- E quais são os planos pra hoje? – Josh falava com a voz
sonolenta. Bem, se eram quase três da tarde em LA, em Londres já eram quase
onze. Mais uma coisa no nosso caminho: Fuso horários.
- Na verdade nada. Consegui terminar a gravação mais cedo
hoje então tô pegando o carro pra ir pra casa. – Enquanto eu falava com meu
namorado ao telefone tentava andar, respirar, segurar o celular na minha orelha
e encontrar as chaves do carro de Joshua dentro da minha bolsa ao mesmo tempo.
- Hm, isso significa que você não vai sair com o seu novo
namorado hoje é? – Rolei meus olhos ao ouvi-lo falar isso. Alguns dias depois
daquele sábado que passei com Tyler em que conversamos e tiramos fotos com uma
fã, as fotos que ela postou de nós juntos começaram a trilhar a internet toda
passando de fã sites para (pequenos) sites de fofoca que de algum jeito
acabaram parando nas mãos de Josh. Esses sites todos ficavam especulando se
havia alguma coisa a mais entre Ty e eu, e é claro que o ciúme do Josh veio com
tudo pra cima de mim.
- Joshua, ele é meu companheiro de trabalho! A gente se vê
todo dia! – Parei ao lado do carro de Josh (super) mal estacionado. Eu sabia
onde isso ia nos levar. Mais uma discussão idiota. Nas últimas semanas mais
brigávamos do que qualquer outra coisa.
- Eu sei disso Allison, isso não significa que você tem que
ir com ele pra pizzarias, cafés, bares e... Receber ele na sua casa e essas
coisas.
- Isso significa que enquanto você tá morando a centenas de
quilômetros de mim eu não posso nem ter amigos?
-Comecei a sentir meu sangue ferver. Se Josh estivesse na minha frente
eu possivelmente tacaria minha bolsa nele. Bem, se ele estivesse lá nós não
teríamos essa discussão pra começo de conversa.
- Eu não tô falando isso Allison, eu só não vou muito com a
cara desse Tyler. Eu vejo o jeito que ele olha pra você.
- Você nem nunca falou com o Ty, Joshua!
- Ty... Tem até apelido. – Josh disse num tom sínico, o riso
nervoso. Foi então que eu explodi.
- ENTÃO VOCÊ QUER FALAR DO JEITO QUE AS PESSOAS SE OLHAM?
ÓTIMO. QUE TAL A GENTE FALAR SOBRE COMO VOCÊ OLHAVA AQUELAS MODELOS SÁBADO
PASSADO HUH?
- O que? Do que você tá falando Allison?
Respirei fundo. Encostei a testa na lataria fria do carro na
minha frente. Eu estava tendo um ataque de ciúmes. Eu nunca tinha ciúmes, na
verdade eu nunca demonstrava.
- O desfile da linha 2015 de lingerie da sua tia, Josh.
Eu só queria deitar no chão daquele estacionamento mesmo e
chorar pra sempre. Sentia mais falta de Josh a cada dia, mas a cada briga a
certeza de que alguma coisa ia dar muito errado crescia no meu peito.
- Isso é parte do meu trabalho Ally. – Ele respondeu duro.
- Trabalho difícil o seu, podia fazer isso daqui.- Disse no
mesmo tom.
- Você sabe que não é assim Ally, eu sou um dos rostos da
marca. Sou sobrinho da dona, tenho um dos cargos mais importantes da empresa e
ainda sou quase um garoto propaganda da marca. Fora que eu nem ia ao desfile
aquele dia, só fui pra preencher a primeira fila já que um dos amigos da minha
tia deu pra trás na hora. Só isso.
- Isso não explica aquela modelo ridícula te mandando
beijinho da passarela. – Minha cabeça estava explodindo e eu só queria voltar a
tantos meses atrás quando nós dois passávamos horas juntos e era só isso que
importava.
- Princesa, isso não tem nada a ver. Sério, não fica
pensando besteira. Eu te amo mais do que tudo nesse mundo e não é a distância
ou modelo ridícula alguma que vai mudar isso ok?
De repente eu estava sorrindo. Esse era o efeito de Joshua
sobre mim. Em um minuto eu estava querendo esfolar a cara dele no asfalto
quente e no outro eu só queria poder abraça-lo. Senti meu coração mais leve,
como se as coisas estivessem voltando para seus devidos lugares, mesmo eu
sabendo que estava bem longe disso.
