- Não estou sendo, só não gosto de ser o centro das
atenções! – Me defendi indo de encontro com Tyler que sentado em nosso sofá
dava tapinhas no espaço ao seu lado. Assim que me sentei, Ty me puxou para seu
peito com um dos braços e me beijou o topo da cabeça antes de dizer:
- Engraçado você dizer isso já que você meio que faz parte
do elenco principal de uma sitcom de sucesso e tem milhares e milhares de
seguidores em todas as redes sociais possíveis.
- Não é a mesma coisa. – Resmunguei.
- Não mesmo. Estamos falando do seu aniversário poxa. Sabe
quantas vezes na vida você faz 22 anos? Uma só.
– Charlotte argumentou entrando na sala carregando uma caixa de dvd nas
mãos.
- É assim quando se faz 21. E 23. E 54. – Eu entendi o que
Charlie estava dizendo mas não consegui evitar. O peito de Tyler vibrava com a
sua risada e consegui ouvir Ash rindo da cozinha e falando “retardada”
baixinho.
- Você me entendeu sua estraga prazeres. – Charlie riu antes
de me acertar na cara com uma das almofadas do sofá – Poxa A, a gente se
organiza pra preparar uma festa de aniversário pra você e é assim que você
agradece? Falando que não quer comemorar?
Rolei meus olhos e ouvi quando minha amiga bufou. Ela odeia
que eu faça isso.
- Não disse que não
quero comemorar, só falei que não quero nada grande. Não quero que fechem
uma boate, nem que contratem um dj famoso. Ou caras cuspindo fogo. Ou
esculturas em gelo. Não preciso dessas coisas.
- Quem disse que a gente te ama o suficiente pra gastar
dinheiro contratando um dj famoso? – Ashton comentou jocoso antes de se sentar
ao lado de Charlie e a mesma deitar a cabeça em seu colo. As vezes o rapaz de cabelos pretos e
volumosos conseguia ser um tanto quanto áspero, não apenas comigo, mas eu sabia
que esse era exatamente o modo como ele demonstrava carinho: fazendo de conta
que não sentia carinho algum.
- Eu não. – Tyler respondeu dando de ombros antes de soltar
uma risada. O casal na outra ponta do sofá também afirmou sua falta de amor
pela minha pessoa. É pra isso que servem os amigos.
- Que seja – disse tentando soar irritada, me desvencilhando
do abraço do ruivo e me sentando de braços cruzados – um jantar já é mais do
que suficiente para mim.
- Bem isso ia acontecer de qualquer jeito queridinha, já
falei com seus pais e eles virão pra LA com festa ou não. E você conhece a sua
mãe né? Provável que ela já venha com um buffet preparado dentro do avião. –
Charlie disse rindo. Isso era bem a cara da minha mãe, Charlotte mais do que
qualquer um sabia disso depois de tantos anos de convivência.
Não havia uma vez sequer que minha amiga não reclamasse que
ganharia alguns quilos quando via a mesa de jantar da casa dos meus pais posta
para seja lá qual fosse a refeição. Até um lanche rápido era motivo para minha
mãe arrumar um banquete. Sem falar na quantidade de comida que minha mãe
deixava estocada no frízer quando vinha nos visitar. Passávamos meses sem nos
preocupar com o que cozinhar.
- Agora levanta e coloca logo o dvd pra rodar – falou
esticando preguiçosamente a caixa plástica para Tyler que me entregou com um
sorriso enorme no rosto.
- Eu amo esse filme!
E antes mesmo que eu visse de qual filme se tratava já ouvia
Ashton bufando no outro extremo do sofá.
- Ah que bosta, mais um musical. Duas horas de Tyler
cantando.
- Não é mais um
musical Ashton. – Ty respondeu sério enquanto se aprumava no canto do sofá
– É Grease. É o melhor musical.
- Sério cara – Ash com um meio sorriso no rosto passava o
braço coberto de tatuagens pelos ombros de Charlie que agora apoiava a cabeça
em seu peito – as vezes eu me pergunto se você é hétero mesmo.
Enquanto Tyler ria eu me levantei para colocar o cd no
aparelho. Juro que tentei me controlar mas não consegui conter um “Ah, ele é sim” lento e acidentalmente malicioso
que escapou dos meus lábios. Mesmo de costas eu consegui ver a reação dos três
no sofá. Charlie deveria estar de olhos arregalados, as duas mãos sobre a boca
em “o”. Ashton estaria um pouco corado, olhando para o chão e balançando a
cabeça, com vergonha de olhar o amigo do outro lado do sofá que corava antes de
cair numa gargalhada.
