Quando eu era garoto Londres era meu lugar favorito no mundo
todo, quase como se fosse minha própria casa. Me lembro de contar os dias para
o início das férias de verão, época em que eu passava uma temporada na cidade
com meus tios. Tia Margareth sempre me tratou como o filho que ela nunca teve.
Agora, depois de tantos anos a cidade parece bem mais cinzenta do que eu me
lembrava. Ou talvez a falta de cor seja apenas efeito desse bichinho que vem
crescendo em meu peito. Dizem que lar é onde seu coração está e eu te garanto
que o meu não me acompanhou na viagem intercontinental.
Foi só enquanto o avião se preparava para a decolagem que me
dei conta do que estava acontecendo. Eu queria que ela estivesse sentada na
poltrona ao lado da minha, observando as manobras quase grudando o rosto na
janelinha. E ela seguraria a minha mão mesmo suada, sabendo o quanto eu odeio
decolagens. “Fica calminho amor, vai dar
tudo certo tá? Eu tô aqui.” Mas ela não estava. Eu estava deixando Allison.
Nós estávamos tão ocupados pensando em como nos despedir que esquecemos de
pensar no que aconteceria depois. E agora aqui estamos nós – ou melhor, e agora
aqui estou eu, já que ela está a milhares de quilômetros.
Eu tento não parar pra pensar em como ela está lá na sempre
ensolarada Califórnia mas absolutamente tudo me lembra dela. Uma vez que entrei
no mercado e estavam tocando Blink 182
nos auto falantes. Quando encontro um episódio de Friends passando na tv, quase
consigo ouvi-la rindo ao meu lado e repetindo as falas como sempre fazia. “Chandler M. Bing é meu spirit animal Josh.
É por isso que eu sou cômica assim.” Alguns dias atrás jurei tê-la visto no
café perto do meu novo apartamento. Os cabelos castanho claros da garota eram
iguais aos dela quando eu parti. Longos e lisos com uma franja lhe cobrindo a
testa. Mas os olhos, ah os olhos daquela garota não eram nem de longe tão
hipnotizantes quanto os de Ally. Me lembro daquele primeiro sábado, naquela
nossa cafeteria, na nossa mesa. Assim que ela me olhou com aqueles olhos verdes
enormes eu senti que alguma coisa incrível estava acontecendo.
Eu tentei não me envolver, não me deixar apaixonar mas
quando dei por mim já era tarde demais pra parar. Eu estava de quatro por Ally
e não havia nada que me fizesse mudar. Quando a abracei na minha festa de
aniversário tudo em mim berrava que eu não devia deixa-la nunca. E eu tentei, e
como tentei. Passei meses a fio tentando convencer meu pai com todos os
argumentos que consegui. “Mas eu sou novo
demais”, “Eu não mereço um cargo desses”, “Você deveria ir pai, eu cuido
daqui”, “Marla não pode ir? Ela já tem vinte anos de casa, merece muito mais do
que eu”. Nada funcionou.
- Sua tia quer você
lá dentro Joshua. Ela confia mais em você do que em mim se bobear. Você é
totalmente capaz disso garoto, e esse não era seu sonho? O que está errado com
você? – Meu pai respondia me olhando incrédulo do outro lado da enorme mesa de
seu escritório. Ser filho do chefe nunca me ajudou em nada, se é que você quer
saber. Quando eu disse para ele o que me fez mudar de ideia sobre ir para
Londres, ele quase riu na minha cara.
- Vocês estão noivos por um acaso? – Neguei com a cabeça –
Então não tem motivo pra não ir. Você não vai jogar fora uma chance dessas por
uma garota que você conhece há uns dois meses. Joshua, muitas pessoas aqui
matariam pra estar no seu lugar.
- Então mande uma dessas pessoas, porra! Porque isso tem que
ser tão difícil? – Saltei da cadeira com minha voz alterada. Queria poder virar
aquela mesa, xingar aquele lugar inteiro e pedir demissão mas a vida não é tão
simples assim.