- Eu só queria que você estivesse aqui... – Eu sussurrei pro
telefone com as costas coladas na lataria do carro.
- Por enquanto eu não posso princesa, você sabe. Mas eu
volto na mesma hora que tiver a chance tá? – Concordei com a cabeça mesmo
sabendo que ele não podia me ver- Ally, eu já vou desligar que já tá tarde aqui
e eu tô com muito sono mesmo... Amanhã eu te ligo de novo, pode ser?
- Tá certo Josh. Dorme bem tá amorzinho? Te amo muito.
- Você também amor. Te amo muito princesinha.
E toda vez que eu encerrava uma chamada com ele era como se
um pedacinho do meu coração fosse arrancado do meu peito. Uma partezinha por
vez. Entrei no carro e respirei fundo antes de dar a partida. Pelo menos eu ia
pra casa e poderia passar algumas horinhas sozinhas até que a minha melhor
amiga e companheira de apartamento desse as caras.
Como imaginava, Charlotte ainda não estava em casa para
minha sorte. Não estava me sentindo muito o tipo que conversa e é legal com as
pessoas, pelo menos por algumas horas, e o fato de estar sozinha deixava tudo
mais fácil. Larguei minhas coisas em cima da cama mesmo e o mais rápido que
pude, troquei minha calça jeans e a camisa de malha que eu vestia por uma
camiseta que era grande o suficiente pra me servir de vestido. Era uma camiseta
vermelha e um tanto desbotada que normalmente usava de pijama quando passava a
noite na casa de Josh. Tanto tempo depois ela não tinha mais o aroma do
amaciante que ele usava mas ainda assim eu sentia que ela emanava todo tipo de
aroma. Todo tipo de memória.
Busquei o maço intacto de Marlboro light que eu havia
comprado pouco antes e meu isqueiro. Sem gás. Me xinguei mentalmente por ter
esquecido de comprar um novo e fui a procura de alguma caixa de fósforos nas
gavetas da cozinha. Com o maço e os
fósforos em mãos fui me sentar na pequena sacada do apartamento. Com os pés
descalços encostados na grade e os lábios ocupados, deixei minha mente ir para
onde queria.
Era Março ou Abril.
Joshua e eu dançávamos ao som de um LP antigo do Elvis que girava com calma na
vitrola que meu namorado comprara num antiquário aos 13 anos. Os dois com pés
descalços e roupas gastas. Minha cabeça encostava em seu peito e eu conseguia
ouvir seu coração batendo mais alto do que a canção que tocava. Meus braços
estavam ao redor de seu pescoço e meus dedos brincando com aquele cabelo
permanentemente bagunçado. Josh me guiava pela enorme sala com passos leves e fora
do ritmo real da canção, quase como se seus pés não tocassem o chão gelado.
Seus braços levando meu corpo para mais perto do dele, os lábios próximos ao
meu ouvido. “I’m a fool, but I
love you dear until the day I die. Now and then, there’s a fool such as
I.” Ele cantava em sua voz rouca. E eu sorria. E tudo estava bem.
Era estranho a forma como isso parecia ter acontecido há
tantos anos quando na verdade cerca de seis meses apenas haviam se passado.
Quando me dei conta meu rosto estava molhado, assim como meus pés. Havia
começado uma chuva daquelas e eu nem mesmo percebi. Não conseguia ver o sol se
por com todas aquelas nuvens pesadas no céu mas sabia que já era hora. Era hora
também de jogar fora as bitucas de cigarro do cinzeiro que já ficava
estrategicamente em um canto da varanda e tomar um banho/escovar os dentes para
evitar mais um sermão de duas horas intitulado: “Como sua melhor amiga acha que
você está em um caso de depressão”.
Enquanto tentava tirar todo o odor de fumaça possível de
mim, cheguei a conclusão de que ficar em casa não me ajudaria em nada. Pensei
em sair andando, pra qualquer lugar, mas então me lembrei de onde morava. Los
Angeles é como qualquer cidade grande e não pode ser subestimada. Pensei em ir
ao cinema, porém não havia nada que valesse o valor do ingresso, fora que me
parecia mais deprimente do que ter que interagir com pessoas. E foi aí que me
veio a ideia da única coisa que parecia fazer sentido naquele momento.