- Isso foi completamente desnecessário Allison. – Ouvi-o
dizer enquanto me esticava para alcançar o botão que ligava o aparelho no alto
do hack.
- Eu não disse nada Ash – respondi virando minha cabeça na
direção dele depois de ter deixado o cd – você que tá presumindo.
Completei lançando uma piscada para o ruivo corado que
sorria para mim antes que voltasse para o sofá. Tyler respondeu a piscada quase
em câmera lenta. Era incrível como qualquer movimento dele podia soar malicioso
quando ele queria. Ashton nos observava com a mesma expressão de “Não sei se
consigo olhar pra vocês” que eu imaginara.
- Vocês são terríveis. – Completou antes de ser repreendido
pelo ruivo, extremamente atento à tela da tv.
***
20/12 – noite
- Aaaaaah eu não acredito cara.
Eu disse rindo para o meu próprio celular. Estava no mercado
com Charlie para comprar o que precisávamos para o meu jantar de aniversário,
dois dias depois. Depois de muita conversa e muitas caras de choro por parte de
Charlie e Tyler eu finalmente cedi. Um jantarzinho com as pessoas mais próximas
não mataria ninguém certo?
- O que aconteceu? – Charlie brotou do meu lado segurando um
saco enorme de farinha de trigo. Ela é ótima com bolos, de verdade.
- Me deram a ideia mais sensacional do mundo – eu não
conseguia parar de rir – de verdade mesmo. Uma garota me disse no twitter que
eu deveria gravar uma versão de 22 com vocês em comemoração ao meu aniversário.
Charlotte sorria tanto quanto eu, apoiada na ponta oposta do
nosso carrinho de compras lotado.
- Isso é simplesmente genial. Responde essa menina, nós vamos fazer esse vídeo. – Completou
dando um soco no ar antes de adicionar alguns itens à sua lista de compras,
apoiando o papel em uma das prateleiras.
Compramos papeis, canetinhas coloridas e mais um milhão de
coisas que podiam ser usadas pro vídeo. Charlie leva muito a sério essa
história toda de aniversário. Na verdade ela leva muito a sério qualquer data
comemorativa, mas aniversários e Natal são prioridade – aliás nossa casa já
estava decorada desde o dia primeiro. “Como que eu não pensei nisso antes”,
ficava repetindo enquanto íamos para o caixa, “Esse vídeo vai ser o melhor
vídeo de aniversário de todos os tempos.”
E realmente foi. Uma ideia tão simples, como não tínhamos
pensado nisso sozinhas? Não era segredo para ninguém que eu adoro Taylor Swift,
e francamente, quem não adora? Tyler aceitou ajudar com o vídeo na hora, parte
porque era pro meu aniversário e parte por ser Taylor Swift, seu maior guilty
pleasure. Ele sempre dizia que conhecia tantas músicas dela por sua irmã ser fã
(o que não deixava de ser verdade), mas ainda assim tinha todas gravadas em um
pendrive. Andar de carro com ele era sempre mais divertido quando ele colocava
para tocar. Ashton aceitou por não ter escolha, claro.
***
21/12
Filmamos na noite seguinte na sala do apartamento –
gigantesco – de Ashton já que segundo o próprio a nossa sala tinha tantos
Papais Noeis e bonecos de neve que tirariam a atenção da música. Não que não fosse
verdade. Depois que já tínhamos tudo arrumado decidimos que só gravaríamos uma
vez, sem roteiro (o que era estranho para três de nós) e fosse o que Deus
quiser. E foi maravilhoso, de verdade. Começamos com Ash passando cartazes em
frente à câmera para explicar o que ia acontecer. Estávamos todos quietos e
tranquilos... até que começou a música. De repente nós quatro fazíamos lip sync
com a música que tocava super alta do aparelho de som do dono da casa. Tínhamos
um número 22 de alguns bons 60 centímetros de altura que alguém trazia de volta
em todo refrão, cartazes com partes da letra, confete colorido e o meu favorito,
um cartaz que Ty mesmo fez, escrito: “Who is Taylor Swift anyway? Ew.”
com Ally O’Callaghan escrito com canetinha vermelha no lugar do nome da dona da
música.
