sexta-feira, 30 de maio de 2014

One

Eu não me lembro o mês ao certo... Acho que era Fevereiro. Me lembro que o clima estava mudando, nem quente, nem frio.  Era um sábado e mal se passava das oito horas da manhã. Poucas coisas conseguem me fazer sair da cama antes das dez em um fim de semana – que ainda por cima era chuvoso, nesse caso - : Viagens e cinema. No dia em questão o a segunda opção era o motivo pelo qual eu acordei mais cedo do que o normal e rumei para fora do apartamento que divido com a minha melhor amiga. Tem esse cinema antigo aqui que todo primeiro sábado do mês apresenta uma seção única de algum filme que não se encontra mais em cartaz. O filme do mês era “O Iluminado” de Stanley Kubrick, conhecido também como  “Um Dos Meus Filmes Favoritos Da Vida”. Me recordo que ainda estava vestida em homenagem ao filme: uma calça jeans, uma camiseta estampada com a clássica imagem de Jack Nicholson olhando pelo rombo na porta de madeira com a igualmente clássica frase “Here’s Johnny!” (que por um acaso foi um improviso de Nicholson, vale lembrar), e um cardigã azul claro, no mesmo tom dos vestidos das gêmeas. 

Sempre saía do nosso pequeno apartamento no máximo às nove e meia da manhã, visto que as seções especiais de sábado começavam às dez, eu tinha tempo hábil de chegar ao cinema mesmo que a pé. Mas aquele sábado foi diferente. Eu acordei mais cedo. Me arrumei mais rápido. Saí de casa bem mais cedo e decidi passar nessa cafeteria que ficava a algumas quadras do cinema e fazer meu desjejum lá mesmo, além de gastar um tempo escrevendo ou lendo qualquer coisa. E assim o fiz. Fui caminhando pelas ruas já movimentadas, com filas de carros parados com seus motoristas irritados, amaldiçoando uns aos outros. Apesar da manhã acinzentada e das buzinas estridentes daqueles presos nos engarrafamentos eu estava estranhamente animada. Consegui abstrair todo aquele ambiente e tudo o que importava para mim era o ritmo quase dançante dos meus pés no concreto e a canção que tocava apenas pra mim.

Foi quando eu estava chegando à cafeteria que o vi. Ele vinha cruzando a rua andando calmamente, quase como se a faixa de pedestres fosse a sua passarela particular. E meus olhos teimaram em acompanhar aquele desfile.  Se eu pudesse descreve-lo em uma única palavra naquele momento, seria: Uau. Sim, uau. Os cabelos escuros e curtos, bagunçados de um jeito matreiro contrastando diretamente com o paletó que vestia sobre a camiseta branca e suas calças jeans. Entrei na cafeteria e me encaminhei até o caixa para registrar meu pedido, como o lugar já estava bastante cheio (ah, grandes cidades) temi que o garçom demorasse a me atender, e fui me sentar a uma das poucas mesas livres.  Por algum motivo meu cérebro me obrigou a olhar pela enorme janela que estava ao meu lado e de lá eu vi – adivinhem quem? – o moço dos cabelos escuros. Ele estava mexendo no bolso interno do paletó quando sacou um pacote de Marlboro Lights de lá e já levou um até seus lábios. Me lembro de ter reclamado mentalmente, algo do tipo “Como alguém tão bonito pode fumar?”. Pois é, eu já fui do time contra tabagismo, quem diria? Como se meus pensamentos fossem altos demais, o rapaz se virou na minha direção e sorriu um sorriso de canto de boca quando notou que eu o observava, antes de soltar a fumaça branca. Até a fumaça dele era bonita.

