Eu não me lembro o mês ao certo... Acho que era Fevereiro.
Me lembro que o clima estava mudando, nem quente, nem frio. Era um sábado e mal se passava das oito horas
da manhã. Poucas coisas conseguem me fazer sair da cama antes das dez em um fim
de semana – que ainda por cima era chuvoso, nesse caso - : Viagens e cinema. No
dia em questão o a segunda opção era o motivo pelo qual eu acordei mais cedo do
que o normal e rumei para fora do apartamento que divido com a minha melhor
amiga. Tem esse cinema antigo aqui que todo primeiro sábado do mês apresenta
uma seção única de algum filme que não se encontra mais em cartaz. O filme do
mês era “O Iluminado” de Stanley Kubrick, conhecido também como “Um Dos Meus Filmes Favoritos Da Vida”. Me
recordo que ainda estava vestida em homenagem ao filme: uma calça jeans, uma
camiseta estampada com a clássica imagem de Jack Nicholson olhando pelo rombo
na porta de madeira com a igualmente clássica frase “Here’s Johnny!” (que por
um acaso foi um improviso de Nicholson, vale lembrar), e um cardigã azul claro,
no mesmo tom dos vestidos das gêmeas.
Sempre saía do nosso pequeno apartamento no máximo às nove e
meia da manhã, visto que as seções especiais de sábado começavam às dez, eu
tinha tempo hábil de chegar ao cinema mesmo que a pé. Mas aquele sábado foi
diferente. Eu acordei mais cedo. Me arrumei mais rápido. Saí de casa bem mais
cedo e decidi passar nessa cafeteria que ficava a algumas quadras do cinema e
fazer meu desjejum lá mesmo, além de gastar um tempo escrevendo ou lendo
qualquer coisa. E assim o fiz. Fui caminhando pelas ruas já movimentadas, com
filas de carros parados com seus motoristas irritados, amaldiçoando uns aos
outros. Apesar da manhã acinzentada e das buzinas estridentes daqueles presos
nos engarrafamentos eu estava estranhamente animada. Consegui abstrair todo
aquele ambiente e tudo o que importava para mim era o ritmo quase dançante dos
meus pés no concreto e a canção que tocava apenas pra mim.
Foi quando eu estava chegando à cafeteria que o vi. Ele
vinha cruzando a rua andando calmamente, quase como se a faixa de pedestres fosse
a sua passarela particular. E meus olhos teimaram em acompanhar aquele desfile.
Se eu pudesse descreve-lo em uma única
palavra naquele momento, seria: Uau. Sim, uau. Os cabelos escuros e curtos,
bagunçados de um jeito matreiro contrastando diretamente com o paletó que
vestia sobre a camiseta branca e suas calças jeans. Entrei na cafeteria e me
encaminhei até o caixa para registrar meu pedido, como o lugar já estava
bastante cheio (ah, grandes cidades) temi que o garçom demorasse a me atender,
e fui me sentar a uma das poucas mesas livres.
Por algum motivo meu cérebro me obrigou a olhar pela enorme janela que
estava ao meu lado e de lá eu vi – adivinhem quem? – o moço dos cabelos
escuros. Ele estava mexendo no bolso interno do paletó quando sacou um pacote
de Marlboro Lights de lá e já levou um até seus lábios. Me lembro de ter
reclamado mentalmente, algo do tipo “Como alguém tão bonito pode fumar?”. Pois
é, eu já fui do time contra tabagismo, quem diria? Como se meus pensamentos
fossem altos demais, o rapaz se virou na minha direção e sorriu um sorriso de
canto de boca quando notou que eu o observava, antes de soltar a fumaça branca.
Até a fumaça dele era bonita.
Sentia meu rosto corar. Desviei o olhar do rapaz. Encarei
minhas unhas descascadas, o tecido da calça que vestia, as conversas de cada
mesa se tornando um som indecifrável, o casal sentado na mesa em frente a
minha, a menininha de cabelos loiros que me encarava algumas cadeiras a minha
frente. Tudo se tornou extremamente interessante. Mexi na minha bolsa, chequei o horário no meu
celular, arrumei meu cabelo, pigarreei, reclamei mentalmente da demora do meu
pedido. E então voltei a olhar para fora. Ele já não estava mais lá, me fazendo
sentir um misto de decepção e alívio. Um alívio quase inexistente, para ser
honesta. Assim que olhei na direção do caixa, vi que lá estava ele
provavelmente fazendo seu pedido como eu havia feito anteriormente. Fingi que
estava muito ocupada vendo algo na tela do meu celular. Metade de mim querendo
que ele se sentasse perto o suficiente para que eu pudesse observa-lo, metade
orando pra que ele apenas pegasse seu pedido e saísse de lá para que eu pudesse
respirar de novo.
- Com licença – uma voz rouca disse logo na minha frente e
não me atrevi a levantar os olhos – posso me sentar com você? As outras mesas
estão cheias.
Era ele. O rapaz dos cabelos bagunçados, com uma das mãos
sobre o encosto da cadeira a minha frente, apenas aguardando minha autorização.
O aroma de cigarro com perfume amadeirado me deixou um tanto desnorteada, assim
como aquela voz. Deus, aquela voz...
- Claro – finalmente consegui dizer, mesmo achando que minha
voz soava quase como um sussurro. Ao
mesmo tempo em que com uma mão ele afastou a cadeira para se sentar, estendia a
outra na minha frente para me cumprimentar.
- Obrigado. Eu sou Josh... Joshua na verdade.
- Eu sou Ally... Allison na verdade. – disse imitando-o
enquanto apertava sua mão. Estava me controlando ao máximo para não entrar em
combustão instantânea ou falar alguma coisa muito ridícula.
- É um prazer te conhecer, Ally. – Joshua falou enquanto se
arrumava na cadeira na minha frente e seus lábios se abriram no sorriso mais
maravilhoso que eu já vi. Provavelmente daqui a 20 anos eu ainda vou me lembrar
daquele sorriso.
- Já fez seu pedido? – ele me perguntava com uma
naturalidade invejável, era como se nos conhecêssemos há anos. Confirmei com a
cabeça e ele voltou a falar: “O que você pediu?”.
- Um mocca e um brownie. – Logo que disse “mocca” vi seu
rosto se contorcendo numa careta cômica – O que foi? – perguntei rindo baixo.
- Mocca. Mocca não é café. Café bom é café puro. – Joshua
falava pausadamente.
- Não seja assim tão preconceituoso Joshua, mocca também tem
café. Assim você vai acabar ferindo os sentimentos do pobrezinho.
- Daqui a pouco meu café vai chegar e você vai tomar um gole
pra aprender o que é bom nessa vida.
Apenas ri e tentei parecer natural. Eu queria perguntar tudo
sobre ele. Queria saber suas bandas favoritas, de que tipo de filmes ele
gostava, qual era a sua viagem dos sonhos, as vergonhas que passara no ensino
médio, o que fazia da vida, quantos anos tinha, onde morava, e tantas outras
coisas mas não. Apenas esperei que ele quebrasse o silêncio.
- O que te traz à rua tão cedo, Ally?
- Perdão? – eu havia ouvido o que ele dissera, mas sua voz
era tão apaixonante que eu poderia ouvi-lo falando para sempre.
- Digo, o que te fez acordar tão cedo em um Sábado nublado
desses? Por exemplo, eu tinha uma reunião que aparentemente foi cancelada e
ninguém teve a decência de me avisar. Então estou aqui esperando meu café, e
você?
- Bem, eu estou esperando dar o horário da minha seção de
cinema. Tem um cinema não muito longe daqui que apresenta uma seção especial
com um filme fora de cartaz todo primeiro sábado do mês.
Enquanto eu me explicava, um dos garçons parou à nossa mesa
e deixou sobre ela os nossos pedidos.
