Enquanto secava meus cabelos mais cedo, acabei por notar que
a sua cor natural estava aparecendo em suas raízes e assim descobri que não
consigo mais me lembrar de como meu cabelo era um ano e meio atrás. Sei que
isso pode soar um tanto ridículo e desnecessário, porém eu não me recordo. Não
lembro de como era ter o cabelo três palmos mais curtos do que agora. Não me
lembro como é ter uma franja cobrindo minha testa.
Notando o tanto que eu não consigo lembrar de mim mesma,
descubro que não lembro mais de muitas coisas - do perfume dos meus ídolos
quando os abracei, como calculo a velocidade média de um objeto em queda livre,
a voz da minha bisavó, os nomes dos meus amigos da primeira série- e me senti
mal. Como eu posso ter esquecido de coisas que antes eram tão importantes pra
mim? Como meu cérebro ousa pegar informações novas e coloca-las no lugar de
outras que pareciam menos interessantes? Eu nunca mais ouvirei a voz da minha
bisavó e hoje eu não tenho ideia de como era, mesmo tendo a ouvido até meus
dezessete anos de idade.
Mas agora, tendo reavaliado meus sentimentos e até
filosofado com meus neurônios sobre isso, noto que tudo é fadado ao
esquecimento.
Vai chegar um dia em que ninguém vai saber quem eu fui. Aos
poucos as pessoas que me conheceram vão esquecer o jeito como eu ria, minhas
preferências musicais, o tom da minha voz ou o modo como eu cruzava as pernas.
Vai ser como se eu estivesse morrendo novamente para cada um deles, uma memória
de cada vez. Isso soa mórbido, eu sei. Para falar a verdade isso já acontece,
muito provavelmente os amigos da primeira série dos quais não me lembro os
nomes também não lembram o meu. Talvez eles olhem para as fotos da época e
digam pra eles mesmos “Eu me lembro dela, mas isso é tudo” do mesmo jeito que
eu faço.
De certa forma isso me acalma. Saber que qualquer coisa pode
ser esquecida dado um certo tempo.
E isso me fez ver também que nada é permanente. Até uma
marca feita com caneta permanente sai um dia. Um dia ruim não dura para sempre,
um corte de cabelo que deu errado não fica na sua cabeça por muito mais do que
alguns meses, um coração partido não dói pela eternidade, e isso é realmente
uma coisa boa.
Eu não vou ficar aqui pra sempre. Ninguém vai ficar aqui pra
sempre. Nada dura pra sempre, pro bem ou pro mal. Todos vamos nos esquecer de
coisas que hoje são extremamente importantes para nós. Todos nós vamos ter a
cor dos olhos esquecidos. Todos nós estamos aqui provisoriamente. Tudo na vida
é provisório: nossas vontades, os medos, os melhores momentos e os piores
também, felizmente.
Talvez daqui a sete anos eu não consiga me lembrar o porque
eu chorava todas as vezes que escutava uma certa música, ou porque tenho uma
cicatriz que parece uma lua crescente no calcanhar e eu estou bem com isso,
pois eu sei que no passo em que minha cabeça não consegue mais recordar o que
antes parecia eterno significa que superamos, que nos libertamos das sensações
e das pessoas que antes nos prendiam e estamos abertos a novas coisas.
Dessa forma eu me permito esquecer como era ter cabelo
castanho, me conformo em ter esquecido o odor de pessoas que eu ainda amo,
ignoro o fato de não recordar a formula que se usa para calcular a velocidade
média de um objeto em queda livre já que afinal, nunca mais a usarei de
qualquer forma e aceito ter esquecido a voz da minha bisavó pois sei que a
parte mais importante dela continua comigo.
Secar o cabelo acabou sendo de uma forma um tanto inesperada, uma quase epifania. Não me sinto uma pessoa melhor, mais iluminada ou preparada
pra vida depois disso, porém eu começo a aceitar que tudo é passageiro e que
meus dias de tempestade não vão durar para sempre, assim como todo o resto. O sol
sempre volta, e eu já começo a notar as cores acordando no céu.
Por Mariana J.
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