***
Tyler
Eu estava semi morto no sofá, tentando decidir que tipo de
comida pronta teria para o jantar, quando meu celular apitou do outro lado do
apartamento. Surpresa número 1: Por algum motivo ele estava no chão do meu
quarto. Surpresa número 2: Era uma mensagem de Ally. Surpresa número 3: Ela
estava me perguntando se podia aparecer em casa. “Claro que pode! Tá tudo bem?” respondi rápido. Tinha notado que
ela estava um pouco distante no trabalho mas achei que fosse só cansaço.
Estávamos em época de fim de temporada e gravando como se não houvesse
amanhã. “Nah, já estive melhor. Só preciso gastar um tempinho com um cara chato
mesmo.” Eu comecei a rir e por algum motivo senti que alguma coisa estava
acontecendo no meu estômago e orei pra que fosse qualquer coisa que não aquelas
borboletas.
Já tinha algum tempo que eu achava que estava começando a
gostar, talvez um pouco demais, da minha companheira de trabalho. Mas existiam
tantos probleminhas no caminho que eu preferia simplesmente varrer meus
supostos sentimentos pra debaixo do tapete.. Ao mesmo tempo que eu queria poder
estar com ela, sabia que isso poderia trazer problemas pra nossa amizade e pra
nossa química em cena, caso tudo desse errado. “Pode vir pequeninha, só não tenho comida em casa haha” respondi. E
de fato não tinha nada. E nem cozinhar eu sei.
***
Allison
Pensei seriamente em ir vestida praticamente que só em peças
de moletom, mas ainda assim, ia sair de casa, ser vista e não tem nada mais
deprimente do que ser vista na rua de calça de moletom em plena sexta feira. Deixei colado na porta da geladeira um post it
cor de rosa, como Charlie costuma fazer. “Fui
pra casa do Tyler. Tô com o celular. Xoxo”
***
Tyler
Assim que ouvi o interfone, já sabia quem esperava na porta
do prédio.
- Pois não? – Atendi com uma voz séria mesmo que a minha
expressão facial fosse o oposto.
- Boa noite, foi aqui que pediram comida chinesa? – Allison
dizia um pouco perto demais do microfone fazendo o som ficar levemente errado.
- Não, eu não pedi comida nenhuma. Na verdade eu tava
esperando a entrega de uma menina meio baixinha, tem alguma por ai? – Eu estava
me segurando ao máximo pra não rir. Toda vez era a mesma coisa, só mandar subir
não era um hábito nosso.
- Hoje é a sua noite de sorte moço, de fato tem uma baixinha
aqui.
- Que ótimo! Pode subir então. – Finalmente apertei o botão
que destrancava a porta de entrada do prédio e me pus a esperar Ally ao lado da
porta.
Não demorou muito até que as portas do elevador se abrissem
e ela saísse lá de dentro sorridente. É difícil explicar o quanto eu gosto de
vê-la sorrir. Logo quando nos conhecemos no teste para a série, a primeira
coisa que me chamou a atenção nela foi o sorriso. Ela é linda por inteiro, cada
pedacinho dela, mas existe alguma coisa no jeito com que ela sorri que torna
impossível não acompanhar.
- Finalmente concertaram seu elevador. – Ally disse rindo
enquanto me abraçava, encostando sua cabeça no meu peito. Ri enquanto beijava o
topo de sua cabeça.
- Tá cheirosa baixinha. – Então ela agradeceu um tanto sem
jeito enquanto me puxava pra dentro do meu apartamento pela barra da minha
camiseta. Não me leve a mal, mas um dos meus passatempos favoritos é deixar
Allison sem graça. Ela fica absurdamente fofa.
- Se eu soubesse que você estava de calça de moletom teria
vindo assim também. – Me disse enquanto se sentava no braço do meu sofá, os pés
sem tocar o chão. – Ah é, e eu menti sobre a comida chinesa. Mas tenho dinheiro
se precisar.
