Parou em frente ao portão branco da casa dos pais sentindo o
coração afundando no peito magro. Podia muito bem fazer seu caminho garagem
adentro e ir de encontro com seu lar quente e acolhedor, porém não tinha forças
suficientes para fazer a curva à esquerda com seu carro compacto. Resolveu que
seria melhor estacionar algumas casas a frente até que se sentisse melhor.
Saltou do automóvel deixando o casaco justo ao corpo. O vento praticamente
cortava o pouco de pele a mostra. Tudo o que se ouvia naquela rua de classe
média era o som do solado das botas na altura do tornozelo que a garota
calçava, de encontro com o asfalto. Da forma mais silenciosa que conseguiu,
fechou a porta do carro e foi se sentar sobre o curto capô do mesmo. Inspirou e
expirou profundamente, conseguindo ver claramente o vapor se condensando em
pequenas nuvens esbranquiçadas à pouca luz dos postes. Lembrou-se de quando era
muito pequena, pequena demais para entender como aquela história de vapor
condensado funcionava, e levava um cigarro imaginário aos lábios fingindo que
fumava.
Com as articulações da mão doendo e os dedos gélidos, buscou
o maço de cigarros em um dos bolsos laterais do casaco verde militar e
acinturado que vestia. Enquanto tentava produzir uma mísera chama com seu
isqueiro quase vazio, ria da situação. Aos seis anos de idade brincava que
fumava. Aos vinte, fingia que não. “Tinha gente pra caramba fumando lá, mãe”. O
álibi de sempre, preso na ponta da língua. Checou o horário no celular. Exatos
trinta e sete minutos antes ela estava rindo e se despedindo dos amigos na
saída do bar, e agora não sentia nem de leve a felicidade de ter passado tanto
tempo com pessoas queridas. Não sabia explicar nem a si o que a impedia de
estar agora vestindo seu pijama flanelado e se escondendo embaixo das cobertas.
O peito pesado, a sensação de vazio, de sufocamento. Já tinha se sentido assim.
Sentia que estava
construindo diversas muralhas dentro de si. A cada dia mais distante de quem
era não muitos anos atrás. A cada dia mais perdida entre seus problemas
camuflados e de suas desculpas ruins. Não sabia como parar a construção, nem
como colocar as barreiras a baixo. As mãos tremendo, a falta de ar, o coração
acelerado. Queria conseguir se sentar no meio daquela rua deserta e acordar
toda a vizinhança com seu choro descontrolado e ensurdecedor, mas apenas uma
lágrima se manifestou. Uma lágrima tão solitária e amarga quanto quem a
derramara. A cada metro que se distanciava do bar em que antes estava, sentia
toda a alegria compartilhada que antes esquentara sua noite se esvaindo e
deixando no lugar nada mais do que solidão.
Lembrou-se de quando tinha 16 anos e do quanto queria se
zerar naquela época. Ainda conseguia sentir o gosto amargo de cada um dos
comprimidos pouco antes de engoli-los um a um, desejando não ser acordada na
manhã seguinte. Lembrou-se das gotas de sangue derramas de madrugada que ainda
hoje manchavam seu cobertor favorito. Lembrava também vividamente da forma que
abraçara seu pai com o corpo tremulo, ao lado do tumulo da avó e como jurou
naquele mesmo dia que nunca mais pensaria ao menos em se zerar novamente.
Alguns anos depois não sabia dizer se realmente não queria partir ou se estava
apenas tentando poupar seus entes queridos de todo o trabalho e dor que sua partida
traria.
Já estava no quinto cigarro quando notou que o céu começara
a acordar e assim em breve, também seus pais. Puxou uma das mangas pesadas do
casaco até a altura de seu cotovelo e apagou o que restava do papel e tabaco em
brasa em sua pele. Nem mesmo a queimadura fizera com que sentisse algo. Gemeu
baixo assim que o calor do cigarro encontrou sua pele gelada. Já sabia o que ia
acontecer, não era sua primeira vez. Segurou o toco quase apagado contra o
braço por alguns segundos, esperando que aquilo fizesse com que colocasse todas
as lágrimas que sentia pesar nos olhos para fora, mas nada aconteceu. Apenas
mais uma marca. Apenas mais uma cicatriz para sua coleção. Talvez a guerra
civil dentro de sua cabeça estivesse recomeçando depois de quatro anos de
trégua. Talvez aquela só fosse sua rotina voltando. Hábitos ruins não morrem.
O conheci no verão de 2009. Dia 22 de Dezembro. Quando
trocamos nossas primeiras palavras, eu te garanto que jamais imaginaria onde
aquilo iria nos levar. Quando dei por mim ele já fazia parte da minha rotina.
Eu acordava cedo durante as férias para que tivéssemos mais tempo para
conversarmos; e como falávamos, meu Deus. Ficávamos horas e mais horas falando
sobre os assuntos mais abstratos possíveis, das nossas preferencias musicais,
as pessoas pelas quais éramos apaixonados na época, nossos planos para o futuro
incerto que era o meio para o fim do ensino médio e tudo que passasse por
nossas cabeças. De repente eu passei a
sentir meus músculos tensos todas as vezes que ele me falava sobre outra
garota. Ciúmes, descobri depois. E ainda mais rápido do que eu esperava,
cheguei à conclusão de que estava apaixonada por ele, pouco depois dele ter me
dito o mesmo.
“Já disse que te amo hoje?” ele repetia para mim todos os
dias. O coração batendo forte como um tambor no meu peito, o ar insistindo em
não adentrar meus pulmões, as mãos suadas. Soa assustador, mas a sensação era
incrível. Então voltamos às nossas respectivas rotinas. Trocávamos mensagens em
horário de aula, mesmo que eu sempre me preocupasse com a possibilidade de ser
pega no flagra por algum dos professores. Quase todos os meus cadernos e livros
escolares da época tem as sete letras de seu nome escritas em ao menos uma das
páginas. Escrevia em caneta todas as manhãs sua inicial no dorso de minha mão.
E sempre que eu tentava focar minha mente onde eu estava realmente, meu coração
ia de encontro a ele, como um cachorro preso a uma árvore. Rodrigo foi meu
primeiro amor.