Sentia meu rosto corar. Desviei o olhar do rapaz. Encarei minhas unhas descascadas, o tecido da calça que vestia, as conversas de cada mesa se tornando um som indecifrável, o casal sentado na mesa em frente a minha, a menininha de cabelos loiros que me encarava algumas cadeiras a minha frente. Tudo se tornou extremamente interessante.  Mexi na minha bolsa, chequei o horário no meu celular, arrumei meu cabelo, pigarreei, reclamei mentalmente da demora do meu pedido. E então voltei a olhar para fora. Ele já não estava mais lá, me fazendo sentir um misto de decepção e alívio. Um alívio quase inexistente, para ser honesta. Assim que olhei na direção do caixa, vi que lá estava ele provavelmente fazendo seu pedido como eu havia feito anteriormente. Fingi que estava muito ocupada vendo algo na tela do meu celular. Metade de mim querendo que ele se sentasse perto o suficiente para que eu pudesse observa-lo, metade orando pra que ele apenas pegasse seu pedido e saísse de lá para que eu pudesse respirar de novo.

- Com licença – uma voz rouca disse logo na minha frente e não me atrevi a levantar os olhos – posso me sentar com você? As outras mesas estão cheias.
Era ele. O rapaz dos cabelos bagunçados, com uma das mãos sobre o encosto da cadeira a minha frente, apenas aguardando minha autorização. O aroma de cigarro com perfume amadeirado me deixou um tanto desnorteada, assim como aquela voz. Deus, aquela voz... 
- Claro – finalmente consegui dizer, mesmo achando que minha voz soava quase como um sussurro.  Ao mesmo tempo em que com uma mão ele afastou a cadeira para se sentar, estendia a outra na minha frente para me cumprimentar.
- Obrigado. Eu sou Josh... Joshua na verdade.
- Eu sou Ally... Allison na verdade. – disse imitando-o enquanto apertava sua mão. Estava me controlando ao máximo para não entrar em combustão instantânea ou falar alguma coisa muito ridícula.
- É um prazer te conhecer, Ally. – Joshua falou enquanto se arrumava na cadeira na minha frente e seus lábios se abriram no sorriso mais maravilhoso que eu já vi. Provavelmente daqui a 20 anos eu ainda vou me lembrar daquele sorriso.
- Já fez seu pedido? – ele me perguntava com uma naturalidade invejável, era como se nos conhecêssemos há anos. Confirmei com a cabeça e ele voltou a falar: “O que você pediu?”.
- Um mocca e um brownie. – Logo que disse “mocca” vi seu rosto se contorcendo numa careta cômica – O que foi? – perguntei rindo baixo.
- Mocca. Mocca não é café. Café bom é café puro. – Joshua falava pausadamente.
- Não seja assim tão preconceituoso Joshua, mocca também tem café. Assim você vai acabar ferindo os sentimentos do pobrezinho.
- Daqui a pouco meu café vai chegar e você vai tomar um gole pra aprender o que é bom nessa vida.
Apenas ri e tentei parecer natural. Eu queria perguntar tudo sobre ele. Queria saber suas bandas favoritas, de que tipo de filmes ele gostava, qual era a sua viagem dos sonhos, as vergonhas que passara no ensino médio, o que fazia da vida, quantos anos tinha, onde morava, e tantas outras coisas mas não. Apenas esperei que ele quebrasse o silêncio.
- O que te traz à rua tão cedo, Ally?
- Perdão? – eu havia ouvido o que ele dissera, mas sua voz era tão apaixonante que eu poderia ouvi-lo falando para sempre.
- Digo, o que te fez acordar tão cedo em um Sábado nublado desses? Por exemplo, eu tinha uma reunião que aparentemente foi cancelada e ninguém teve a decência de me avisar. Então estou aqui esperando meu café, e você?
- Bem, eu estou esperando dar o horário da minha seção de cinema. Tem um cinema não muito longe daqui que apresenta uma seção especial com um filme fora de cartaz todo primeiro sábado do mês.
Enquanto eu me explicava, um dos garçons parou à nossa mesa e deixou sobre ela os nossos pedidos.
- Mesmo? Eu não sabia que tinha esse tipo de coisas por aqui. Qual filme vão exibir hoje? – Josh disse logo após tomar um gole do seu café sem acrescentar açúcar- Hum, isso aqui tá ótimo.
- “O Iluminado” se não me falha a memória. – mas é lógico que não me falhava a memória, eu estava usando a merda de uma camiseta do filme – Você também é contra açúcar no café, Joshua?
- Não diria que sou contra, mas eu gosto do meu café com gosto de café. Posso roubar um pedaço desse teu brownie? – enquanto eu empurrava o prato de porcelana preto e o garfo de prata para o outro lado da mesa, ele me empurrava de volta sua xícara já quase pela metade – Aproveita pra experimentar o que é café de verdade.
Segurei a xícara morna na minha mão direita e aspirei o aroma que o líquido exalava. Forte mas bom. Cuidadosamente levei-a até meus lábios mas tomei um gole maior do que deveria, do que me arrependi instantaneamente. Fiz uma careta enquanto engolia e notei que Josh me observava rindo do outro lado da mesa.
- E? – me perguntou com as sobrancelhas arqueadas.
- Amargo. Demais. Preciso. De. Brownie. – ri e troquei a xícara que eu segurava pelo prato de porcelana.

