Eu sinto cada pequena gota de água quente acertando meus
ombros, minhas costas, meus tornozelos. Cada uma como uma pontada de uma agulha
quente e líquida. Assim eu deslizo minhas mãos como garras de um animal feroz sobre a minha pele úmida. Minhas unhas rasgando como navalhas. A água
quente deixando os traços mais vivos. Sinto como se estivesse em chamas, mas
como seria isso possível se estou envolta por nada mais do que água?
Não é o tipo de coisa que eu consigo realmente evitar.
É como estar de pé sobre areia molhada. A cada vez que as
ondas salgadas se encontram com a costa você sente seus pés sendo puxados
lentamente para dentro da pasta áspera até que chega uma hora em que você
simplesmente não consegue dar um passo a frente. Então você cai.
Quando você nota, já é tarde demais. Quando você nota, já
está no chão. E quanto mais você se esforça para retomar os movimentos, mais
preso fica.
Inevitável.
Me desperto no meia da noite. Sinto-o se aproximar de mim,
seu corpo ocupando o espaço que antes apenas eu ocupava. Sinto o calor. Sinto
seu cheiro. Sua respiração. Seu coração pulsante. Cada vez mais forte. Cada vez
mais perto. A ponta dos dedos muito mais geladas do que eu poderia esperar
tocam meu braço em uma carícia enquanto a voz grave me sussurra ao ouvido.
“Eu voltei. Não vou te deixar.”
Vá embora.
Por favor.
Vá embora.
Me deixe em paz.
“Eu não vou pra lugar nenhum. Eu voltei.”
E eu sinto as lágrimas rolarem em direção ao travesseiro.
Tão quentes quanto a água do chuveiro, tão salgadas quanto as ondas que me
afundaram.
Eu não sei se consigo continuar assim. Só vá embora.
“Você sempre soube que eu voltaria.”
Não é como uma roupa fora de moda. Ou um corte de cabelo mal
feito. Não é o tipo de coisa da qual você simplesmente se livra.
É uma corrida. Uma maratona. Passos largos, o vento
acertando seu rosto, os músculos já cansados tentando manter seu ritmo. Até que
você escuta – passos – logo atrás de você. E você sabe muito bem quem corre em
seu encalço e ainda assim tenta encontrar em algum lugar forças para acelerar o
passo e ao menos tentar o som dos pés para trás. Mas cada centímetro do seu
corpo dói e seus pés se recusam a seguir em frente. No fim das contas tudo se
resume em correr em círculos. Sempre de volta às coisas das quais estava correndo
afinal.
Então você cai. Da mesma forma que a areia molhada te
ancorou. E o motivo pelo qual você estava correndo, finalmente te alcança.
Não existe hora marcada, nem lugar para encontro. De repente
ele está lá. O coração pulsante. Os dedos gélidos. A voz grave. Aquela sensação
de que você está preso a ele por um cordão invisível e infinito que não se
arrebenta, nem mesmo durante a maratona.
De repente lá está ele. E você sente sua presença nas suas
costas. E nos seus ombros. E em todo seu corpo. Ele está lá tanto quanto você.
O coração pulsando no peito tanto quanto o seu. Seus dedos tão gelados quanto
seu coração. Suas vestes tão negras quanto o céu em noite de tempestade.
Eu olho para o céu e não vejo nenhum brilho se quer. Nenhuma
faísca de luz no meio de toda a escuridão. Nenhum. Não tenho nada para me guiar
para fora da tempestade. Minha bussola não aponta para o norte. Ela não aponta
para lugar nenhum.
Eu não sei para onde vou.
Não sei como cheguei aqui.
Não sei como sair do meio dessas nuvens.
Não sei como fazer a chuva parar de cair.
A sua respiração quente no meu ouvido. Eu só quero que ele vá embora. Só quero viver
os anos que me restam sem sentir o peso de suas mãos sobre meu ombros. Sem
ouvir seus passos me seguindo enquanto atravesso a rua. Sempre ao meu lado.
Sempre observando. Apenas esperando o momento para voltar e tentar me seduzir,
suspirando em meu ouvido, me puxando de volta.
Me deixe ir.
Por Mariana J.
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