- Olha aqui garoto, aqui eu sou o seu chefe. Abaixe esse teu
tom de voz e cuidado como fala comigo. – Seu indicador estava a milímetros do
meu rosto e sua voz estava exatamente como quando eu era criança e era suspenso
da escola por fazer bagunça demais. – Você vai pra Londres e fim de história.
Se eu parasse pra listar tudo o que eu sinto falta naquela
garota, a lista provavelmente seria longa o suficiente para me levar até ela.
Tenho saudades da voz de sono dela quando acorda cedo pra
sair para o trabalho. Do seu perfume que me lembra o aroma de um pacote de
marshmellows recém aberto. Do som dos seus saltos altos no piso do meu
apartamento e dela os xingando baixinho. “Você
não tem ideia do quanto isso dói Josh. É um instrumento de tortura.” Sinto
falta do gosto dos beijos dela e das pequenas constelações de sardas que ela
tem sobre as maças do rosto e cobrindo os ombros. Tenho saudades da forma como
ela segurava minha mão e do cheiro de seu cabelo que sempre acabava me cobrindo
o rosto quando dormíamos juntos. Me lembro da primeira vez que ela se despiu na
minha frente e como seu rosto ficou corado. Sinto saudades disso também. E
nenhum pensamento meu pode ser vulgar porque é ela, e não há nada de vulgar em
Allison.
É estranho não
ouvi-la cantando algum punk pop no chuveiro ou enquanto me ajuda a arrumar a
cozinha. Nem sempre era dentro de tom mas ela não cantava para agradar, cantava
porque tinha vontade. Eu não tenho com
quem dividir balas de gelatina em forma de tubarão, nem ninguém que aguente me
ouvir reclamar dos programas da tv ou de cafés fracos. Por falar nisso o café
da cafeteria daqui é péssimo, até comecei a tomar moccas, cappuccinos e coisas
do gênero. E ela riu muito de mim quando contei isso a ela. Sinto falta até
dela reclamando toda vez que eu acendo um cigarro, mesmo ela tendo dividido uns
comigo uma vez ou outra.
Ao lado dela o tempo passava tão rápido, tudo era tão
simples. Quando ela deitava sua cabeça sobre o meu peito eu só queria deixa-la
lá para sempre. Os dois ligados por um elo invisível, como se tivéssemos uma
corda amarrada ao calcanhar de cada um, impedindo que nos afastássemos demais.
Mesmo longe eu a sinto aqui comigo. Sentada sobre a bancada de pedra da pia, me
observando cozinhar. Deitada no meu colo quando assisto algum filme de ação. Me
fotografando enquanto eu tento acender um cigarro ao vento. “Eu odeio admitir, mas você fica tão sexy
quando fuma. Você é sexy de qualquer jeito”. E a risada. Ah, como eu amo o
som da risada dela. Tudo em mim implora por um pouco dela.
Agora eu só consigo falar com Ally ao telefone nos fins de
semana ou quando ela tem uma folguinha entre as gravações que estão cada vez
mais apertadas. A série é conhecida até aqui na terra da rainha. Todas as vezes
que me deparo com alguma publicidade, ou revista trato logo de registrar e
mandar para seu celular. Sei o quanto ela está se esforçando para isso tudo e
eu não poderia me sentir mais orgulhoso da minha menina. É claro que eu queria
que ela estivesse aqui comigo mas saber que ela está se divertindo, finalmente
fazendo o que ama, me deixa ainda mais feliz. Na verdade eu queria estar lá.
Meu coração quer voltar pra casa. Eu preciso voltar pra casa. Reencontrar a
parte de mim que tive que deixar para trás. Só espero que não demore demais.
Por Mariana J.
n/a: Esse foi um extra da história do meu casal favorito. Achei que já tava na hora de deixar o Josh falar um pouquinho. Daqui a pouco sai a parte 5 e enquanto isso deixo as anteriores: 1 2 3 4. E pra terminar, fica a música que dá nome ao conto. Espero que gostem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário