Sabe Giulia, eu tenho pensado muito em você. Ontem eu me
peguei ouvindo todas aquelas músicas que você me enviava links na internet ou
que gravava para mim em compilações caseiras que eu quase nunca ouvia. Você
odiava quando chamava aquelas bandas de pretensiosas mas agora eu admito, você
tem um senhor bom gosto musical. Ainda acho as bandas um tanto pretensiosas mas
eu não as escuto pelas letras, vocais ou arranjos. Eu encontro em cada música daquelas um pedaço
seu. Eu me lembro bem das várias ocasiões em que te vi cantando aquelas
canções. No chuveiro, lavando louça, enquanto eu dirigia. Deus, era tão
adorável o jeito que você ficava quando me convencia de colocar um dos seus cds
caseiros no rádio do meu carro.
Em cada música eu encontro um pouco de você. Me sinto idiota
admitindo isso mas eu sinto - lá no fundo – que se eu conseguir ouvir todas
elas por vezes suficientes eu vou te ter inteira, nem que seja dentro de mim. E
meu dia se resume nisso: ouvir bandas indie
e tentar montar os pedaços de você que sobraram em mim. Tudo que acontece é um
pretexto para me lembrar de você. Na mesma semana em que você foi embora eu
pedi uma pizza média com lombo canadense e, como era de costume, pedi que dois
dos pedaços tivessem pedacinhos de abacaxi. Do jeito que você gosta. Acontece
que quando a pizza chegou você não correu atender meu interfone. Não festejou
quando eu entrei no apartamento carregando a caixa nas mãos. Não comeu os dois
pedaços agridoces. E eles ficaram lá. Eu não os comi – lógico – aquele negócio
é nojento, não sei como consegue gostar.
O inverno está chegando e eu me lembro como se fosse ontem
do mau humor que você ficava em todo dia de frio. Você sempre odiou frio, eu
sei. Sempre preferiu andar por aí mostrando sua pele branquíssima, tão branca
quanto a minha própria. Sempre fomos tão diferentes Giulia, que às vezes eu me
pergunto se esse foi o motivo que te fez ir embora já que você nunca me
explicou realmente. O dia hoje começou com um céu azul aguado, aguado como
esses teus olhos enormes que eu gosto tanto. Como eu te disse, tudo é um
pretexto para me lembrar de você. Me pergunto sempre onde você pode estar, o
que está fazendo, se cortou os seus cabelos e se tem alguém dormindo na sua
cama. Eu me pergunto se você tentou me ligar alguma vez ou se parou em frente
ao meu prédio e cogitou subir os nove andares. Me pergunto se você guardou
minha palheta vermelha e se escuta minhas músicas favoritas como ouço as suas.
Acima de tudo eu me pergunto se você ainda pensa em mim.
Mesmo que essas linhas mal escritas nunca cheguem às suas
mãos acho que você gostaria de saber que eu não tenho mais nada seu no meu
apartamento. Me livrei do seu lenço em um acesso de raiva. Joguei-o pela janela
e honestamente não faço ideia de onde ele possa estar agora. Finalmente joguei
fora a caixa vazia dos cigarros mentolados, que antes de tudo eram meus e não
seus, mesmo você sempre fumando a maioria. Deletei suas mensagens do meu
celular. Não tenho mais vestígios seus, ou de seus bilhetes, dos cds caseiros
que carregou consigo, nem peças de roupas ou recados gravados na secretária
eletrônica. Ainda assim eu insisto em discar seu número, mesmo que para ouvir
uma voz feminina – infelizmente não pertencente à garota dos olhos azuis –
dizer que aquele número não existe. Eu
continuo vivendo Giulia. Mais melancólico do que de costume, tenho que dizer,
mas estou vivo. Sempre soube que poderia viver sem você, mas hoje eu vejo que
sem você por perto eu sou a pior versão de mim mesmo. Posso até não ter mais
vestígios teus pelo meu pequeno apartamento mas dentro de mim tem mais de você
do que pode imaginar e disso – aparentemente – eu não vou me livrar tão cedo.
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