Quando se se tem 16 anos tudo parece eterno. A vida das
pessoas que amamos, nossas amizades, o período escolar; tudo parece maior.
Qualquer pequeno problema se torna um grande drama, e com nós dois não poderia
ser diferente. Dois adolescentes, apaixonados, temendo o futuro, passando por
todas aquelas provações que encontramos nessa idade. Problemas com os pais. O
sentimento de não saber aonde pertence. As dúvidas sobre que carreira escolher.
Rodrigo estava comigo em todos esses momentos. Mais do que meu primeiro amor,
ele foi um grande amigo. Alguém que eu sabia que continuava se preocupando
comigo mesmo na época que eu senti que não tinha ninguém ao meu lado.
- Você tem certeza disso?
- Acho que eu tenho.
- Achar não é o suficiente princesa, você tem que querer.
Você quer?
- Eu quero.
- Você quer o que?
- Eu quero ser jornalista.
- Não me convenceu. Quero ver animação! Fala assim: “EU
QUERO SER JORNALISTAAAA!”
- Ok, ok: EU QUERO
SER JORNALISTAAAAAA!
- Bem melhor.
Aos 16 anos eu achava que sabia o que queria fazer para o
resto da minha vida, e mesmo hoje depois de alguns anos, ainda me pego pensando
se estou no caminho certo ou se estou apenas correndo atrás do meu próprio
rabo. Com a mesma frequência que Rodrigo tirava meu ar com seu jeito único de
ser, também conseguia fazer meu sangue ferver de raiva. Brigávamos pelos
motivos mais ridículos possíveis. Agora, quando olho para trás, tudo o que eu
gostaria de fazer, é ter o poder de transformar cada segundo que passei com
raiva do meu primeiro amor em mais momentos felizes para passar com ele agora.
Os meses – e assim os anos – foram se passando e ao mesmo
tempo que nossos sentimentos um pelo outro cresciam, a distância entre nós
também. Assim fomos nos falando cada vez menos. Nem sempre recebia mensagens de
bom dia assim que eu acordava. Trabalhos, provas, horários, distância física,
amigos, afazeres, responsabilidade. Tudo parecia influenciar para nos manter
separados, mesmo nós dois sempre planejando o contrário. Ele viria me visitar
em algum feriado prolongado. Eu iria encontra-lo em sua cidade natal para que
ele pudesse me apresentar a todos aqueles amigos dos quais eu tanto ouvia
falar. Férias na praia. Dividindo um apartamento na cidade dos meus
sonhos. Imaginando e arquitetando como
seria nosso grande dia, o começo do resto de nossas vidas. Mas nossas vidas
foram acontecendo e o tempo se esvaiu entre nossos dedos como areia, sem mesmo
notarmos. Assim, de pouco em pouco, simplesmente paramos de nos falar. Tantos
planos que nunca realizamos. Eu espero que ele se lembre deles.
De repente eu já não fazia parte dos planos de Rodrigo mas
ele continuava nos meus. Os sonhos que tínhamos antes sobraram todos para mim e
eu os continuei sonhando por muito tempo. Aos poucos seus rastros foram se
apagando e tudo o que eu tinha dele eram algumas mensagens antigas e uma carta
de algum tempo depois que tudo começou. Tudo o que eu tinha que provava que meu
primeiro amor não fora fruto da minha imaginação e eu me agarrava a essas
lembranças como eu queria me agarrar a ele mesmo. Me sobraram as suas palavras
já ditas, as que eu nunca consegui dizer e um coração pela metade. Pela metade
é exatamente como eu me sentia. Como se tivessem arrancado a força uma parte de
mim e deixado a ferida exposta. A sensação de vazio, de ter o chão tirado de
debaixo de seus pés, de estar em uma queda livre eterna. O peito apertado. Os
olhos vermelhos. E quando meu aniversário chegou, nada de desejos de
felicidade, nada de comemoração, nada de planos para fugirmos de madrugada como
era nossa tradição. Apenas a saudade.
Por tempo demais eu tentei encontrar em outros o que via
nele e todas as tentativas foram em vão, e só agora consigo entender o porque.
Rodrigo fora meu primeiro amor. Você pode amar muitas pessoas durante a sua
vida mas jamais o amor que você sente por uma será igual ao que sente por
outra. Rodrigo foi único na minha vida. Nunca mais terei outro primeiro amor.
Nunca mais terei outro Rodrigo. Não importa o quanto eu procure. E de certa
forma dói; dói pensar nessa piada de mal gosto que a vida pode ser as vezes. As
vezes as pessoas são destinadas a se apaixonarem mas não estão destinadas a
ficarem juntas. E assim foi com nós dois. Por algum tempo eu o odiei com todas
as minhas forças. Quem ele pensa que é para aparecer do nada, mudar minha vida
para melhor e depois me deixar sem nem mesmo um adeus? Mas foi então que eu
decidi ver todas as coisas maravilhosas que ele fez por mim. As ótimas bandas
que me apresentou, mesmo que meus olhos ainda insistam em transbordar quando as
ouço. Todas as vezes em que ele me deu bronca por não estar agindo
corretamente, apesar dele não ser o melhor dos bons exemplos do mundo. As
risadas que ele tirava de mim sem o menor trabalho. Os concelhos, as palavras
de incentivo.
Eu não me apaixonei por Rodrigo por seu visual. Não foram
seus olhos castanhos, seus cabelos sempre bem arrumados, suas mãos fortes ou
seu sorriso doce que me fizeram entregar meu coração inteiramente a ele. Foi
seu senso de humor idiota, a preocupação constante comigo, sua mania de tentar
– e conseguir – me fazer feliz, a sensação de pertencimento que eu tinha quando
estava com ele, a bondade que transbordava de seu ser, as opiniões fortes, o
espirito livre, as palavras de aconchego que sempre chegavam na hora certa, as
borboletas no estômago que ele me fez sentir até o nosso último dia.
Ainda hoje eu me pego pensando nesse rapaz para quem eu
jurei amor eterno. Somos como duas retas concorrentes. Nos encontramos em um
exato ponto e depois seguimos nossos caminhos. Um tanto mudados, mas seguimos. Ainda hoje eu espero que possamos nos encontrar,
mesmo que em algum dia no futuro, em qualquer lugar que seja e começar de novo.
