quinta-feira, 23 de julho de 2015

Dois tipos

Meses atrás eu disse que não sou do tipo que se apaixona. Bem, eu menti. Eu sou do tipo que se apaixona, mesmo sem se dar conta. Do tipo que sente sua falta dois segundos depois de te ouvir fechando a porta. Sou do tipo que sente o coração batucando no peito quando sei que vou te encontrar em breve. Do tipo que abre um sorriso quando ouço sua voz à distância e que ri de todas as suas piadas, mesmo as que aparentemente não tenham graça alguma.
Juro que nunca quis ser assim, mas sou do tipo que se entrega completamente. Do tipo que acorda pensando nos teus olhos e adormece desejando te ter ao lado. Sou do tipo que se segura para não sair falando demais sobre você para os amigos já que, coitados, eles não tem culpa de eu estar assim. Assim. Inegavelmente apaixonado. Sou do tipo que cruzaria todos os oceanos num barquinho com uma colher de pau como remo caso você precisasse de mim. O tipo que te adora com os cabelos curtos. Ou longos. Ou bem arrumados. Ou totalmente desgrenhados. Te adoro vestindo azul. E cinza. E vermelho. E branco. E literalmente qualquer outra cor.
Tenho certos problemas para admitir que sou esse tipo de pessoa, e eu tentei – ah se tentei – não me apaixonar por você, mas como não? Você é exatamente o tipo de pessoa por quem eu me apaixonaria. Não estou falando dos teus olhos cor de céu de manhã cedo, não, eu estou falando do jeito que você faz eu me sentir. Falo de como meu humor melhora imediatamente quando você está por perto, do quanto adoro suas mãos nas minhas me guiando entre as pessoas. Da sua capacidade de falar sobre qualquer assunto com qualquer pessoa, e como você se dá bem com os outros em tão pouco tempo. Falo dos seus abraços apertados e de como brinca com os meus cabelos. Falo do jeito como me olha. E eu sinceramente não posso nem sentir ciúmes de tantos outros que sei que já se sentiram como eu me sinto hoje, e você não consegue evitar. É simplesmente o tipo de pessoa que você é.
Você é do tipo que entra em um lugar sabendo que todos os olhos estão em ti, e isso não parece te preocupar nem um pouco, muito pelo contrário. Do tipo que tem uma piada para cada situação, uma música que ninguém conhece, uma história que surpreenderia a todos. Do tipo que escuta, que se preocupa, que não te deixa para trás por nada. Você é do tipo que sabe que arranca suspiros, mas nem por isso se vangloria de nada. Do tipo que me aparece quando mais preciso. Meu coração é uma bomba relógio e você é a responsável por iniciar a contagem regressiva. Você é do tipo que faz pedacinho de pessoas como eu. E acho que sempre soube disso.
Me lembro bem de como me senti como te vi pela primeira vez. E todas as vezes seguidas nesse tempo, são exatamente iguais à primeira. O coração acelerado, a vontade de te levar para longe somado ao receio de me aproximar. Naquela segunda-feira, tanto tempo atrás, eu soube que a contagem regressiva no meu peito havia começado, bem silenciosa e sorrateira, mas impossível de se parar. Nos últimos tempos eu vejo claramente a contagem acelerando como nunca antes e tenho a noção de que é apenas uma questão de tempo. O painel no meu peito pode zerar a qualquer momento e sei que depois terei que juntar cada caco meu que sobrou, mas eu mal vejo a hora de ser destruído novamente.



Por Mariana J.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Insônia

Acordei assustado mais uma vez. 
Três horas da manhã mais uma vez. 
Dia 27 de abril.

Como de costume, a ouvi destrancar a porta de entrada, e em seguida fecha-la. Escutei o som de saltos sobre o chão de madeira da sala. O som das chaves do carro sendo deixadas sobre o balcão. Meu coração batia rápido em meu peito e meus ouvidos pareciam pulsar no mesmo ritmo. Tentei me acalmar para que pudesse ouvir normalmente, mesmo já sabendo que não ouviria nenhum outro som do andar de baixo.  Ela não podia estar em casa. Mesmo relutante me pus para fora de meu quarto, encostando a porta atrás de mim. Já não ouvia mais seus passos, não ouvia sequer os meus, abafados pelas meias grossas que vestia.
Desci cada degrau como se não quisesse que a escada chegasse ao fim, ouvindo o rangido de um deles.  Ao pé da escada olhei em volta, nada de diferente. A porta estava trancada exatamente como havia deixado algumas horas antes. Não havia chave alguma sobre o balcão. Em passos rápidos fui até a cozinha e separei o que seria necessário para me preparar uma caneca de café. Dificilmente conseguiria voltar a dormir, então que passasse as próximas horas corrigindo as provas de meus alunos.
Assim que o líquido escuro começou a pingar no interior da caneca de porcelana, ouvi o rangido vindo da escada novamente e o ar em meus pulmões pareceu congelar por alguns segundos.  “É tudo coisa da sua cabeça.” Repetia mentalmente enquanto fazia meu caminho de volta para o andar de cima só para encontrar a porta, que eu tinha certeza que havia fechado, entreaberta. Entrei rispidamente no cômodo, como se esperasse assim pegar alguém no flagra, o que não aconteceu.
De volta à cozinha, sentia seus olhos sobre mim. Enquanto pegava a caneca com as mãos trêmulas, fantasiava que ela estava de pijama, os cabelos bagunçados, sentada à mesa atrás de mim, com uma caneca como a minha. Tinha insônia, sempre acordava às três da manhã; e eu seguia seus passos. Meus olhos ardiam, minha cabeça doía, porém sabia que não voltaria a dormir. Por saudade, por medo, por culpa.
 Quando me virei para onde a imaginara, lá estava ela. Só reconhecia aqueles enormes olhos verdes. Pude sentir todo o ar de meus pulmões me deixando enquanto algo me perfurava o abdome. Senti um gosto de ferro em minha boca enquanto deixava a caneca se partir no chão.
“Por que você não me ajudou?” Ela dizia com a voz chorosa.  A pele mal existia, era quase carne viva. “Você me deixou pra morrer.” Soltou entre dentes enquanto me perfurava novamente. Coloquei as mãos sobre minha barriga e senti o sangue escorrer. “Como?” Indaguei soltando uma bolha vermelha e brilhante com a boca. Sem resposta, senti mais três perfurações antes de desmoronar. Enquanto me arrastava pelo piso da cozinha, inutilmente tentando alcançar o longo fio do telefone, ela me observava da mesa. Um sorriso macabro no rosto. 

Acordei assustado mais uma vez.
Três horas da manhã mais uma vez. 
Dia 27 de abril.
Ouvi a porta de meu quarto abrir.
Senti seus olhos verdes em mim.


Por Mariana J.