau. A risada rouca. O gosto musical. O modo de se vestir. Mas eu não quero desistir dessa promessa. Eu não vou desistir dessa promessa. Ele me disse que era apenas “uma questão de tempo”, então que seja, esperarei mil vidas se for necessário, mas venha logo Christopher. Por favor.

Por Mariana J. 

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