Porque apesar do tempo que passa para nós dois, ele sempre será meu primeiro
amor. Já sei que a parte que me foi arrancada tanto tempo atrás não pode mais
ser colocada de volta, e na verdade eu nem a quero. Prefiro que fique com ela.
Prefiro que Rodrigo fique com as minhas juras e todo o amor que eu antes tinha
pois até hoje, pouco mais de quatro anos depois, ainda guardo as dele.
Lembra daquela história de não querer me envolver? Bem, te aviso de antemão que não deu nada certo.
Saí da casa de Josh com o dia amanhecendo e o maior dos
sorrisos no rosto. A cada beijo eu sentia que me apaixonava mais por ele. A cada
segundo a minha vontade de voltar pra casa diminuía. Só o que eu queria era que
nós pudéssemos parar o tempo . Tentei entrar no apartamento escuro, iluminado
apenas com a luz da tv ligada, sem fazer barulho mas acabei acordando Charlie
que estava adormecida no sofá
- Ally? Que horas são? – ela disse quase sem abrir os olhos,
procurando o seu celular que provavelmente estava perdido entre o estofado e
seu cobertor.
- Cedo. Cinco e alguma coisa. – larguei o cardigã emprestado
sobre a mesa da cozinha, ainda com um sorriso no rosto só de lembrar das
últimas horas.
- E você só chegou agora? – Charlie agora se sentava,
visivelmente mais acordada. Não existe nada que a desperte mais fácil do que
uma fofoca. Juro que eu queria dizer alguma coisa mas eu não conseguia formular
uma frase descente. Só suspirei e continuei sorrindo. – Espera aí... Espera
aí... DE QUEM É ESSE CARDIGÃ? PORQUE VOCÊ NÃO PARA DE SORRIR? ALLISON ROSE
O’CALLAGHAN VOCÊ PEGOU AQUELE DEUS?
Sutil.
Tudo o que consegui fazer foi cobrir meu rosto com as mãos e
saltitar como uma menininha. Tão patético. Os efeitos de Joshua sobre mim eram
absurdamente fortes, nunca tinha ficado desse jeito só por ter beijado alguém e
Charlotte sabe muito bem disso, ainda mais que nos conhecemos desde que tínhamos
seis anos de idade. Sabe aquela coisa de
amor a primeira vista? Talvez não seja balela.
E o tempo insistiu em continuar passando, mesmo com meu
coração desejando tê-lo parado naquela mesma noite (madrugada?) da festa. Agora além de nos falarmos o dia inteiro,
sempre tentávamos nos encontrar nem que por alguns breves minutos. Antes dele
entrar para uma reunião, no intervalo das minhas aulas de teatro, dividindo
aquela nossa mesa no café logo cedo. Mesmo os encontros mais rápidos pareciam
durar horas. Joshua e seus efeitos. E nós passávamos mais tempo juntos do que
separados, na verdade. Cozinhando, ouvindo música, vendo filmes ou séries
largados no seu sofá gigantesco ou apenas aproveitando a presença um do outro.
Estava deitada com minhas pernas sobre as dele e as costas
no canto do sofá em L. Josh brincava com a barra da minha calça jeans enquanto
víamos um episódio repetido de Friends
na televisão. Eu assistira aquele episódio tantas vezes que já havia decorado
todas as falas – não estou nem brincando – mas isso não me impedia de rir das
piadas como se fosse a primeira vez que as ouvia. Decidira participar de um
teste para uma sitcom que seguiria o mesmo estilo da série que assistíamos,
então decidi que tentaria absorver o máximo das atuações de todos aqueles
atores que eu tanto gostava.
- Você é tão adorável. – adorável mesmo era o jeito que ele
falava – É tão bom te ter aqui. – ele dizia se apoiando no sofá para me beijar
– Você bem que podia se mudar pra cá né. Não iria nem reclamar.
Aqueles olhos enormes a poucos centímetros dos meus, aquele
sorriso bobo que tinha nos lábios, algumas mechas de seu cabelo acertando seus
cílios escuros. Tudo era tão perfeito, quase como se eu estivesse sonhando.
Melhor do que um sonho, aquilo era real.
- Você não acha que talvez seja cedo demais Josh? – envolvi
meus braços em seu pescoço, sorrindo antes de beijar a ponta de seu nariz fino.
- Talvez – me respondeu rindo e se sentando ao meu lado – É
que você já passa tanto tempo aqui que só precisava trazer mais algumas roupas
pra cá e seria oficial.
- Um dia, – seu rosto se iluminou antes mesmo que eu
terminasse a frase – quem sabe. Enquanto isso eu venho aqui o tempo todo pra te
encher. – disse me apoiando em meus joelhos sobre o estofado e pulando sobre
Joshua, deitando sobre seu peito.
Eu sei, tão fofos que da enjoo. Juro que até eu fico com um
tanto de ânsia de lembrar. É cafona dizer essas coisas mas eu nunca me sentira
tão viva e tão inteira antes de conhece-lo. Aquela sensação de se estar na hora
certa, no lugar certo. Eu poderia ficar daquele jeito pro resto da minha vida,
apenas deitada sobre o peito de Joshua, ouvindo seu coração enquanto seus dedos
sumiam no meu cabelo. Apenas mais uma tarde preguiçosa de Domingo. O amor tem
dessas. E por falar em amor: Alguns dias depois da proposta de mudança de
apartamento, eu havia dormido por lá e acordei tarde sentindo os olhos de um
certo alguém me observando.
- Bom dia príncipe – soltei abrindo preguiçosamente os
olhos.
- Bom dia minha princesa. Boa tarde praticamente, é quase
meio dia. – riu enquanto apoiava a cabeça sobre uma das mãos e seu cotovelo sobre
o colchão. A visão dos músculos de seu braço tencionado era uma boa forma de se
acordar, tenho que admitir.
- E você acordou agora? Que milagre é esse? – Joshua era tão
pontual que acordava cedo mesmo nos fins de semana ou feriado, não importava a
que horas tinha ido dormir. A cama estava tão confortável que nem consegui
pensar em me levantar, apenas rolei para seu lado e me apoiei igual a ele.