***
Allison
Acabamos fazendo um risoto com mil tipos de queijos
diferentes e vinho branco. Na verdade eu cozinhei, Ty só ficou reclamando do
quanto estava com fome. De fato ele não entende muito de cozinha, não sabia nem
onde guardava as coisas. Comida era pouca, mas a bebida... Não faltava nunca
naquele apartamento. Depois de devidamente alimentados e levemente embriagados,
começamos a limpar a bagunça da cozinha. Eu lavava as louças e Tyler fingia que
sabia onde deveria guarda-las. Foi
daí que ele começou a cantarolar baixinho:
“Hey little girl, on a spendin' spree, I don't come cheap, but the kisses
come free. After first inspection, I'm sure that you'll agree...I'm the ladie's
choice.”
- Que? – Eu disse olhando para o ruivo que se esticava para
guardar uma taça numa área mais alta do armário.
- Que o que? – Tyler me olhou com as bochechas rosadas.
- Você tava cantando? – perguntei pra ele sorrindo, com as
mãos cheias de sabão dentro da pia.
- Tava nada. – Me respondeu fechando as portas do armário.
- Claro que tava Tyler! Eu ouvi! O que você tava cantando?-
Então ainda de costas pra mim, vi que ele respirou fundo antes de dizer: “É de
um musical”. – Você gosta de mu...
- Eu gosto de musicais Ally. Bastante. – Parecia que ele não
sabia como explicar que gostava de musicais. Não que houvesse algum problema
nisso mas eu não esperava que ele
gostasse. – Durante a faculdade eu fiz um curso de teatro musical e a prova de
admissão era que nós representássemos alguma cena de um musical. E eu escolhi
essa música. E tirei uma nota muito boa, obrigado por perguntar.
- E de que filme era?
- Hairspray, você já deve ter visto.
-Hm, não me lembro de ter visto. – Respondi enquanto
enxaguava minhas mãos. Silêncio total na cozinha. Quando me virei de volta na
direção de Tyler ele me olhava como se eu tivesse dito que chuto cachorrinhos
na rua. Ou que eu odeio o Natal.
- Temos que resolver isso agora mesmo Allison O’Callagham.
Para a sala. – Tyler disse sério enquanto me puxava pelo braço.
Depois que o filme e toda aquela cantoria nos anos 60
acabou, Ty e eu continuamos sentados no sofá falando sobre nada. Falando sobre
nada e falando sobre tudo ao mesmo tempo. Aquele tipo de conversa em que não se
pensa e um assunto simplesmente puxa o outro que puxa mais um e assim se gasta
horas. Havia muito tempo que não me sentia tão confortável com alguém quanto me
sentia naquele sofá, as minhas pernas entrelaçadas às do meu amigo que se
sentava de frente para mim. Minha cabeça estava deitada no encosto do sofá e eu
observava Tyler que me observava. Estávamos em silêncio e a única coisa que eu
ouvia era alguma música dos Beach Boys que tocava no rádio, até que ele soltou
uma risada baixa e disse:
- Ally, eu preciso te contar uma coisa. – Sabia que
provavelmente não era nada sério já que ele estava sorrindo, mas ainda assim
não consegui impedir que meu coração acelerasse um pouquinho. Confirmei,
roçando minha cabeça na almofada para que ele continuasse falando. – Eu...-
Então ele começou a rir mais. Passou as mãos grandes no rosto antes de
continuar- Não me julgue ok? – Respirou fundo e então: - Ally, eu já fui emo.
Eu não aguentei. Ri tanto que meus olhos começaram a
marejar. Com toda a introdução que ele fez, considerei a hipótese dele ter tido
alguma experiência homossexual na faculdade ou algo do tipo, mas não. Ele era
parte daquela onda de adolescentes de cabelos alisados e calças justas, e
imagina-lo assim era meu novo passatempo favorito.
- Emo, tipo, com as pontas do converse quadriculadas com
caneta, franja na cara, lápis de olho, crises existenciais, Simple Plan e essas
coisas? – Eu ainda estava me recompondo, limpando os olhos e tentando me
arrumar de novo no sofá quando Ty começou a cantar “Perfect” e eu quase morri
de rir de novo.
- Sim. Emo com tudo que se tem direito.
- Eu preciso tanto
de fotos dessa época.