Havia muito tempo que eu não dançava tanto, que eu não ria
tanto, que eu verdadeiramente não me divertia como naqueles poucos minutos de
música. No fim da canção eu já estava com as bochechas doendo de tanto sorrir,
meus braços ao redor da cintura de Tyler que também me abraçava e eu soube que
tudo estava bem. Até que Charlie chegou com um canhão de papel picado e quase
me matou do coração.
Foi a melhor véspera de aniversário da história.
Depois que Ashton editou o áudio do vídeo, fomos os quatro
carregando pratos descartáveis, garrafas de cerveja e caixas de pizza para o
terraço do prédio. E ficamos lá, jogando conversa fora, comendo pizza, ouvindo
música e implicando uns com os outros até tarde. Sentada lá sob o céu estrelado
ao lado de algumas das pessoas que eu mais amo no mundo, com a mão de Tyler
segurando a minha, todos observando as luzes da cidade sem nos preocupar com o
vento nos bagunçando os cabelos. Eu sentia que aquele era o momento das nossas
vidas. Aquele tipo de dia que você guarda com carinho. Aquela história que você
conta anos depois com o mesmo brilho nos olhos, como se ainda estivesse lá.
Senti que mesmo que todo o resto da minha vida desse errado, se todos os meus
planos falhassem, eu ainda teria aquele momento. Eu ainda teria aquelas
pessoas, ainda teria aqueles sorrisos, ainda teria os lábios de Tyler no meu
rosto, eu ainda teria essas lembranças e tudo ficaria bem.
***
Já era pouco mais de meia noite quando o dono da casa
começou a querer nos expulsar dizendo que estava com sono, não que alguém lá
tenha acreditado mas eu estava de carona então iria assim que Ty fosse também.
- Eu não vou te dar parabéns agora porque você só nasceu às
05:53 da manhã, o que significa que ainda não é seu aniversário – Charlotte me
disse enquanto se despedia de mim em frente ao elevador, ia dormir lá mesmo
“Juro que chego em casa até as 10 e consigo fazer seu bolo com tempo de sobra”,
me disse mais cedo.
- É sério que você sabe a hora em que ela nasceu?
Ashton nos olhava de braços cruzados e um sorriso debochado
no rosto. Ele faz essa pose de machão achando que engana alguém quando na
verdade todo mundo sabe que ele é super sensível. Só ele acha que é segredo.
- Melhores amigas desde criança, não tem nada que eu não saiba
dessa baixinha. – A loira dizia dando tapinhas no alto de minha cabeça, como se
faz com crianças. Ou cachorros.
- Então, se vocês me dão licença eu tenho que levar essa
baixinha quase aniversariante embora – Tyler disse se metendo entre nós duas
para se despedir da minha amiga e me levando pela mão.
– Boa noite crianças,
usem proteção – Disse com um sorriso de canto de boca antes de entrarmos no
elevador que nos esperava.
- Vocês também Hawkins – Ashton respondeu com um aceno de
cabeça.
“Ai amor”, escutei Charlie reclamando pouco antes das portas
metálicas se fecharem.
***
- Hum, Tyler?
- Sim?
- Eu não quero parecer chata mas você por um acaso tá me
sequestrando? – não estávamos no caminho para a minha casa e muito menos para a
dele e ele estava tão quieto que estava começando a me preocupar.
– Não que ficar presa num lugar onde eu só posso ver você
seja realmente uma ideia ruim mas achei que você ia me deixar em casa –
Completei quando ele me olhou rindo.
- Quem disse que eu ia te levar para casa?
Minha expressão facial deveria estar tão confusa que Tyler
não conseguiu conter o riso.
- Calma baixinha, não vou te sequestrar ou te assassinar pra
vender seus órgãos no mercado negro.
- Isso não tem graça – respondi rindo e empurrando seu corpo
para a porta do carro – essas coisas realmente acontecem.
Ty continuou rindo. Passou uma das mãos nos cabelos antes de
voltar a me olhar.
- Antes de te contar para onde vamos eu quero que você abra
o porta luvas e pegue o pendrive azul – “Esse?” perguntei com o objeto entre os
dedos – Esse mesmo, agora coloque ele na entrada USB do rádio por favor.
E assim o fiz. Tyler ficava olhando do rádio para a rua
enquanto mordia os lábios, o rosto sério. Assim que paramos em um sinal
vermelho, Always da banda Blink 182 começou a soar pelos auto falantes do
carro, enchendo todo o ar do automóvel com a introdução da música.