- Que nada, estou acordado desde às oito. Perdi o horário. –
ele sempre acorda às 7 na verdade. Realmente eu queria ter esse despertador
interno que ele tem, nem despertadores reais funcionam bem comigo – Preparei
até um café da manhã pra você. Fiz panquecas. Tentei na verdade, – o tom de riso
na sua voz era tão incrível – mas você dormiu tanto que agora elas já devem
estar congeladas.
- É só esquentar um pouquinho no micro-ondas e nós
transformamos o café da manhã em um brunch.
– me estiquei um pouquinho para alcançar seus lábios e larguei um beijo
delicado por lá. Josh era perfeito em tantos aspectos que até hoje eu tenho
minhas dúvidas sobre se ele é realmente um ser humano. Foi aqui que, depois de
soltar um suspiro e voltar a me observar por alguns segundos, Joshua me disse:
- Eu te amo tanto.
Ele nunca havia dito aquilo. Nunca. Eu sentia cada centímetro
do meu corpo estremecer. A sua voz rouca, os olhos doces, o sorriso infantil no
rosto, os cabelos pendendo para o lado. A expressão no seu rosto era
completamente nova para mim. Não era o garoto confiante que pediu permissão
para se sentar comigo na cafeteria. Não era nem de longe o semblante preocupado
do nosso primeiro beijo. Era como se tudo nele brilhasse. Aquela luminosidade
do rosto de uma criança numa manhã de natal, quando ela desembrulha seu
presente e encontra aquilo que desejara um ano inteiro.
- Josh...
- Te peço agora que não fale nada até que eu complete meu
pensamento porque eu acho que posso não ter outro momento como esse ok? Eu te amo Allison. Eu estou abaixando todas as
minhas defesas. Até tentei me convencer de que não te amava mas eu simplesmente
não consigo, Ally. Eu sei que a vida nunca é exatamente como a gente deseja,
sei que tudo um dia acaba, sei que sempre existe a chance de que um dia você
vai acordar e ver que eu sou um babaca, sei também que eu posso estar falando
isso cedo demais e que você vai rir da minha cara e ir embora mas eu preciso
dizer isso. Eu não estou na posição de simplesmente fingir que não te amo,
porque é mais pura verdade. E eu te amo Allison. Eu quero gritar isso lá do
terraço. Quero que o mundo inteiro saiba que eu estou apaixonado pela garota
mais linda, inteligente, engraçada e sexy desse mundo inteiro. Sinto muito se o
sentimento não for recíproco mas saiba que não existe absolutamente nada nesse
mundo que você possa fazer ou falar que mude o que eu sinto por você e isso é
definitivo.
Tem uma cafeteria lá no meu trabalho. Tem uma maquina de
café muito boa na minha sala e ainda assim eu decidi que queria tomar café
naquela cafeteria de esquina. Eu não sei nem como explicar o quão grato eu sou
por isso. Sinto que eu te amava antes mesmo de te conhecer Ally, ainda que eu
só tenha chegado a essa conclusão enquanto te via dormir essa manhã. Eu te amo
Allison. Eu te amo mil vezes mais do que eu já amei alguém e milhões de vezes
mais do que qualquer cara que um dia pensou em te amar. Eu amo sua risada, sua
voz quando acorda, suas camisetas de bandas, sua mania de sempre tentar me deixar
feliz. Amo seus olhos verdes, amo cada fio do seu cabelo e cada sarda
dessas tuas bochechas. Eu amo o gosto dos seus beijos, o seu perfume, seu senso
de humor, o som dos seus pés descalços pelo meu apartamento, a sua persistência
e seu amor por tudo que faz. Eu amo a textura da sua pele, amo o fato de você
se dar bem com todos os meus amigos, amo sua mania de arrumação e o formato do
seu rosto. Eu amo cada detalhe seu, Allison. Eu te amo inteira. Eu te amo como
nunca vou amar mais ninguém.
Eu não conseguia nem respirar direito depois de tudo aquilo.
Então aquela expressão era sua cara de “perdidamente apaixonado”,
aparentemente. Aquele sorriso continuava em seus lábios enquanto parecia mal
respirar enquanto eu não dissesse se correspondia seus sentimentos. Eu sabia
desde pouco antes da festa que estava me apaixonando mas não tinha a menor
ideia de quão longe estávamos. Cada pequena parte do meu ser era dele e apenas
dele e foi naquele momento que eu me dei conta disso. Eu nunca me apaixonara
tão profundamente e tão rapidamente quanto por ele e tudo me parecia tão certo
que me senti ridícula por não ter entendido antes. Como não conseguia pensar
direito e nem de longe tão boa com as palavras quanto Joshua, me limitei a
cruzar a distância entre nós dois e depois de passar uma perna de cada lado de
seu copo agora completamente deitado, o beijei com uma paixão que ainda desconhecia.
Depois que rompi o beijo, ofegante apoiei minha testa na dele, ainda com os
olhos fechados e disse:
- Espero que isso responda suas dúvidas.
É. A ideia de não se envolver não deu certo mesmo.
Por Mariana J.
n/a: 1- Mais uma parte da história do meu casal preferido! E caso você ainda não conheça, aqui estão a primeira e segunda partes, 2- Como todos os textos sobre o Josh e a Ally até agora, o título desse também é uma música que você pode conferir aí embaixo.
As noites que antes eu passava segurando seu corpo contra o
meu, passo agora de olhos bastante abertos. Eu gasto as horas das minhas
madrugadas insones largado no sofá pequeno da minha sala, os dedos zapeando os
canais da televisão pelo controle remoto. Virando doses de whisky barato ou
taças de vinho. Escrevendo poemas ruins. Comprando coisas das quais não preciso
de catálogos online, com dinheiro que não tenho. Na manhã seguinte, mesmo sem ter pregado os
olhos por um segundo sequer, saio para o trabalho com a minha camisa mal
passada e um nó mal feito na gravata. Os óculos escuros se tornaram meus
melhores amigos, seja para disfarçar os enormes semi círculos arroxeados nos
meus olhos, seja para manter longe da minha ressaca a luz do dia. Passo o dia
preenchendo cada centímetro possivelmente vazio do meu corpo com cafeína;
tentando me manter vivo. Pelo menos na aparência.