- Pode esquecer baixinha, os registros fotográficos estão
muito bem escondidos em uma casa de uma cidade pequena de Nova Jersey. E
ficarão lá para a eternidade. Ou até eu ficar muito famoso e minha mãe ceder as
fotos pro TMZ.
Depois de mais algum tempo tudo ficou calmo de novo. Meus
olhos cada vez mais pesados, o sofá cada vez mais confortável, a música mais
distante a cada segundo até que eu apaguei de vez.
***
Tyler
Eu pensei em acordar Allison mas já era madrugada e eu não
me sentiria confortável com ela dirigindo sozinha até seu apartamento, que nem
perto do meu era, no meio da madrugada. Ao invés de chama-la resolvi leva-la no
colo até meu quarto e deixar que dormisse lá, eu poderia me virar muito bem no
sofá.
Tomei o máximo de cuidado possível para que ela não
acordasse no trajeto, andando quase na pontas dos meus pés. Enquanto a levava
nos braços, Ally colocou uma das mãos sobre meu peito e eu senti meu rosto
corar instantaneamente. Assim que comecei a deita-la em meu colchão, a garota
segurou a minha camiseta e murmurou “Josh” entre os lábios entreabertos. Eu
sabia quem era Josh. Ela me contara toda a história dos dois. Como se
conheceram, como ficaram pela primeira vez, as piadas que ele contava, a paixão
dele por Elvis Presley, bandas indie e balas de gelatina. Sabia o quanto ela
sentia falta do rapaz que eu nunca cheguei a conhecer, e em como sonhava com o
futuro dos dois. Sabia que ela o imaginava lendo para os filhos dos dois antes
da hora de dormir, com ele criando vozes para os personagens e tudo. Eu via
todos os dias o quanto ela estava infeliz e acreditava que estava conseguindo
melhorar seus dias ao menos um pouquinho, mas aparentemente ela estava apenas
guardando essas coisas para si naquele momento.
- Não me deixa. – Ela murmurava enquanto eu a cobria com um
cobertor. Parei do lado dela por alguns segundos. Respirei fundo e deixei meus
lábios em sua testa por bastante tempo.
Antes de sair do quarto, falei quase que no mesmo tom de voz que ela,
sem saber se falava para mim ou para ela:
- Eu nunca vou te deixar baixinha.
Acordei na manhã seguinte com uma certa dor no pescoço por
ter dormido totalmente torto no sofá. Enquanto me alongava me lembrei do motivo
de ter dormido na sala: Ally. Sabia que ela costumava dormir até mais tarde
então resolvi correr até a cozinha e arrumar a mesa para o café da manhã.
Pensei em tentar fazer panquecas mas era esperar demais de alguém que não sabia
nem onde a frigideira estava. Cobri a mesa com uma toalha vermelha, dois pares
de xícaras, pratos, copos e talheres. Suco de laranja, pães integrais, frios e
algumas maças que eu tinha comprado no dia anterior. Era sorte Ally ter
aparecido no mesmo dia em que eu havia feito compras porque normalmente eu mal
como pela manhã, no máximo café e uma maça no caminho pro estúdio.
Enquanto Allison não acordava, resolvi aproveitar o tempo
que ainda tinha sozinho para dar uma olhada nas minhas redes sociais, dar um
“oi” para os fãs no twitter – rotina. Assim que abri meu perfil no Facebook, um
pedido de amizade me chamou a atenção. Joshua Smith. Dois amigos em comum,
sendo eles: Allison O’Callagham e Charlotte Moore. Achei estranho um pedido de
amizade do namorado de minha colega de trabalho chegar aparentemente do nada,
mas aceitei mesmo assim.