- Eu gravei suas músicas favoritas aí – ele dizia mudando seu
foco do sinal fechado para o meu rosto. O sorriso iluminando seu rosto inteiro,
as bochechas saltadas e cheias de sardas alaranjadas – Entenda isso como uma
versão 2014 de uma mixtape.
Eu não sabia o que dizer. Tudo que ele fazia era tão
adorável que muitas vezes eu só não sabia como reagir e acabava ficando com
cara de idiota apaixonada, que era exatamente minha expressão na hora.
- Essa foi a coisa mais legal que alguém já fez por mim Ty –
Finalmente consegui dizer antes de me esticar o máximo que pude para beijar
seus lábios. Quando nos separamos o sinal já estava verde novamente.
- Não foi um trabalho muito grande na verdade. É uma sorte
enorme gostarmos da mesmas bandas. – O rapaz disse beijando a minha mão que
descansava sobre sua perna.
- Eu diria que é destino. – Respondi repetindo a cena. Ele
respirou fundo e fechou os olhos por um segundo, como se para gravar o que eu
havia dito.
- Não vai me perguntar para onde vamos?
- Isso passou pela minha cabeça.
- Bem, estamos a caminho de Nicholas Canyon Beach. – Falou
como se estivéssemos indo até o McDonald’s mais próximo.
- Agora? Mas eu... – “Eu já tenho tudo arrumado”, Tyler me
interrompeu antes que eu conseguisse continuar.
- Tenho cobertores, algumas comidas e bebidas – sem álcool,
fica tranquila – ali no porta malas e não aceito não como resposta. – Completou
dando um tapinha no volante para enfatizar, que por pouco não acertou a buzina.
- Bem, parece que ou eu vou para Nicholas Canyon Beach com
você ou eu me taco desse carro em movimento, e eu não sou muito boa com
escapismo – os ombros de Tyler mexiam para cima e para baixo, acompanhando sua
risada – então acho que não tenho muita escolha.
Agora ele não mordia mais os próprios lábios. Seu rosto
estava tão calmo que quase parecia que estava coberto por uma camada de brilho.
Na verdade ele estava emanando aquele brilho. Confortável, como quando você
finalmente consegue entrar em um lugar quente depois de ficar tempo demais no
vento frio.
- Mas sabe – ele me olhou novamente- mesmo se eu tivesse que
escolher, eu escolheria estar aqui com você.
E sorriu.
***
Passamos a uma hora e meia seguinte cantando juntos todas as
músicas que tocavam no rádio. Tyler havia feito um trabalho primoroso na
escolha da nossa trilha sonora que ia de She & Him até Fall Out Boy. E
Taylor Swift, claro que tinha Taylor Swift, não poderia não ter. Quando foi a
vez de “Wildest dreams” tocar, uma risadinha abafada me escapou dos lábios.
- Essa música me lembra você. – Tyler então me olhou rápido
com um sorriso “Como assim?”, perguntou. Então eu só esperei que a parte certa
começasse e levantei o dedo para indicar. “He’s so tall and handsome as hell,
he’s so bad but he does it so well”
- Ai Allison – ele estava genuinamente sem graça. Apesar da
penumbra do carro conseguia ver que suas bochechas estavam um pouco mais
rosadas e passou o resto da música em silêncio, apenas segurando minha mão.
- Aliás, aí também tem uma música que me lembra de você. –
Comentou assim que a canção chegou ao fim – Fecha os olhos. Não espie baixinha!
Sabia que ele estava procurando a música pelo som do botão
do rádio mas não ousei tirar as mãos dos meus olhos. Então eu ouvi os primeiros
acordes de guitarra. Mantive os olhos fechados mas não consegui conter um
sorriso. Something estava tocando e Tyler cantava baixinho, como se tentasse
fazer segunda voz para George Harrison.
- “Somewhere, in her smile, she knows that I don't need no
other lover” – Ele cantarolava com um meio sorriso no rosto enquanto
intercalava o ato de me observar enquanto dirigia.
***
Deixamos o carro de Tyler no estacionamento da praia e fomos
para a areia carregando todas as coisas que ele havia guardado no porta malas.
Eu carregava uma manta listrada em preto e branco e Ty segurava uma sexta de
piquenique grande o suficiente para uma família de 10 pessoas embaixo do braço.