Estávamos os dois em frente à porta da cafeteria e pela primeira vez vi o quão mais baixa do que ele eu era. Minha testa batia no meio de seu peito.  Alcancei meu celular dentro da minha bolsa para checar o horário, mesmo tendo assistido ao filme no mínimo umas dez vezes eu sempre odiei chegar atrasada ao cinema.
- Se importa? – Josh me perguntava enquanto sacava o maço de cigarros de dentro do paletó. Neguei com a cabeça antes de falar:
- Bem, já está quase na hora do meu filme então... Eu já vou – falei indicando a direção que seguiria com o polegar – Foi um prazer te conhecer te conhecer Joshua.
Eu realmente queria ficar ao lado dele, falar sobre cafés e coisas bobas durante todo o meu sábado mas senti que aquele era o momento de se despedir e seguir em frente. Joshua seria só um cara – muito – atraente com quem tive a sorte de dividir uma mesa naquele café. Fim. Contrariando o que eu esperava, ele tirou o cigarro dos lábios finos e após soltar uma quantidade considerável de fumaça na direção do vento, disse:
- Sabe, eu estava pensando... Já que eu nunca vi “O Iluminado” e não vou ter aquela reunião chata mesmo, você se importaria se eu te acompanhasse? – E sorriu aquele sorriso de canto de boca pelo qual eu já havia me apaixonado. Naquele momento eu soube que jamais conseguiria dizer “não” para o dono daquele sorriso.
- É claro, – não consegui evitar o sorriso que tomou conta do meu rosto – só temos que correr porque faltam só quinze minutos pra começar e...
Foi o tempo que eu tive para guardar meu celular de volta à minha bolsa e para ele o tempo de arremessar o cigarro quase intacto para dentro da lixeira quando ele gritou:

- CORRE ALLY! – e me puxou correndo pela mão em direção ao cinema. Duas quadras depois ele percebeu que não sabia onde ficava o lugar da seção, e rindo me fez trocar de lugar com ele. Agora eu o puxava pela mão. Chegamos afobados, com os cabelos bagunçados e com nossos abdomens doendo de tanto rir. Aquele foi o primeiro de muitos dias felizes que tive com ele. 