Caso você queira saber, eu ainda tomo os meus remédios.
Tanto os tomo que já aprendi a lidar com os efeitos colaterais que o álcool
quando somado às outras drogas me causam. Aparentemente essa foi a única coisa
com que eu aprendi a lidar nos últimos tempos. Sim, eu procurei ajuda para
resolver meu problema de falta de sono mas assim como os remédios que eu já
tomava antes, os novos comprimidos não fazem efeito algum. Três meses. Três
meses sem dormir. Três meses que mais me parecem um único dia, que eu vejo se
por e nascer de novo sem que ele termine para mim. Três meses sem sono, três
meses sem você.
Passo a semana inteira nesse loop infinito de cafés,
remédios, compras supérfluas, programas ruins de auditório, álcool barato,
poemas escritos porcamente em guardanapos e saudade. Quando chega o fim de
semana eu aproveito a minha falta de sono e me lanço para fora de casa. Tomo um
banho frio, me perfumo – não, não com aquele perfume que você me deu – me visto
com uma roupa qualquer e saio. Só o essencial: uma quantidade considerável de
dinheiro na carteira, as chaves do meu carro e um maço de cigarro. Dirijo pelas
ruas como se fosse o único nela. Para minha surpresa – e profunda tristeza –
nunca me acidentei ou estive envolvido em um acidente. Deus me livre, jamais
quero envolver outras pessoas nos meus problemas pessoais. Mais fácil estourar
meus miolos tacando meu carro velho de uma ponte qualquer. Vou zanzando pelo
centro da cidade, procurando qualquer boate ou pub em que eu possa entrar e
fingir que aproveito a minha juventude. Normalmente meus cigarros rendem no
máximo até eu conseguir entrar no local.
Pego cigarros com alguém por lá mesmo e me escoro numa
parede qualquer só pra observar o ambiente. Toda noite que eu saio, em todo
bar/pub/boate que eu vá, sempre tem uma menina que vai ficar me observando da
cabeça aos pés. Trocando olhares comigo e mexendo sensualmente o que estiver
bebendo até que eu vá até ela. Todas as vezes. Talvez seja a atitude “eu estou
pouco me fodendo para isso tudo” que eu exalo ultimamente, talvez as mulheres
realmente se sentem atraídas por caras que não parecem serem “bons moços”, ou
quem sabe é uma soma de todos esses fatores. Então elas jogam o cabelo, sorriem
demais com os lábios bem pintados, parecem que piscam mais lentamente com
aqueles enormes cílios falsos enquanto se curvam em qualquer apoio para deixar
o decote mais a mostra. E eu, homem que sou, caio nos seus encantos. Beijos
aqueles lábios pintados até que eles percam a cor. Tento tirar o gosto da sua
boca da minha, lascando beijos urgentes em garotas de saltos altos e vestidos
quase auto colantes com hálito de álcool. Não que funcione.
Forço minhas mãos a conhecerem cada detalhe do corpo dessas
garotas, tentando não desejar que estivesse acariciando a sua pele quente.
Quando me canso de fingir que quero leva-las para minha cama, me jogo na pista
de dança ou na primeira fileira do show que estiver acontecendo e grito as
músicas mesmo que não conheça as letras. Grito qualquer coisa. Qualquer coisa
que pareça exorcizar meus demônios e me dê alguns segundos de paz. Viro doses e
mais doses do que o meu dinheiro conseguir pagar. Se tenho sorte, consigo fazer
umas linhas no banheiro. Fumo como se estivesse tragando os meus problemas.
Faço alguma garota gemer no meu ouvido. Viro mais tantas outras doses. Pego
goles de drinks de pessoas aleatórias. Me exorcizo. Me destruo. E continuo
vivo.
E quando volto para casa, com o céu acordando enquanto eu
não dormi nem um minuto, a direção mais perigosa do que quando saí – ainda
assim, continuo vivo, maldito seja o destino – você continua em cada pensamento
meu. Porque mesmo quando não é mais sangue, e sim álcool que corre nas minhas
veias, mesmo quando eu não consigo formular uma frase ou andar em linha reta,
cada resquício de sanidade que sobra em mim implora por ti. Não existe nada que
me embriague ou me intoxique mais do que de você.
Depois daquele sábado incomum Joshua passou a ser parte da
minha rotina. Quando nos despedimos em frente ao cinema ele me pediu que
gravasse meu número em seu celular enquanto ele fazia o mesmo. Mal tínhamos nos
separados quando meu celular vibrou com uma mensagem dele. “Espero que essa não
seja a última vez que eu te vejo”, dizia. Sem entender muito bem o motivo,
sorri e lhe respondi: “Não acredito que vá ser”. E a partir daquele momento
trocamos mensagens todos os dias, praticamente o dia inteiro. Logo que eu abria
meus olhos de manhã cedo, agarrava o aparelho que já me alertava de uma de suas
mensagens.
- Com quem você tanto fala Allison? – Charlotte me
perguntava enquanto tentava limpar o molho de churrasco do canto da boca usando
as costas de uma das mãos.
- Ah... O cara do cinema, lembra que te disse que ele me pediu que passasse meu número pra
ele?
- O gatinho? – concordei com a cabeça enquanto roubava uma
das batatas fritas que ela deixara sobre o prato – E você acha que rola alguma
coisa?
- Sei lá Charlie. Eu não sei se eu quero. – mal tinha
terminado de falar e ela já me olhava com aquela cara de “qual é o seu
problema?” e me adiantei na resposta- Eu não quero me apaixonar entende? Eu já
tenho problemas demais pra minha pouca idade, Josh não pode ser mais um.
- E desde quando se apaixonar é um problema Ally? E mais:
Você pode muito bem dar uns pegas no cara e deixar por isso mesmo, você não é
obrigada a se envolver. – Charlotte é a rainha dos concelhos mas sinceramente,
era difícil de me concentrar no assunto enquanto ela comia um hambúrguer cheio
de molho praticamente deitada no sofá.
