Três horas da manhã mais uma vez.
Dia 27 de abril.
Como de costume, a ouvi destrancar a porta de entrada, e em
seguida fecha-la. Escutei o som de saltos sobre o chão de madeira da sala. O
som das chaves do carro sendo deixadas sobre o balcão. Meu coração batia rápido
em meu peito e meus ouvidos pareciam pulsar no mesmo ritmo. Tentei me acalmar
para que pudesse ouvir normalmente, mesmo já sabendo que não ouviria nenhum
outro som do andar de baixo. Ela não podia estar em casa. Mesmo relutante
me pus para fora de meu quarto, encostando a porta atrás de mim. Já não ouvia
mais seus passos, não ouvia sequer os meus, abafados pelas meias grossas que
vestia.
Desci cada degrau como se não quisesse que a escada chegasse
ao fim, ouvindo o rangido de um deles. Ao pé da escada olhei em volta, nada de
diferente. A porta estava trancada exatamente como havia deixado algumas horas
antes. Não havia chave alguma sobre o balcão. Em passos rápidos fui até a
cozinha e separei o que seria necessário para me preparar uma caneca de café.
Dificilmente conseguiria voltar a dormir, então que passasse as próximas horas
corrigindo as provas de meus alunos.
Assim que o líquido escuro começou a pingar no interior da
caneca de porcelana, ouvi o rangido vindo da escada novamente e o ar em meus
pulmões pareceu congelar por alguns segundos. “É tudo
coisa da sua cabeça.” Repetia mentalmente enquanto fazia meu caminho de
volta para o andar de cima só para encontrar a porta, que eu tinha certeza que
havia fechado, entreaberta. Entrei rispidamente no cômodo, como se esperasse
assim pegar alguém no flagra, o que não aconteceu.
De volta à cozinha, sentia seus olhos sobre mim. Enquanto
pegava a caneca com as mãos trêmulas, fantasiava que ela estava de pijama, os
cabelos bagunçados, sentada à mesa atrás de mim, com uma caneca como a minha.
Tinha insônia, sempre acordava às três da manhã; e eu seguia seus passos. Meus
olhos ardiam, minha cabeça doía, porém sabia que não voltaria a dormir. Por
saudade, por medo, por culpa.
Quando me virei para
onde a imaginara, lá estava ela. Só reconhecia aqueles enormes olhos verdes.
Pude sentir todo o ar de meus pulmões me deixando enquanto algo me perfurava o
abdome. Senti um gosto de ferro em minha boca enquanto deixava a caneca se
partir no chão.
“Por que você não me
ajudou?” Ela dizia com a voz chorosa.
A pele mal existia, era quase carne viva. “Você me deixou pra morrer.” Soltou entre dentes enquanto me perfurava
novamente. Coloquei as mãos sobre minha barriga e senti o sangue escorrer. “Como?” Indaguei soltando uma bolha
vermelha e brilhante com a boca. Sem resposta, senti mais três perfurações
antes de desmoronar. Enquanto me arrastava pelo piso da cozinha, inutilmente tentando
alcançar o longo fio do telefone, ela me observava da mesa. Um sorriso macabro
no rosto.
Acordei assustado mais uma vez.
Três horas da manhã mais uma vez.
Dia 27 de abril.
Ouvi a porta de meu quarto abrir.
Senti seus olhos verdes em mim.
Por Mariana J.
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