Como a praia era mais afastada da cidade, conseguia ver muito mais estrelas ali
do que já conseguira ver do terraço de qualquer prédio. Só quando chegamos à
areia que me dei conta de que estávamos o tempo todo de mãos dadas. Coisa que nunca
havíamos feito antes. Sei que é meio bobo dizer isso, mas para mim, andar de
mãos dadas é um ato romântico tão forte quanto qualquer outro. Sou da velha
guarda, acho esse tipo de coisa muito bonitinho. E beijos na testa, esses são
os melhores.
Nos sentamos sobre uma toalha velha que Ty carregava na
sexta e por alguns minutos apenas observamos o mar em silêncio absoluto. O som
das ondas quebrando pouco antes de chegar à costa. A brisa em nossos rostos. A
lua deixando tudo em um tom perolado. Então quando olho para o rapaz do meu
lado, vejo que ele está com a cabeça erguida, a ponta achatada o nariz fino
apontando para o céu estrelado, os olhos bem fechados, um sorriso largado no
rosto. E ele era verdadeiramente lindo, lindo com a pele perolada pelo luar, os
cabelos laranjas dançando no vento, a mandíbula marcada pela barba rala.
Não tive receio algum ao passar minhas pernas sobre as dele
antes de sentar em seu colo, fazendo-o abrir aquele belo par de olhos azuis.
Essa era a graça de estar com Tyler, era simples, só estar lá era mais do que o
suficiente. Ele sorria, e seus olhos – que também sorriam- estavam tão próximos
dos meus que eu conseguia sentir uma leve brisa quando eles piscavam. Eu
poderia ficar daquele jeito, com nossos corpos colados, com as minhas mãos
segurando seu rosto a milímetros do meu pelo resto da minha vida. E foi aí que
eu soube. Foi assim que eu soube que estava irremediavelmente apaixonada por
Tyler Joseph Hawkins.
- Eu tenho tanta sorte
de ter você na minha vida. Você não tem nem ideia do quanto – murmurei como se
ninguém mais pudesse ouvir o que eu dizia. Senti uma de suas mãos pousando em
minha nuca e assim que vi que ele começaria a falar, o interrompi.
– É sério, eu realmente não sei o que seria de mim sem você.
Literalmente. E eu não sei quanto a você, mas acho que essa história de amizade
colorida não funciona mais pra mim. Não é mais amizade colorida se você acaba
se apaixonando, certo?
Nossos lábios estavam tão próximos que sentia como se ele
estivesse aspirando o ar que eu espirava, como se nós nos mantivéssemos vivos
assim. E de fato, há muito tempo eu não me sentia tão viva.
- Você não tem ideia – Ele começou a dizer, os olhos quase
fechados, a mão fazendo carinho no meu cabelo – do tempo que eu passei segurando
isso. E eu te amo Allison. Amo mais do que eu pensei que conseguiria amar
alguém na vida. – As últimas palavras saíram engasgadas em uma meia risada que
mais parecia um soluço.
- Eu acho que no fundo eu sempre soube – ele disse – Sempre
soube que isso aconteceria, mais cedo ou mais tarde. Ah Alisson, eu te amo. –
Completou me beijando a ponta do nariz. E meu queixo. As têmporas. O canto da
minha mandíbula. Ao pé do meu ouvido. E todo o meu pescoço.
– Eu te amo tanto.
- E eu te amo mais. – Consegui dizer antes que ele me
beijasse os lábios.
***
Eu não sabia que o céu podia ter tantas estrelas. Eu não
sabia que uma toalha poderia ser um lugar tão confortável e muito menos que Nicholas
Canyon Beach era um lugar tão legal de se ir de noite. De madrugada mais
exatamente. Estava com a minha cabeça deitada sobre o peito de Tyler que subia
e descia no ritmo de sua respiração. Minha mão direita sobre seu peito, seu
braço direito me abraçando a cintura. Não tinha nem mais certeza de que ele
estava acordado.
- Ty?
- Sim?
- O que aconteceu entre você e o seu pai?
Sei que provavelmente aquele não era o momento ideal pra
esse tipo de coisa, mas todas as vezes que Tyler falava com a mãe ao telefone,
assim que desligava era sempre a mesma expressão de desolação que ele tinha no
rosto. E não importava o quanto eu perguntasse, ele sempre achava um jeito de
fugir do assunto; mas naquele lugar, de madruga, sem ninguém por perto, não
tinha como desviar.
Ele respirou fundo antes de começar a falar.
- E uma longa história Ally. Meu pai e eu... nunca nos demos
muito bem na verdade. Minha mãe diz que é porque somos muito parecidos, mas eu
acho que é justamente o contrário. De qualquer jeito, não é só por isso que a
gente não consegue ficar perto por muito tempo.