- Eu sei, eu sei mas e se eu não conseguir não me envolver
com ele? Senta direito Charlie pelo amor de Deus. – bufando ela se arrumou ao
meu lado, tentado equilibrar o prato de batatas fritas e o sanduíche na mesma
mão. Só de pensar na nojeira que aquele sofá ficaria se ela deixasse o molho
cair eu sinto um calafrio – Fora também que tem menos de uma semana que a gente
se conhece, eu não posso avançar assim.
- Você que sabe Al, só acho que seria um enorme desperdício
não dar uns beijos naquela gracinha.
Então nós dois continuamos nos falando todo santo dia. Me
ligava sempre que podia e passávamos horas conversando sobre assuntos
aleatórios até que um dos dois dormisse ou estivesse cansado demais pra
continuar. Os cafés da manhã aos sábados se tornaram mais um costume
nosso. Sempre no mesmo horário e na
mesma mesa em que nos sentamos naquele primeiro dia. Eu tomando meu mocca e ele
o seu café. Puro e sem açúcar. Em uma dessas manhãs em que dividíamos aquela
“nossa” mesa, vi Josh sorrindo sozinho enquanto remexia um resto de café de sua
xícara.
- O que foi? – perguntei sorrindo porque aquele sorriso bobo
que estava no rosto dele era mais contagioso do que a maioria dos sorrisos.
- Só pensando. – me respondeu com aqueles olhos castanhos
indo de encontro aos meus e me fazendo perder um pouco de ar – Tava pensando em
como eu queria ter te conhecido antes.
Juro que eu tentei não corar, mas como isso seria possível
com um cara daqueles me falando com aquele sorriso divino e aqueles olhos
hipnotizantes que queria ter me conhecido antes? Eu achava que tinha ficado
levemente corada mas pelo modo como ele agiu em seguida acho que eu parecia
mais um pimentão.
- Desculpa Ally, eu não queria te deixar sem graça. Mas é
mais pura verdade – completou com a voz em tom de riso antes de tomar o que
sobrava de seu café.
- Tá tudo bem Josh, eu só... – coloquei minha mão direita no
meu rosto (quente) – não estava esperando por isso.
Ficamos em silêncio por alguns segundos que me pareceram
horas. Tudo o que eu queria era poder observa-lo, ouvir sua voz rouca,
aproveitar a combinação maravilhosa de sua pele clara com a camiseta preta que
vestia, o jeito como seu peito subia e descia ritmado enquanto respirava. Era
tudo o que eu queria. E tudo o que eu não queria. Joshua estava se tornando uma
parte maior da minha vida a cada dia. Quando estávamos longe tudo o que
conseguia fazer era recordar nossas conversas e quando juntos eu rezava para
que minha memória conseguisse armazenar cada segundo que se passava.
- Então – Josh finalmente quebrou o silêncio, me salvando
dos meus pensamentos, e sua voz estava anormalmente tímida – eu me esqueci de
te falar, mas sábado que vem é meu aniversário então sexta-feira vai ter uma
reuniãozinha lá no meu apartamento, só pra alguns amigos. Seria muito legal se
você pudesse ir.
Tudo nele era tão adorável. Principalmente o modo como ele
agia quando estava inseguro. Coisa que eu achava que era impossível, ao menos
para aquele Joshua que eu havia conhecido há um mês e pouco atrás, sempre tão confiante
e natural.
- Seria um prazer. – assim que confirmei minha presença seu
rosto se iluminou com aquele sorriso que eu tanto gosto. Aquele mesmo que eu
disse que ainda vai estar gravado na minha memória daqui a vinte anos.
Os dias até a noite da festa de Josh pareciam durar bem mais
do que deveriam. As horas se esticavam infinitamente mesmo quando ele me ligava
de noite. “E o que você vai me dar de presente, hein?” ele me perguntou com uma
voz preguiçosa enquanto eu guardava o que havia comprado dentro de uma gaveta
na escrivaninha ao lado da minha cama.
- É um segredo Joshua. Amanhã você vai saber.
- Eu tava só brincando Ally, você não precisava ter me
comprado nada. Só sua presença na festa seria mais do que ótimo. – o misto de
sono e riso na voz dele deixava tudo o que ele dizia mil vezes mais fofo. Então
comecei a imaginar ele, deitado em sua cama com os olhos cansados mas ainda
assim falando comigo, enquanto eu igualmente cansada me deitava
preguiçosamente. Todas as noites enquanto nós nos falávamos, em algum momento
eu fechava meus olhos e nos imaginava em uma outra dimensão. Um lugar onde
existisse só nós dois. Um lugar em que sua voz rouca fosse a única coisa a se
ouvir.
- Eu tô tão feliz de saber que não vou ter que esperar até
sábado pra te ver, sabia? – mais uma vez ele conseguia me deixar sem fôlego –
Queria ter mais tempo.
- Mais tempo pra reclamar das minhas escolhas relacionadas a
café? – brinquei, fazendo-o rir na nossa dimensão particular – São só mais
algumas horas.
- Eu ainda vou ter que acordar. Sair pro trabalho. Voltar do
trabalho. Arrumar as coisas da festa... Não vai ser tão rápido assim não. E eu
ainda vou ter que passar todo esse tempo me perguntando: “O que será que a Ally
me comprou?”. Vai ser insuportável, já posso sentir.
Quando contei para Charlie na noite seguinte enquanto me
arrumava, onde era o prédio de Josh, ela me deu o seu melhor olhar safado.
“Quer dizer então que além de gato o cara ainda tem uma grana boa é? Se você
não quiser nada com ele mesmo, avisa que você tem uma amiga linda, loira e
solteira tá?” Depois disso ela me fez trocar minha calça jeans e a camisa que
eu vestia por um dos vestidos dela.
- Mas Charlie, ele disse que é só uma reuniãozinha com
alguns amigos, não tem motivo pra...
- Não tem motivo? Allison, você viu o mesmo endereço que eu?
Ele mora na área nobre mais nobre dessa cidade toda e eu me recuso a deixar
você sair por essa porta sem um vestido e uma maquiagem decente.
Honestamente agradeço por isso até hoje porque no momento
que eu saltei do taxi vi que me sentiria deslocada vestindo jeans. Assim que
cheguei ao interfone, mais uma surpresa. Joshua morava no vigésimo quinto
andar, agora adivinhe quantos andares existiam? Isso mesmo, vinte e cinco.