Por Mariana J.

n/a: 1- Esse conto era/é na verdade o primeiro capítulo de uma história que eu ainda estou pensando. Talvez eu volte a postar mais dela aqui. 2- Eu tive sérios problemas para escolher o título mas felizmente meu "muso" Ed Sheeran me ajudou com uma das suas músicas, que não por acaso deu o nome ao conto. Segue o vídeo da música que (na minha opinião) combina muito com a história. 3- (adicionado recentemente haha) Esse texto já tem uma continuação YAY! Leia "Can't help falling in love".

sábado, 24 de maio de 2014

Quatro palavras

Eu estaria mentindo caso dissesse que isso é fácil. Não é, mas tentar continuar é impossível. Eu sou um covarde e você sabe disso.  Essas linhas tortas são provavelmente o ápice de toda a minha covardia. Palavras que eu não consigo dizer na sua cara. Quatro palavras. Toda vez que eu te encontro é a mesma coisa. Meu coração não acelera quando escuto sua voz. Seus lábios não tem o mesmo gosto de antes. Seu toque não faz meu sangue ferver. Meu corpo não tem a mesma urgência pelo seu. Quatro palavras. Por bastante tempo eu esperei o momento certo pra dizê-las, mas acontece que não existe um bom momento para notícias ruins. Ainda assim essas palavras que minha boca não consegue pronunciar ardem nas minhas cordas vocais, implorando para ficarem livres enfim. Covarde que sou, sei que não conseguiria fazer isso na sua frente por isso quando chegar a ler esse papel velho eu já não estarei mais aqui. Não me procure. Não me ligue. Eu não quero ver seus olhos vermelhos de chorar, não quero ouvir sua voz embargada, não quero que você me peça pra ficar. Quatro palavras: Eu não te amo.
Pelo menos uma vez na vida, escute seus amigos. Eles sempre souberam que eu não iria te fazer bem... E como faria? Eu sou só um garoto. Um garoto bêbado de vinte e quatro anos. Quando você acordar e encontrar essas palavras onde deveria estar meu corpo adormecido, não chore. Não desperdice suas lágrimas comigo. Nunca mais. Esqueça que eu existo. Não passe em frente do prédio onde moro. Jogue fora qualquer coisa que você possa relacionar comigo. Bilhetes, notas fiscais de restaurante, canhotos de cinema, qualquer coisa. Delete meu número da sua lista de contatos, não importa se você já o decorou, delete ele da sua cabeça também.  Apague as minhas mensagens, tire qualquer rastro meu que possa existir no seu apartamento. Jogue aquela minha camisa xadrez fora, eu não vou usá-la mais. Rasgue as nossas fotos. Queime-as se preferir. Faça o que quiser, mas não me ame. Eu não te amo.
Esqueça o gosto dos meus beijos. Tenha nojo do calor da minha pele. Odeie a minha voz rouca. Ridicularize a minha risada e as roupas que eu visto. Não ouse querer meu corpo no seu outra vez. Esqueça as palavras bonitas que você me disse. Esqueça toda e qualquer coisa que você sentiu por mim. Não foi recíproco. Eu não te amo. Não vá escutar as músicas que eu gosto, não se embebede com a minha bebida preferida, não pergunte de mim aos meus amigos. Não me procure nas ruas, não imagine como está sendo a minha vida sem você, não se pergunte se estou bem. Escute seus amigos e me deixe em paz.
Não, nós não podemos ser amigos. Estou ciente disso, mesmo que eu desejasse o contrário. Eu não faço bem pra você, e ah garota, creio que nem como amigo sairia alguma coisa boa desse meu coração de pedra.  Siga o seu caminho. Corte seus cabelos longos que eu gosto tanto, vista sua roupa favorita, pinte seus lábios de vermelho, amanheça na cama de outro cara mas não me ame. Me desame. Faça com que o meu nome tenha gosto de ácido gástrico na sua boca. Odeie a minha infantilidade e falta de compromisso com tudo. Se convença de que está melhor sem mim. Esqueça meu senso de humor ridículo, tenha nojo dos meus filmes favoritos.  Diga para suas amigas o quão covarde eu sou. Rasgue esse papel em milhares de pedaços e queime cada um deles. Arranque de você todos os pedaços que eu envenenei.
Eu nunca imaginei que chegaríamos a isso. Não esperava que isso fosse tão longe. Eu sinto muito pelas lágrimas que eu causei. Sinto muito por ter te machucado tantas vezes, você não merece isso, nem de mim, nem de nenhum outro cara. Eu não quero te machucar nunca mais, mas para tal eu preciso fazer isso uma última vez.  E é por isso que eu repito, e agora pela última vez: 
Eu não te amo. 

