Depois de tanto tempo, dias de chuva ainda me lembram você.
O cheiro do asfalto molhado me lembra do teu abraço e teu perfume grudando nas
minhas roupas e me embriagando mesmo quando longe de você. Me lembra todas
aquelas tardes que passamos largados no chão da sua sala, dividindo aquele seu
cobertor verde escuro e vendo um filme de terror na TV – mesmo eu odiando o
gênero, você sabe.
Eu nunca te dei uma explicação, eu sei disso. Nunca me
despedi propriamente, e de alguma forma eu acho que foi melhor assim. Fui
egoísta, admito, mas eu sempre fui e você nunca deixou de apontar isso como um
dos meus grandes defeitos e eu concordo plenamente. Não quero nunca que você
pense que eu fui embora porque você fez algo errado – não, isso nunca
aconteceu. Ah garoto você nunca foi perfeito e é exatamente isso que eu gosto
tanto em você. Sempre achando as suas bandas favoritas tão superiores às minhas,
o seu mau humor matinal, suas experiências culinárias que nem sempre davam
certo (ainda assim sempre ficava gostoso, nunca entendi), a implicância com o
meu apetite por coisas agridoces - “Cara, para de inventar... Sério, não passa
maionese em bolacha recheada isso é nojento. Puta merda".
Se um dia te disserem que eu nunca te amei eu espero que
você saiba que é mentira. Eu te amei, ah se amei. Amei seus olhos castanho
esverdeados, seus cabelos espantosamente bem cuidados para um cara, as veias
saltadas das suas mãos, a marca de queimadura de sol que você tem nas costas e
a sua barba com aquela falha eterna logo embaixo do queixo por causa daquela
sua cicatriz de quando caiu de bicicleta indo me pegar no trabalho. Amei cada
referência a filmes/séries/bandas que você fazia mesmo que por vezes eu não
pegasse de primeira, admito. Eu amei cada risada que você deu, todas as vezes
que me observou de canto de olho, todas as camisetas que me emprestou pra usar de
pijama, sua mania de organização e os sermões que você me passava todas as
vezes que deixava algum sapato meu largado por aí. Eu amei cada pequena parte
de você, e o melhor de tudo, sei que o sentimento foi recíproco.
Talvez esse sentimento de “amar e ser amada” fosse o que eu mais gostasse em nós dois, mas um dia isso não foi mais o suficiente.
Seus beijos não tinham mais o mesmo gosto, e eu já não me sentia ansiosa pela
próxima vez em que eu poderia deixar me perder em você. Tudo ao nosso redor
continuava exatamente igual, mas não eu. Por isso eu digo que nunca foi culpa
sua. Eu simplesmente tinha que ir. Caso eu continuasse com a minha rotina,
subindo os 9 andares, beijando os teus lábios, brincando com o seu gato, rindo
das suas piadas, mais cedo ou mais tarde iríamos nos separar; e acredite: Ia
ser bem pior do que foi. Teríamos mais uma daquelas brigas em que ninguém fala
nada realmente relevante e tudo o que se consegue são dois corações feridos e
arrependidos. Então eu decidi que era hora de ir. Me levantei da tua cama,
peguei minhas coisas e fui. Fui.
Na correria acabei me esquecendo daquele meu lenço vermelho
com bolinhas, e se bem te conheço ele deve estar guardado ainda. Você guarda
tudo como se assim ainda conseguisse dominar o que aqueles objetos representam pra você,
mas ainda assim, você nunca me dominou. Eu nunca me deixei ser dominada. Nem
por você, nem por ninguém. Talvez esse seja outro defeito meu. Nós sempre fomos
tão diferentes, será que agora você consegue enxergar? Seu erro foi se apegar
demais a mim. Eu nunca te prometi que ficaria, e mesmo quando partia eu nunca
prometia voltar. Você acreditava que sim, até que eu não voltei. Eu li suas
mensagens. Recebi suas ligações. Vi seus recados. Mas não existia nada que você
pudesse dizer ou que eu pudesse fazer que mudasse o que eu sentia e o quanto eu
sabia que do seu lado não era o meu lugar.
Falo de você mas ainda guardo aquela palheta vermelha
que me deu quando eu disse que queria aprender a tocar violão. Pior
ainda, falo de você mas estou aqui te escrevendo essas linhas que você nunca
vai ler pelo simples prazer de tirar isso do meu peito. Larguei o instrumento,
larguei meu lenço favorito, larguei você. E apesar da certeza que eu ainda tenho no meu íntimo eu sinto a sua falta. Todos os dias. As vezes ainda espero
ouvir sua voz no telefone me dizendo que está muito gripado e precisa de
reforços, ou te ver vestindo aquela combinação de camiseta dos Smiths e samba canção que você sempre
usava enquanto andava pelo seu pequeno – e muito bem arrumado – apartamento.
Sinto falta da sua paciência com as minhas manias bobas e a sua voz de sono
pela manhã. Mas eu fui embora. Larguei tudo e recomecei do zero. Saí do meu
antigo endereço, mudei o número do meu celular, trabalho em outro lugar, pintei
meus cabelos de preto (as vezes ainda me pergunto o que você acharia deles), mas
a única coisa que eu aparentemente nunca consigo deixar totalmente é você. Mas
eu não te amo mais como amava antes. Espero que você sinta o mesmo.
Com um carinho enorme,
Giulia.
Ps: Sinto muito pelos cigarros mentolados, sei que você comprava por mim.
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