Tyler soltou o ar como se o estivesse prendendo pela ultima
meia hora. Rolei para o lado para que pudesse vê-lo melhor, apoiada sobre meus
cotovelos.
- Eu... Eu vivi uma época muito difícil na minha vida quando
eu era mais novo. Desde criança me tratavam mal pela cor do meu cabelo,
sinceramente isso é ridículo, mas você sabe como crianças conseguem ser
maldosas quando querem. E eu morava em uma cidade pequena, imagina, nós éramos
a única família de ruivos. Por causa da profissão do meu pai nós nos mudávamos
demais, tá aí outro motivo que a gente não se dá... Sempre tive um pouco de
raiva dele por causa disso, era como se ele não quisesse que tivéssemos uma
vida normal.
- Quando eu tinha lá uns 12 ou 13 anos eu honestamente
acreditava que eu não me encaixava em lugar nenhum. Nunca conseguia formar um
grupo de amigos porque logo depois que eu conseguia e achava que estava tudo
bem, meu pai arrumava transferência para outra cidade e lá íamos nós de novo.
Comecei a ter problemas de ansiedade bem graves, do tipo de passar mal só de
pensar em ter que sair de casa; qualquer coisa era uma tortura... E claro que
meu pai achava que era frescura minha. Eu me sentia inútil, indesejado, deixado
de lado, como se... – ele puxou a respiração mais uma vez, os olhos mal
piscavam, mirando o céu – Como se a minha vida não tivesse motivo nenhum.
- Foi mais ou menos nessa época que eu entrei pra turma dos
emos do colégio. Não necessariamente porque eu me identificava com eles, até
porque eu me identificava mesmo, mas principalmente porque eu precisava me sentir parte de algo.
Lógico que meu pai odiou minhas roupas pretas, as calças justas, o cabelo
alisado, o lápis de olho e todo o resto. “Parece uma garota”. E sei lá, talvez
ele achasse que todo esse discurso de ódio estivesse me ajudando a largar
aquelas coisas, mas foi justamente o contrário.
- No final das contas eu não tinha mais vontade de sair de
casa, de ver ninguém, nem fome eu tinha. Se eu pudesse eu passava o dia inteiro
trancado no meu quarto. Comecei a beber escondido dos meus pais, fumei por um
tempo. Eu só queria me destruir. Eu... Eu não sei se você já notou algumas
cicatrizes que eu tenho? – Neguei com a cabeça, mesmo sabendo que ele não
estava vendo – Tenho algumas nos braços ainda, algumas nos ombros e nas pernas.
Eu tive problemas sérios com auto mutilação. Sérios mesmo. Sério do tipo, 30 cortes
por dia. E ninguém notou.
Suas últimas palavras saíram novamente como um soluço e eu
honestamente achei que ele começaria a chorar. Eu sabia o quanto ele estava se
esforçando para colocar tudo aquilo pra fora, era visível.
- Eu devia ter uns 17 anos mais ou menos quando... Uma
madrugada, quando eu já estava meio bêbado, peguei o carro do meu pai escondido
e saí. Saí sem rumo nenhum, só o que sabia é que eu não voltaria. Então peguei
a rodovia e já estava saindo da cidade quando me lembrei de uma cena de Clube
da Luta; aquela em que o Tyler tá com o Narrador no carro e simplesmente larga
a direção e deixa o carro sair da pista e cair da ponte? Foi o que eu fiz. Eu
não dava a mínima se vivia ou morria, se eu morresse naquela noite o que eu
perderia? Nada.
Tyler limpou os olhos com as costas da mão antes de voltar a
falar. Precisei secar meus olhos também.
- Eu não morri, como você pode ver – ele riu, sem humor
algum – Mas Deus, como eu queria naquela época. Por sorte uma viatura da
polícia estava passando por perto quando aconteceu e eles chamaram o socorro. Eu
acordei uma semana depois no hospital com a minha mãe chorando do meu lado.
Nunca me senti tão mal na vida. Tive um traumatismo craniano um pouco sério,
mas sem hemorragia nem danos cerebrais, felizmente. Ninguém tinha certeza se eu
conseguiria voltar do coma.
- O carro do meu pai virou uma latinha de cerveja amassada.