Por Mariana J.
n/a: Esse texto foi inspirado na música "These four words" dos caras incrivelmente talentosos do The maine. Se você ainda não conhece a banda, fica a dica. 



terça-feira, 13 de maio de 2014

Querido diário

04 de Março
Talvez eu esteja me apaixonando. Talvez. Tem essa garota que sempre se senta a uns dois bancos na minha diagonal no ônibus, acho que se chama Ruby ou algo do gênero. Todas as manhãs ela entra naquela enorme banheira amarela e barulhenta com a mochila sobre um dos ombros e o olhar baixo, então ela olha na minha direção com um meio sorriso e segue pra se sentar com os amigos, sempre do lado da janela. Todas as manhãs eu sinto como se ela trouxesse o sol para dentro daquele ônibus fedido. Ela tem olhos enormes da cor que o céu fica quando é quase noite. Aquele azul forte, duro e reconfortante de algum jeito. Os seus cabelos são cor de cobre e cacheados nas pontas que tocam o meio de suas costas. Acho que nunca vi alguém com o cabelo mais brilhante na vida. Acho que não temos nada em comum, ela é perfeita demais para um cara como eu. Creio que o máximo que temos em comum é que estamos na mesma turma de Cálculo 1. Ainda assim nunca falei com ela. Talvez eu devesse.

22 de Abril
Eu amo a sua voz. Amo as sardas que ela tem nas bochechas. Amo as ruguinhas que se formam nos cantos daqueles olhos azuis quando ela sorri. Eu amo o som dos seus passos no corredor do colégio. Amo sua caligrafia, as letras bem arredondadas e o traço leve quase como se as palavras flutuassem no papel. Amo até a forma como ela espirra. Eu estou apaixonado cara. Profundamente apaixonado. Puta merda, não existe nada nela que não seja perfeito.

27 de Abril
Ela acenou pra mim quando entrou no ônibus. Foi só um cumprimento, eu sei, mas eu não consigo parar de pensar nela. Não deve ser nada demais, ela provavelmente só me reconheceu da aula de Cálculo, mais nada.  Como sempre ela se sentou com os amigos, dois bancos na minha diagonal, e ficou tamborilando o banco da frente com aqueles dedos longos com as unhas pintadas em azul claro. Eu pensei em falar com ela durante a aula, juro que pensei mas perdi totalmente a coragem no mesmo segundo em que me levantei.

7 de Maio
Ruby se sentou na mesa ao lado da minha na aula hoje. Deus como o perfume dela é maravilhoso, juro que eu ainda tenho ele impregnando nas minhas narinas (nossa que romântico). Eu decidi que deveria chama-la pra sair, um cinema, mini golf ou sei lá o que ela preferisse fazer e passei toda a aula repassando mentalmente tudo o que iria falar e fazer. Iria me apoiar com uma das mãos em sua carteia, colocar a outra mão no bolso da calça e perguntar se ela toparia sair uma hora dessas. Com um sorriso no rosto, claro. Dizem que meu sorriso é bonito demais pra ficar escondido. De qualquer forma: eu perdi a coragem. O sinal tocou e eu esperei até que ela estivesse pronta para sair e fui até sua mesa com todos os movimentos ensaiados. Olhei fundo naqueles olhos azuis, abri um sorriso e ela retribuiu timidamente então foi aí que minha mente simplesmente resolveu esquecer tudo o que eu tinha planejado e tudo o que eu consegui falar foi “você sabe quais são os capítulos pra prova de semana que vem?”.  Patético, eu sei.