Apertei o botão de seu andar (sim, um apartamento por andar) com as mãos
suadas.
- Sim? – reconheci aquela voz no mesmo segundo.
- Hey Josh, é a Ally. – o portão fez um barulho estranho
antes que o dono daquela voz voltasse a falar, me mandando subir. O saguão daquele prédio era tão grande que
acredito que talvez meu apartamento coubesse quase inteiro lá dentro. Quando as
portas do elevador se abriram no vigésimo quinto andar ele já me esperava lá,
com um sorriso iluminando o rosto. Devo dizer que ele me parecia mais bonito a
cada vez que o encontrava. Vestia uma camisa social preta com as mangas
levantadas até a altura de seus cotovelos, jeans e um par de all stars. E
claro, os cabelos bagunçados como de costume.
- Uau... – ele disse enquanto andava até ele, seus olhos
acompanhando cada movimento meu – Você está... Uau.
Muito obrigada pelo vestido vermelho Charlie, te devo uma.
- E você também está “uau” senhor quase aniversariante. –
ele sempre estava “uau”, grande novidade – E por falar nisso... – e entreguei a
ele o presente que havia comprado – Espero que você goste.
Com os olhos brilhando tanto quanto seu sorriso, Joshua
rasgou a embalagem para encontrar um exemplar de “O Iluminado” de Stephen King,
assim como um dvd do primeiro filme que vimos juntos.
- Ah Ally! Isso é muito legal! Muito obrigado mesmo
princesa. – minha cabeça girava como nunca antes. Não sei se porque ele acabara
de me chamar de princesa, ou porque ele estava me abraçando. Por alguns
segundos eu senti que era naquele lugar que eu pertencia, entre os braços de
Joshua, sentindo seu perfume e ouvindo seu coração. E isso só podia significar
uma coisa: Eu estava me apaixonando. Coisa que eu havia jurado que não
aconteceria.
Bem, se aquelas pessoas na festa eram só os amigos mais
próximos dele eu posso te dizer que Josh era bastante popular. O terraço – sim a festa foi no terraço – deveria
ter no mínimo umas trinta pessoas. O lugar estava incrivelmente bonito de um
jeito simples, exatamente como o dono da festa. Mesas estavam dispostas com
petiscos e garrafas de bebidas e todo o lugar tinha luzinhas como aquelas de
natal, deixando tudo com um ar romântico, mesmo com um cara (muito) bêbado
cantando em uma máquina de karaokê.
O cantor bêbado puxou Josh que conversava comigo pelo braço
até o karaokê e o entregou outro microfone, falando um “canta essa comigo mano”
na língua dos bêbados. A canção da vez era “Can’t help falling in love” do
Elvis Presley, conhecida também como uma das músicas românticas mais lindas de
todos os tempos segundo eu mesma. Os dois dividiram o vocal da música até que o
cara desmaiasse no chão, deixando o dono da festa sozinho no meio da canção.
Josh tentou me fazer ir até lá e eu argumentei que aquele não era um dueto, o
que funcionou bastante bem até a parte em que ele começou a cantar a música para mim. Mesmo que eu sentisse os olhos
de todos que estavam lá em cima de mim, eu não conseguia me importar. Novamente
era como se nós dois estivéssemos naquela nossa dimensão particular, a
diferença é que agora ele estava na minha frente, não do outro lado da linha.
Conheci alguns de seus amigos, alguns caras com quem ele
estudou Administração na faculdade, alguns caras da empresa, as namoradas de
alguns deles. Todos muito simpáticos, sempre perguntando sobre mim e como eu
havia conhecido Joshua.
- Ainda bem que aquela reunião foi cancelada né? – a
namorada de um colega de trabalho dele disse pra mim enquanto conversávamos
próximas à mesa das bebidas. Meus olhos vagaram pelo terraço até encontra-lo
rindo com um amigo, que não tardou a sorrir pra mim.
- É. – disse quase que em um suspiro – Acho que sou muito
sortuda mesmo.
Já era madrugada e quase todos os convidados haviam ido
embora, só alguns sete se empenhavam em um jogo de pôquer enquanto alguma banda
indie cantava pelos alto falantes. Enquanto eu observava a partida e ria dos
caras meio bêbados tentando fazer caras de pôquer sem muito êxito, Joshua
brotou atrás de mim, depois de ter acompanhado um casal de amigos até o
elevador.
- Gostou da festa? – sussurrou no meu ouvido me pegando de
surpresa.
- Está tudo incrível Josh, o bolo então, nem se fala. –
respondi antes de ter o maior arrepio da minha vida. Como já era bastante tarde
o ar já estava frio, e é lógico que eu não havia levado nem mesmo um cardigã.
- Tá com frio princesa? – ah não, essa história de me chamar
de princesa não dá certo com o meu coração – Desce comigo lá pro apartamento
que eu te empresto uma blusa e aproveito pra pegar um bolo pra mim.
- Tá tudo bem, não precisa se preocupar com nada.
- Por favor Ally, eu não quero te ver doente vai? – e foi me
puxando em direção ao apartamento. Chegando lá ele me pediu para esperar na
cozinha enquanto buscava algo que eu pudesse vestir, então me sentei em um dos
bancos de acrílico vermelho dispostos na lateral de uma gigantesca bancada de
pedra para esperar. Poucos minutos depois ele voltou com um cardigã cinza em
uma das mãos grandes.
- Não vai combinar com seu vestido mas pelo menos você não
vai passar frio. – disse enquanto me vestia com o casaco que conseguia misturar
o seu perfume com o aroma de amaciante. De repente me lembrei do motivo daquela
festa e do fato de que já se passava (a bastante tempo) da meia noite e saltei
do banco em que estava sentada.
- Josh eu estava te esquecendo de dar parabéns! Vinte e dois
anos, eu não posso deixar passar em branco – enquanto ficava na ponta dos meus
pés para abraça-lo, Josh já abriu os braços para me abrigar em seu peito –
Parabéns Josh, que esse seja só o primeiro aniversário que passo do seu lado. –
seu rosto estava enfiado no meu pescoço enquanto suas mãos faziam carinho nas
minhas costas, e juro que consegui sentir seus lábios se moldando naquele
sorriso perfeito contra a minha pele.