Eu poderia ter ficado num estado bem mais grave. Pra piorar acharam álcool no meu sangue, e
como eu era menor de idade é claro que meus pais que foram responsabilizados
por tudo. Meu pai estava completamente revoltado comigo e em quão inconsequente
e egoísta eu tinha sido. E fui mesmo, hoje eu vejo isso mas... Para ele eu
serei sempre o garoto de 17 anos. No pior sentido possível. Ele nunca me
perdoou de verdade. Meus pais quase se separaram 3 vezes por causa desse meu episódio
de quase morte.
- Mas de certa forma quase morrer foi muito bom pra mim.
Meus pais me colocaram na terapia, comecei a tomar remédios controlados,
consegui controlar os problemas com automutilação, nunca mais tentei me matar,
o que é alguma coisa. E foi nisso que eu descobri o meu amor pela atuação. Eu
já tinha participado de algumas produções teatrais do colégio, mas nunca porque
eu queria estar lá. De alguma forma
foi isso que me salvou. Tentar me matar fez com que eu começasse a viver.
Tyler então soltou o ar e secou os olhos mais uma vez antes
de rolar seu corpo na minha direção, um meio sorriso que parecia que não
deveria estar ali.
- E desde então eu agradeço todos os dias por ter acordado
naquele maldito hospital. Agradeço todos os dias pelo meu plano ter dado
errado. Se não fosse por isso eu nunca teria terminado o ensino médio. Nunca
teria me mudado para Nova Iorque. Nunca teria me formado. Nunca teria me mudado
para L.A. Nunca teria conhecido você. – Soltou
fazendo o sorriso em seu rosto crescer. Precisei respirar fundo antes de beijar
sua testa e dizer:
- Você tem ideia da sorte que eu tenho de te ter.
***
O sol começava a nascer e nós ainda não havíamos pregado os
olhos. Eu continuava deitada sobre o peito do ruivo que havia nos coberto com a
manta listrada, nos protegendo do vento do fim da noite. Estava a uma passo de
me render ao sono quando ouvi o celular de Tyler apitando de seu bolso. “Opa”,
ele disse tirando o aparelho do bolso por alguns segundos antes de guarda-lo de
volta.
- Feliz aniversário baixinha – Ty murmurou ao pé do meu
ouvido. A voz tão rouca e arrastada que ele parecia ronronar – Aliás, tenho
umas surpresinhas pra você.
Enquanto ele se esticava para alcançar a sexta, me sentei
novamente e tentei domar meus cabelos que já estavam rebeldes de tanto vento e
maresia.
- Você não cansa de fazer tanta coisa por mim não? –
Perguntei rindo enquanto o observava de costas para mim. Os ombros largos
escondidos por debaixo da camisa jeans que vestia, os cabelos bagunçados como
de costume.
- O que eu posso fazer se você merece?
Então ele se virou com um mini bolo de chocolate em suas
mãos. Uma vela palito acesa no topo. Aquele sorriso contagiante no rosto. Eu
juro que ele brilhava.
- Feliz aniversário docinho. Faça um pedido. – Completou
esticando o bolo para mim. Não tinha como não sorrir. Precisei respirar fundo e
secar os olhos antes de apagar a pequena chama que tremulava entre nós dois.
- Esse é o melhor aniversário de todos.
- Se você gostou do bolo, quero só ver sua reação com o seu
presente. – Riu enquanto nos cortava dois pedaços de bolo e os deitava em
pratinhos descartáveis que também estavam na sexta. Tyler havia pensado em cada
detalhe.
Enquanto eu comia minha fatia, tentando não me sujar demais
com todo o chocolate que ele tinha, Ty pousou um envelope vermelho com um laço
de fita colado em cima ao meu lado, dando um leve tapinha e uma piscada em
minha direção.
- Pra mim? – Perguntei depois de engolir uma garfada grande
demais de bolo. Tyler apenas sorriu e concordou com a cabeça.
O envelope era fino e não muito grande, mais ou menos do
mesmo tamanho de um envelope postal comum. Era leve.
- Você não fez uma doação para alguma companhia de balé em
meu nome né?
Tyler ria alto enquanto voltava a se deitar sobre a toalha,
com um dos cotovelos apoiados na areia fofa.
- Claro, não existe presente mais romântico do que esse.
Abre logo esse envelope Allison. – respondeu me cutucando com a ponta do pé
descalço.
Com o máximo de cuidado possível, soltei a cola que mantinha
o fino envelope vermelho fechado e puxei de lá dois retângulos de papel. Não
eram só retângulos de papel, eram ingressos. Ingressos para um show de ninguém
menos do que Taylor Swift. Minha mão voou para a minha boca e não consegui não
arregalar meus olhos. Da outra ponta, Tyler ria, se deliciando com toda aquela
situação.