- Mesmo? Eu não sabia que tinha esse tipo de coisas por
aqui. Qual filme vão exibir hoje? – Josh disse logo após tomar um gole do seu
café sem acrescentar açúcar- Hum, isso aqui tá ótimo.
- “O Iluminado” se não me falha a memória. – mas é lógico
que não me falhava a memória, eu estava usando a merda de uma camiseta do filme
– Você também é contra açúcar no café, Joshua?
- Não diria que sou contra, mas eu gosto do meu café com
gosto de café. Posso roubar um pedaço desse teu brownie? – enquanto eu
empurrava o prato de porcelana preto e o garfo de prata para o outro lado da
mesa, ele me empurrava de volta sua xícara já quase pela metade – Aproveita pra
experimentar o que é café de verdade.
Segurei a xícara morna na minha mão direita e aspirei o
aroma que o líquido exalava. Forte mas bom. Cuidadosamente levei-a até meus
lábios mas tomei um gole maior do que deveria, do que me arrependi
instantaneamente. Fiz uma careta enquanto engolia e notei que Josh me observava
rindo do outro lado da mesa.
- E? – me perguntou com as sobrancelhas arqueadas.
- Amargo. Demais. Preciso. De. Brownie. – ri e troquei a
xícara que eu segurava pelo prato de porcelana.
Estávamos os dois em frente à porta da cafeteria e pela
primeira vez vi o quão mais baixa do que ele eu era. Minha testa batia no meio
de seu peito. Alcancei meu celular
dentro da minha bolsa para checar o horário, mesmo tendo assistido ao filme no
mínimo umas dez vezes eu sempre odiei chegar atrasada ao cinema.
- Se importa? – Josh me perguntava enquanto sacava o maço de
cigarros de dentro do paletó. Neguei com a cabeça antes de falar:
- Bem, já está quase na hora do meu filme então... Eu já vou
– falei indicando a direção que seguiria com o polegar – Foi um prazer te
conhecer te conhecer Joshua.
Eu realmente queria ficar ao lado dele, falar sobre cafés e
coisas bobas durante todo o meu sábado mas senti que aquele era o momento de se
despedir e seguir em frente. Joshua seria só um cara – muito – atraente com
quem tive a sorte de dividir uma mesa naquele café. Fim. Contrariando o que eu
esperava, ele tirou o cigarro dos lábios finos e após soltar uma quantidade
considerável de fumaça na direção do vento, disse:
- Sabe, eu estava pensando... Já que eu nunca vi “O
Iluminado” e não vou ter aquela reunião chata mesmo, você se importaria se eu
te acompanhasse? – E sorriu aquele sorriso de canto de boca pelo qual eu já
havia me apaixonado. Naquele momento eu soube que jamais conseguiria dizer “não”
para o dono daquele sorriso.
- É claro, – não consegui evitar o sorriso que tomou conta
do meu rosto – só temos que correr porque faltam só quinze minutos pra começar
e...
Foi o tempo que eu tive para guardar meu celular de volta à
minha bolsa e para ele o tempo de arremessar o cigarro quase intacto para
dentro da lixeira quando ele gritou:
- CORRE ALLY! – e me puxou correndo pela mão em direção ao
cinema. Duas quadras depois ele percebeu que não sabia onde ficava o lugar da
seção, e rindo me fez trocar de lugar com ele. Agora eu o puxava pela mão.
Chegamos afobados, com os cabelos bagunçados e com nossos abdomens doendo de
tanto rir. Aquele foi o primeiro de muitos dias felizes que tive com ele.
Por Mariana J.
n/a: 1- Esse conto era/é na verdade o primeiro capítulo de uma história que eu ainda estou pensando. Talvez eu volte a postar mais dela aqui. 2- Eu tive sérios problemas para escolher o título mas felizmente meu "muso" Ed Sheeran me ajudou com uma das suas músicas, que não por acaso deu o nome ao conto. Segue o vídeo da música que (na minha opinião) combina muito com a história. 3- (adicionado recentemente haha) Esse texto já tem uma continuação YAY! Leia "Can't help falling in love".
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