Foi aí que notei que havia uma conversa nova na minha caixa
de mensagens. Surpresa mesmo foi ver que era Josh que havia enviado:
“Oi Tyler, sei que não
nos conhecemos mas acredite, eu sei bastante sobre você. Muito provavelmente
você sabe que eu sou, então acredito que não precise me apresentar. É tudo
muito estranho, eu sei, mas eu estou te enviando isso na verdade para fazer um
único pedido. Eu peço que você cuide da Allison. Não por mim, por ela. Você já
deve ter notado o modo como os lugares parecem que se iluminam quando ela sorri
e como ela consegue sempre inspirar o melhor nas pessoas. Eu venho falando com
Charlie (que você já deve saber quem é) e sei que as coisas aí não vão muito
bem. Talvez pra você ela tente parecer forte, mas eu sei que é só a armadura
que ela veste. Ela é muito sensível e precisa ter sempre alguém por perto, mesmo
que ela não admita isso pra quase ninguém. Infelizmente eu não posso ser esse
alguém agora. Mas você pode. E é só isso que eu te peço: Cuide da Ally. Deixe
ela segura, saudável (tente convence-la a parar com os cigarros, por favor) e
mais do que tudo, faça ela feliz. Sei que você se importa com ela, eu vejo como
olha pra ela nas fotos, então por favor, seja um bom amigo pra ela, você sabe
que ela precisa. E eu estou aqui se você precisar de qualquer coisa. Abraços,
Joshua. “
Quando terminei de ler a mensagem, tive a sensação de que
havia mais por trás daquelas palavras do que Josh me dissera e senti meu
estômago revirar na ideia de ver Allison mal. Apenas respondi um “Pode contar comigo” e fechei a janela
do navegador assim que ouvi passos no corredor.
- Bom dia grandão. – Ela dizia coçando os olhos verdes. A
camiseta amarrotada, os pés descalços, o sorriso preguiçoso e a voz rouca de
quem acaba de acordar. Ela era simplesmente linda.
- Bom dia baixinha. – Disse enquanto a abraçava e deixava um
beijo no topo de sua cabeça cheia de cabelos castanho claros, como de costume.
***
Allison
De volta para o meu próprio apartamento, já era o fim de
tarde (ou quase noite, como eu prefiro chamar) e pra variar Charlie tinha
planos para a noite. E pra variar eu não tinha. Só o que tinha em mente era:
Alguma comédia romântica no Netflix, pedir nachos por telefone e ficar de
pijama. Simples. Enquanto ajudava minha amiga já muito bem maquiada a escolher
o que iria vestir para mais uma de suas festas – “Ai, eu vesti esse da última
vez”, “Mas o sapato de salto que combina que esse tá pra arrumar”, “Nem serve,
não sei porque tá guardado ainda”- meu celular apitou do meu quarto. Era Tyler.
“Você tá sabendo que
por algum motivo idiota seu cartão de crédito tava entre as almofadas do meu
sofá né?”
É claro que eu não sabia. Não tinha nem notado a falta dele
pra ser bem sincera.
“Nossa, que burra.
Daqui a pouco eu passo aí pra pegar então.”
“Ei, deixa que eu levo
pra você. Vou pra casa do Ashton e passo aí pra te entregar ok?”
“Certo, pode vir
quando quiser, não vou sair mesmo lol.”
- É o bonitão Ally? – Minha amiga gritava do quarto em
frente ao meu.
-Não, Tyler me avisando que deixei meu cartão de crédito lá.
Vai trazer depois.
- Ah tá... Corre aqui ver esse. - Charlotte segurava um
vestido tomara que caia, branco e de saia rodada junto do corpo e um par de
sapatos de salto em vermelho vinho na outra mão – Esse fica bom?
-O melhor até agora. Se eu fosse você vestia esse logo que
daqui a pouco seu namorado chega. – Respondi me deitando em sua cama, enquanto
a observava de lingerie experimentando o vestido sem se vestir de verdade na
frente do espelho. Vi que ela rolou os olhos azuis antes de me responder.
- Ele. Não. É. Meu. Namorado.
- Mas ele gosta de você. Tá na cara dele. –Ri enquanto
pegava um dos milhares de travesseiros encostados na cabeceira da cama.
- O Tyler também gosta de você e eu não saio por aí falando
disso. – Me disse com um sorriso malicioso enquanto ia até o banheiro.
- Gosta nada. – Parecia que tínhamos voltado aos nossos 6
anos, quando implicávamos uma com a outra por causa de meninos.
- Aaaaah gosta sim minha querida. – Após alguns segundos,
ela voltou já vestida e totalmente arrumada. A beleza de Charlie as vezes ainda
me causava uma pontadinha de inveja, mesmo depois de todos esses anos. Parecia
uma deusa grega com aqueles cabelos loiros presos e o vestido branco. – Você
que não percebe como ele olha pra você. – Enquanto ela falava, conseguia ouvir
meu celular tocando do quarto. Era Elvis, ou seja: Josh ligando- Talvez ele nem
saiba ainda, mas ele gosta de você sim.
Rindo de Charlotte corri até o telefone que tocava. Tinha só
um dia que não falava com ele mas para mim era como se anos tivessem passado.
- Oi príncipe. – Atendi com o coração batendo forte e um
sorriso quase me doendo as bochechas.
- Oi linda, tudo bem? – Pelo seu tom de voz Josh mal parecia
estar no mesmo mundo que eu. Distante. Pensei que talvez fosse sono. De acordo
com minhas contas já era madrugada em Londres.
- Eu tô sim, e você? – Saí andando até a sala e me sentei no
braço do sofá.
- Anh...Tô, tô bem sim. Tem planos pra hoje a noite? – Era
estranho que eu não sentia que ele estava sorrindo. Joshua tinha essa mania linda
de falar as coisas sorrindo. Mas não agora.
-Não exatamente. Vou ficar em casa só. Não devia estar
dormindo não, mocinho? – Tentei quebrar o clima fazendo ele rir. E quase deu
certo, exceto que ele mal riu. Mas consegui notar um sorriso na voz dele pelo
menos.
- Eu ia, mas não conseguia pegar no sono sem falar com você.
Não sei se vou conseguir dormir depois disso também mas eu preciso falar de
qualquer jeito.
Foi aí que eu vi o que estava acontecendo. Vinha merda por
aí e das grandes. Já sentia meu coração em queda livre e as mãos geladas quando
consegui fazer minha voz sair de novo.
- O que aconteceu Josh?
Silêncio. Fechei os olhos e senti que ele fazia o mesmo do
outro lado da linha. Ele respirou fundo antes de soltar o ar e voltar a falar.
Eu sabia o que ia acontecer.
- Não tem jeito fácil de falar isso Ally. – Eu já estava
chorando – Eu tenho pensado muito nisso tudo e venho sido um namorado de merda.
Você não tá bem e eu sei que pelo menos uma grande parte disso tudo é culpa
minha.
- Eu tô bem! – Respondi forçando um sorriso que ele não
podia ver, mas a minha voz saiu chorosa.
- Eu sei que você não tá bem Ally. Eu venho conversando com
a Charlie esse tempo todo, na verdade ela que me avisou um tempo atrás que você
não andava bem.
- Você andava falando sobre mim pelas minhas costas? –
Quando olhei para frente vi minha amiga congelada, segurando uma bolsa pequena
nas mãos. Achei que ela ia começar a chorar a qualquer segundo. Então ela foi
embora, fechando a porta do apartamento silenciosamente.
- Ela te ama demais e só quer o seu bem. E eu não te faço
bem. – Mal conseguia enxergar qualquer coisa, da quantidade de lágrimas que me
descia o rosto. “Faz sim”, eu disse
quase que num murmuro para o telefone- De onde eu estou só te faço sofrer Ally,
e isso não é nem um pouco justo com você.
- Você tá terminando comigo?
- Sim. – Eu não respirava mais. Só consegui cobrir a boca
com a mão livre e continuei com os olhos fechados. Aquilo não podia estar
acontecendo. Tava tudo errado. Josh tinha que voltar pra casa, pra que nós pudéssemos
continuar juntos, como era no começo. Ao mesmo tempo em que o mundo parecia
estar desabando a minha volta, eu não sentia nada. Se alguém chegasse e me esfaqueasse
no peito eu provavelmente agradeceria a atitude.
- Você não me ama mais? – Tentei falar da forma mais clara
possível, porém as palavras saíram como sussurros.
- Não te amar? Allison, eu te amo mais do que tudo no mundo!
Justamente por isso eu não posso saber que estou te machucando e deixar assim
mesmo. Eu só quero o que é melhor pra você meu amor, e eu não sou o melhor pra
você agora.
Eu não conseguia dizer mais nada, era coisa demais pra se
absorver em tão pouco tempo. Então era isso? Você ama a pessoa. A pessoa te
ama. Mas vocês não podem estar juntos. Fim. As vezes a vida é injusta demais.