30 de Maio
Escutei Ruby conversando com uma amiga sobre as férias de verão quando passei pela mesa dela no início da aula. Fico triste de pensar que vou ficar tanto tempo sem poder vê-la mas talvez com um pouco de sorte ela caia na mesma sala que eu pra alguma matéria pro próximo ano letivo. Talvez algo mais legal como Inglês. Deus, como eu odeio Cálculo 1... pelo menos tenho a presença dela pra melhorar a aula.

 2 de Agosto
Ela não subiu na enorme banheira amarela hoje. Não sorriu pra mim. Não sentou ao meu lado na aula de Cálculo. Eu pensei em mandar uma mensagem pela internet para ela e perguntar se estava tudo bem mas não consegui sequer apertar o botão para enviar um pedido de amizade. Ao invés disso fiquei apenas passando as suas fotos de perfil repetidamente e revendo aqueles traços delicados que eu já decorei a meses atrás. Apesar de tudo Cálculo 2 foi bom, mesmo eu não entendendo nada do que esse novo professor diz. E ele ainda nos liberou dez minutos mais cedo porque tinha uma reunião para ir. Eu queria ter chamado a atenção da Ruby e perguntado de que bandas ela gosta. Ela está sempre com os fones de ouvido, deve ter um bom gosto musical.

16 de Agosto
Tem alguma coisa errada com ela ultimamente. Eu não exatamente o que, mas desde que voltamos às aulas ela não me parece ser a mesma garota. Ela continua absurdamente linda mas existe alguma coisa diferente, algo está faltando. Os olhos dela parecem não brilhar tanto quanto antes. Seu sorriso quando entra no ônibus parece menor a cada manhã. Ela parece mais magra... Ou talvez seja só o efeito das roupas mais largas que ela está usando agora. Eu não sei, tem alguma coisa errada.

23 de Agosto
Encontrei com Ruby no corredor na saída hoje. Criei coragem de cumprimenta-la e a sua voz em resposta parecia tão vazia, tão perdida. Era quase como se não fosse ela. E está definitivamente mais magra. Disse pra mim que preferiria fazer Cálculo 2 na minha turma mas não conhecia ninguém com quem pudesse mudar de tempo e soltou um risada que não fez com que rugas aparecessem nos cantos dos olhos. Desde que as aulas voltaram eu não a vi na sua mesa de costume na cafeteria do colégio, não vejo ela na fila do almoço, só nos corredores e quando tenho sorte ainda.

1 de Setembro
Ela entrou no ônibus essa manhã mas eu não senti o sol entrando com ela. Não necessariamente por ser uma manhã de chuva. Os seus cabelos cor de cobre estão menos brilhantes, as bochechas menos rosadas, os olhos continuam belos mas opacos quase da mesma cor do céu nesse começo de noite. Ela está sempre de mangas compridas. Mesmo quando não está frio. Ruby ainda sorri pra mim quando me encontra no corredor ou no ônibus mas não fala muito. Todas as vezes que pergunto se ela está bem ela sempre solta um “ótima, obrigada por perguntar” mesmo que eu consiga ver que não está. Quase como se estivesse no piloto automático.

18 de Setembro
É meu aniversário hoje. Ela me cumprimentou no corredor durante o intervalo e me deu um forte abraço, me desejando toda a felicidade do mundo, saúde e todas aquelas coisas que se deseja a alguém que está ficando mais velho. Por alguns segundos enquanto meus braços estavam ao redor do corpo magro dela e os braços dela envoltos no meu bem mais corpulento eu consegui sentir o brilho daquela antiga Ruby, aquela que ficava rindo com os amigos no caminho do colégio mas logo que ela rompeu o abraço eu vi seu rosto pálido e magro com os olhos emoldurados em um tom arroxeado como se não dormisse bem a semanas. Quando ela foi arrumar seus cabelos longos após nosso abraço, uma das mangas de seu suéter desceu alguns centímetros e eu juro que vi alguns riscos bem vermelhos na sua pele. Honestamente espero que não seja o que eu estou pensando. Eu quero a velha Ruby de volta, mesmo nunca tendo ela realmente.