- O show é só em fevereiro, mas achei que seria o presente
de aniversário perfeito pra você.
- Meu Deus – Eu nunca conseguira ir a um show dela, fiquei
sabendo do evento em LA mas quando eu pensei em comprar um ingresso, o show já
estava esgotado – Meu Deus, Tyler. Como que você? – Perguntava incrédula,
olhando do par de ingressos para o ruivo deitado. Eram ingressos para a melhor
área do show. Os melhores lugares de um show esgotado.
- Tenho meus contatos – Soltou antes de me jogar mais uma de
suas piscadelas.
- Se eu já não tivesse admitido que te amo, admitiria agora
– Falei enquanto ia até Tyler, me sentando em seu quadril e enchendo-o de
beijos.
- Você me ama por ter te comprado ingressos para um show?
- Por isso também. – Respondi antes de voltar a beija-lo.
***
O céu já estava acordado e algumas pessoas já faziam
caminhadas sobre a areia molhada quando finalmente fizemos nosso caminho de
volta para a cidade. Estava me sentindo nojenta pela quantidade de areia e
maresia que sentia por todos os lados possíveis, ainda assim Tyler continuava
impecável, como se tivesse acabado de sair do banho.
- Topa um Starbucks agora? – Ty me perguntou quando paramos
em um cruzamento com o sinal vermelho. Nem precisei responder. Só com a careta
que fiz olhando para a minha calça jeans e para a blusinha azul que eu vestia
com uma mancha de chocolate (sim, eu consegui me sujar) ele sabia o que eu iria
dizer.
- Podemos passar no drive thru, o que você acha? Um
frappuccino de caramelo cairia bem agora. – Argumentou antes de me beijar as
costas da mão. Concordei com um meio sorriso e um aceno de cabeça antes de
beijar seus lábios rapidamente. Tyler ainda segurava minha mão.
- Ty, o sinal já tá aberto – Comentei olhando para cima e
encontrando a luz verde brilhando. “Nossa, nem tinha percebido”, ele disse
antes de colocar o carro em movimento mais uma vez. Quando estávamos quase fora
do cruzamento, aconteceu.
Antes que eu pudesse entender o que estava acontecendo,
senti uma pancada muito forte na lateral do carro, do lado em que eu estava
sentada. Senti meu corpo se debatendo no interior do automóvel, e depois de
dois ou talvez três giros, chocamos de frente com alguma coisa.
Meu peito doía. Meu braço direito também. Sentia meu rosto
quente, mas não sabia o motivo. Eu tentava manter meus olhos abertos mas era
difícil demais. Tudo que estava no meu campo de visão era um enorme borrão,
precisei me esforçar ao máximo para conseguir encontrar Tyler sentado ao meu
lado. O rosto viscoso de sangue que lhe manchava a camisa. Arfou de dor quando
me segurou pelos ombros.
- Ally, Ally por favor. – Tyler passava a mão pelo meu
rosto. Meus olhos piscavam em câmera lenta. Tudo doía. Minha audição parecia
abafada. Ele soltou o próprio sinto de segurança antes de tentar me segurar
mais uma vez.
- Ally, por favor, fica comigo. Allison, você tá me
escutando? – Eu conseguia ouvir o desespero em sua voz, mas eu não conseguia me
forçar a emitir qualquer som. Até mover meus lábios parecia difícil demais.
Sentia suas mãos tremendo. A voz chorosa.
- Por favor Ally, fica comigo. Fica acordada, por favor. Por
favor. – Arfou mais uma vez quando tentava alcançar seu celular no bolso da
calça caqui. Escutei seus dedos tocando a tela do aparelho e tentei perguntar
se ele estava bem. Sua franja estava melada e seus cabelos ensopados em sangue,
assim como seu pescoço. Tyler continuava segurando minha mão.
- Alô? Eu... Eu preciso de uma ambulância urgentemente, foi
um acidente de carro – sua voz falhava e o desespero em seu tom era quase
palpável. Queria dizer que estava bem, mas eu não tinha tanta certeza, tanta
dor não podia ser coisa boa. Minhas piscadas estavam cada vez mais longas –
Ally, por favor amor, por favor baixinha, fica comigo.
E eu tentei, juro que tentei. E então meus olhos se fecharam
de vez enquanto Tyler ainda pedia ajuda.
Por Mariana J.
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