- Eu te amo demais princesa. – Minha mão tremula continuava
cobrindo meus lábios. Tinha medo de que caso a abaixasse não conseguisse conter
o grito preso na garganta. “Não fala
isso. Não ajuda em nada” pensei comigo mesma, sem forças pra verbalizar. –
Mas eu tenho que fazer isso, por mais que eu sinta que...Eu estou te machucando
ainda mais com isso. –Notei que a voz de Josh começou a falhar, como se ele
estivesse pronto para desabar.
- Então é o fim?
- Por enquanto é.
- Eu te amo. – Falei com todas as forças que eu consegui
juntar.
- Eu também. – Passamos alguns longos segundos em silêncio,
como se os dois se recusassem a por um fim naquilo até que Josh voltou a falar:
- Se cuida tá?
Não respondi mais nada, apenas concordei com a cabeça e ouvi
o toque de ligação encerrada.
Desabei.
Quando dei por mim, estava sentada no chão da sala, com as
costas apoiadas na lateral do sofá. Abraçava meus joelhos com tanta força que
meus braços tremiam. Na realidade meu corpo inteiro tremia. Mal respirar eu
conseguia, o ar entrava em soluços longos entre períodos extensos de lágrimas
em silêncio.
***
Tyler
Quando parei na porta de entrada
do prédio de Ally, Charlie vinha saindo apressada e de olhos marejados.
- Tyler, acho que a Ally e o Joshua
estão terminando. – Então ela cobriu o rosto com as mãos e eu achei
honestamente que ela ia começar a chorar, e acredito que ela pensou o mesmo
porque respirou fundo e olhou para cima fazendo uma careta leve antes de falar:
- Eu só queria ajudar...
- Tá tudo bem Charlotte, pode ir
pro seu compromisso que eu tô aqui. Eu cuido da Ally. – Enquanto Charlie me
abraçava apertado e me agradecia por estar ali, me lembrei do pedido de Joshua
e tudo fez sentido. Ele estava planejando o fim do relacionamento dos dois e
queria que Allison tivesse apoio integral de alguém que está por perto a maior
parte do tempo.
No caminho até o apartamento das
duas, enviei uma mensagem para Ashton para avisar que não conseguiria ir pra
casa dele. Eu prometi para ela, mesmo que ela não tenha ouvido, que nunca a
deixaria e não tinha planos de quebrar essa promessa tão cedo.
Quando as portas se abriram fui o
mais silenciosamente possível até a porta do apartamento certo e esperei para
ver se conseguia ouvir alguma coisa. Não queria entrar no meio da conversa e
atrapalhar por mais que a simples ideia de ver Ally chorando do lado de dentro
me partisse o coração em mil pedaços. E eu esperei. Esperei até notar uma
mudança de padrão; antes ela falava – muito baixo – mas falava. Agora não, ela
só chorava. Muito alto. Entrei no apartamento com a mesma calma com que fiz meu
caminho até a porta. Encontrei Allison sentada no chão, o rosto encharcado
apoiado nos joelhos ossudos. A voz pesada.
Me ajoelhei até a altura dela e
beijei o topo de sua cabeça como sempre. Foi só aí que ela viu que eu estava
lá. Ally lançou seus braços ao redor do meu pescoço e continuou chorando alto.
No começo só o que eu fiz foi abraça-la forte e afagar suas costas com a ponta
dos dedos. Aos poucos ela foi se acalmando e relaxando seu corpo, até que
consegui – pela segunda vez no dia, se você for pensar- leva-la para sua cama
em meus braços. Cobri Allison que ainda chorava baixinho com o primeiro
cobertor que consegui encontrar dentro de seu guarda-roupa e me deitei ao seu
lado.
Seu rosto ainda molhado,
encostado em meu peito coberto com uma camiseta cinza. Meus lábios no topo de sua
cabeça, e meus braços ao redor de seu corpo coberto. Pela primeira vez notei
que seu perfume era doce; doce como se um pacote enorme de marshmallows acabasse
de ser aberto. De pouco em pouco Ally foi relaxando até cair em um sono profundo.
A segurei o mais perto do meu peito que consegui, apesar de todas as camadas que
nos separavam, e sussurrei em seu ouvido antes de deixar o cansaço me abater
também:
- Eu estou aqui Allison, e não
vou pra lugar nenhum. Eu prometo.
Por Mariana J.
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