- Muito obrigado pelo presente, Ally. – falou depois de me
soltar, me olhando com aqueles olhos brilhantes de sempre.
- Imagina Josh, não foi nada. Como você tinha gostado tanto
do filme aquele dia, achei que você iria gostar mesmo.
- Não estou falando do que você me comprou. – e tirava uma
mecha de cabelo do meu rosto enquanto continuava falando – Obrigado por ter me
deixado sentar à sua mesa aquele dia. Obrigado por ter me dado a chance de te
conhecer. Você foi o melhor presente que eu poderia ganhar.
Antes que eu pudesse perceber, o corpo de Joshua estava
muito mais próximo do meu do que eu me lembrava, assim como seu braço não
estava me puxando em direção ao seu quadril. Quando dei por mim, estávamos nos
beijando e diferentemente do que eu achava que faria, não o parei. Não tinha
forças para isso. Não queria que ele parasse. Pro inferno com essa história de
não querer me envolver. Depois de um longo silêncio, em que minhas mãos
resolveram bagunçar um pouco mais os cabelos escuros de Josh, ele rompeu o
beijo ainda me segurando prensada contra seu corpo. Afastei meu rosto do dele,
a tempo de ver uma pontada de medo naqueles traços que eu já conhecia bem.
- Eu não quero de machucar. – quase como um sussurro ele
disse, encostando sua testa à minha.
Novamente o Josh inseguro estava lá na minha frente. Seus
braços cercando minha cintura como se tivesse medo de que saísse correndo. Os
olhos fechados. A respiração um pouco ofegante.
- Se alguém nesse mundo for me machucar – disse passando uma
das mãos por seus cabelos, ainda com nossas testas coladas – eu prefiro que
seja você.
Por Mariana J.
n/a: Feliz dia dos namorados!♡ ♡ ♡ n/a 2: Esse texto é na verdade a continuação de um outro já postado aqui, o "One". Se você chegou agora e quer entender melhor a história desses dois e só clicar aqui.
Sabe Giulia, eu tenho pensado muito em você. Ontem eu me
peguei ouvindo todas aquelas músicas que você me enviava links na internet ou
que gravava para mim em compilações caseiras que eu quase nunca ouvia. Você
odiava quando chamava aquelas bandas de pretensiosas mas agora eu admito, você
tem um senhor bom gosto musical. Ainda acho as bandas um tanto pretensiosas mas
eu não as escuto pelas letras, vocais ou arranjos. Eu encontro em cada música daquelas um pedaço
seu. Eu me lembro bem das várias ocasiões em que te vi cantando aquelas
canções. No chuveiro, lavando louça, enquanto eu dirigia. Deus, era tão
adorável o jeito que você ficava quando me convencia de colocar um dos seus cds
caseiros no rádio do meu carro.
Em cada música eu encontro um pouco de você. Me sinto idiota
admitindo isso mas eu sinto - lá no fundo – que se eu conseguir ouvir todas
elas por vezes suficientes eu vou te ter inteira, nem que seja dentro de mim. E
meu dia se resume nisso: ouvir bandas indie
e tentar montar os pedaços de você que sobraram em mim. Tudo que acontece é um
pretexto para me lembrar de você. Na mesma semana em que você foi embora eu
pedi uma pizza média com lombo canadense e, como era de costume, pedi que dois
dos pedaços tivessem pedacinhos de abacaxi. Do jeito que você gosta. Acontece
que quando a pizza chegou você não correu atender meu interfone. Não festejou
quando eu entrei no apartamento carregando a caixa nas mãos. Não comeu os dois
pedaços agridoces. E eles ficaram lá. Eu não os comi – lógico – aquele negócio
é nojento, não sei como consegue gostar.
O inverno está chegando e eu me lembro como se fosse ontem
do mau humor que você ficava em todo dia de frio. Você sempre odiou frio, eu
sei. Sempre preferiu andar por aí mostrando sua pele branquíssima, tão branca
quanto a minha própria. Sempre fomos tão diferentes Giulia, que às vezes eu me
pergunto se esse foi o motivo que te fez ir embora já que você nunca me
explicou realmente. O dia hoje começou com um céu azul aguado, aguado como
esses teus olhos enormes que eu gosto tanto. Como eu te disse, tudo é um
pretexto para me lembrar de você. Me pergunto sempre onde você pode estar, o
que está fazendo, se cortou os seus cabelos e se tem alguém dormindo na sua
cama. Eu me pergunto se você tentou me ligar alguma vez ou se parou em frente
ao meu prédio e cogitou subir os nove andares. Me pergunto se você guardou
minha palheta vermelha e se escuta minhas músicas favoritas como ouço as suas.
Acima de tudo eu me pergunto se você ainda pensa em mim.
Mesmo que essas linhas mal escritas nunca cheguem às suas
mãos acho que você gostaria de saber que eu não tenho mais nada seu no meu
apartamento. Me livrei do seu lenço em um acesso de raiva. Joguei-o pela janela
e honestamente não faço ideia de onde ele possa estar agora. Finalmente joguei
fora a caixa vazia dos cigarros mentolados, que antes de tudo eram meus e não
seus, mesmo você sempre fumando a maioria. Deletei suas mensagens do meu
celular. Não tenho mais vestígios seus, ou de seus bilhetes, dos cds caseiros
que carregou consigo, nem peças de roupas ou recados gravados na secretária
eletrônica. Ainda assim eu insisto em discar seu número, mesmo que para ouvir
uma voz feminina – infelizmente não pertencente à garota dos olhos azuis –
dizer que aquele número não existe. Eu
continuo vivendo Giulia. Mais melancólico do que de costume, tenho que dizer,
mas estou vivo. Sempre soube que poderia viver sem você, mas hoje eu vejo que
sem você por perto eu sou a pior versão de mim mesmo. Posso até não ter mais
vestígios teus pelo meu pequeno apartamento mas dentro de mim tem mais de você
do que pode imaginar e disso – aparentemente – eu não vou me livrar tão cedo.
Por Mariana J.
n/a: a Giulia já apareceu aqui no blog antes sabia? Corre aqui pra ver.