26 de Setembro
Ela não foi a aula. Não tenho mais nada a comentar, exceto que estou a cada dia mais preocupado com tudo isso.

3 de Outubro
Ruby não entrou no ônibus hoje
Nem seus amigos estavam lá. Nenhum deles.
Logo no primeiro tempo o diretor Hawkins entrou na minha turma de Física e disse que tinha uma notícia triste. Disse que fora informado do falecimento de Ruby pelos pais dela. Não falecimento, suicídio. Disse que os pais a encontraram na cama como se estivesse dormindo, com quase dois tubos de analgéticos vazios caídos ao lado com um pedido de desculpas escrito numa folha qualquer. Disse que seu enterro seria na manhã do dia seguinte e que não haveriam aulas pelo resto da semana em respeito a ela. Eu não consigo parar de pensar nela. Não consigo parar de pensar em como eu deveria ter me levantado e dito algo para o diretor, a orientadora ou alguém, eu sabia que algo estava errado com ela e ainda assim não fiz absolutamente nada. E agora não tem nada que eu possa fazer. Eu nunca a chamei pra ir ao cinema. Não descobri quais eram suas bandas favoritas. Não fiz absolutamente nada. Simplesmente fiquei sentado enquanto uma garota maravilhosa se perdia dentro de si. Eu nem ao menos me esforcei. Eu podia ter pelo menos tentado fazer com que ela me contasse o que estava acontecendo, mas não.

13 de Outubro
Dez dias depois ainda não faz sentido pra mim. Eu não entendo como alguém tão perfeita como ela era poderia tirar a própria vida. Talvez as coisas não fossem tão perfeitas por dentro quanto eram por fora e aos poucos ela foi mostrando isso. Toda vez que fecho os olhos eu a imagino, chorando no chão do banheiro, uma lamina em uma das mãos, o corpo coberto de cortes abertos, o sangue escorrendo grosso e vermelho sobre aquela pele pálida. Imagino a engolindo um comprimido de cada vez, os olhos vermelhos, o rosto marcado pelas lágrimas que não param de descer, a mão trêmula escrevendo “Me desculpem”.  Eu não sei ao certo de onde eu tirei forças para ir ao enterro. Sinto que eu precisava vê-la uma última vez, ter certeza que aquilo realmente estava acontecendo. A mãe dela chorava alto abraçada aos ombros de quem eu acredito ser o marido dela e repetia incansavelmente que queria a menininha dela de volta. Eu olhava em volta e reconhecia vários rostos de encontros casuais nos corredores do colégio e todos estavam igualmente abatidos. Os olhos inchados. Todos nós queríamos ela de volta. Todos nós queremos ela de volta. Mas ela não vai voltar e a cada dia em que eu não a vejo entrando na enorme banheira amarela é um lembrete disso.

3 de Novembro
Hoje faz um mês desde que eu soube que nunca mais veria a dona dos olhos mais lindos desse universo inteiro. Eu estava tentando me concentrar na leitura de Jane Eyre no intervalo quando senti uma mão pousar no meu ombro e eu tentei não desejar que aqueles dedos fossem dela, por mais que no meu íntimo eu implorasse por isso. Era Julia, uma das meninas que dividia o banco do ônibus com Ruby. Ela segurava uma pasta azul escuro nas mãos suadas. Um azul da cor do céu quando está anoitecendo. “Acho que ela gostaria que você ficasse com isso”, Julia me disse e me pediu para abrir. Senti meu coração despencar até meu estômago. Lá dentro estavam dezenas de desenhos, desenhos de um cara de óculos com cabelo bagunçado e uma pinta na bochecha do lado esquerdo do rosto. Era ele sentado no banco do ônibus, guardando o material no armário, se apoiando na mesa com um sorriso besta no rosto, rabiscos de vários ângulos, várias roupas, várias expressões faciais e por último um com o garoto cercado de balões de festa com um enorme letreiro escrito “Feliz aniversário” em letras enormes. Embaixo em letras bem menores eu li um “eu te amo” naquela caligrafia gostosa e flutuante dela. Eu era aquele garoto dos rabiscos. O desenho de aniversário datava de 17 de setembro. Um dia antes do meu aniversário. Um dia antes do primeiro e único abraço que eu receberia dela. “Ela falava de você o tempo todo. Ela gostava muito de você. De verdade.” a amiga me disse com os olhos marejados “Só nunca teve coragem de te dizer”. Então eu tentei respirar fundo, como se assim meu coração voltasse ao lugar e falei quase que só para mim: “Então nós tínhamos algo em comum afinal”.
Deus, como eu sinto sua falta Ruby...

Por Mariana J.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Indecisão

Eu sei que meu coração ainda vai se partir muitas vezes. Sei que muitas juras de amor serão ditas sem nenhum fundo de verdade. Sei que vou me convencer de que conheci “o” cara diversas vezes e depois vou descobrir que não era bem assim, mas eu prefiro me manter distante o quanto posso. Olha aqui moreno, a culpa não é sua. Talvez nem minha seja, mas eu prefiro pensar assim. O problema é que a minha sanidade é pouca e meu coração é grande demais. Eu nunca soube fazer as coisas pela metade; ou é tudo ou é melhor deixar pra lá.
Nunca fui de gostar pouco. Gosto muito de pessoas, de séries de TV, de sabores de pizza, da minha rotina, dos meus cabelos longos demais, de bandas, de filmes antigos, de ler os mesmos livros várias vezes. Eu nunca soube gostar pouco, principalmente de pessoas; e eu tenho quase certeza de que você pode ser alguém de quem eu vou gostar muito e isso é um tanto assustador pra ser honesta. A verdade é que eu me desacostumei com isso tudo. Esqueci como é saber que tem uma pessoa por aí que gosta da minha cara de sono ou das piadas idiotas que eu faço quando tentam flertar comigo. Esqueci como é ser gostada e tenho quase certeza de que desaprendi a gostar.
As vezes eu me pego pensando no que levou esses seus olhos verdes a achar que esses meus olhos castanhos eram mais interessantes do que os de tantas outras meninas. Me pergunto também se as coisas seriam diferentes se você estivesse aqui agora. Você provavelmente odiaria a minha mania ridícula de deixar as coisas milimetricamente arrumadas em uma mesa de bar enquanto meu quarto mais se parece com uma zona de guerra. Perderia a cabeça com os meus dramas e minha ansiedade com tudo. Talvez não gostasse do aroma do meu perfume ou da pouca paciência que eu tenho pra me arrumar, apesar de demorar muito pra sair de casa.
Me alegro de saber que você gosta de coisas em mim que eu não acho lá muito digna de serem gostadas – o tamanho dos meus lábios, por exemplo – mas nessa altura da minha vida, ah garoto, eu preciso que você goste daquelas minhas partes erradas também. Preciso não só que você goste mas que você principalmente, entenda. Talvez com esses seus olhos você não enxergue exatamente o mesmo que eu, mas existem muitas coisas que precisam ser mudadas principalmente por dentro. Meu coração é cheio retalhos e cortes ainda em fase de cicatrização. Meu cérebro tem mais cantos obscuros do que eu posso contar. As vezes pensar tanto dói ao ponto de romper a minha pele e me fazer querer rachar minha cabeça ao meio.

Eu não espero que você conserte os meus erros, não posso querer isso de ninguém se não de mim. Mas talvez eu precise de alguém que me faça querer deixar o passado para trás ao invés de carrega-lo nas costas. Só essa indecisão que teima em morar no meu peito e não me deixa saber se você pode ser esse alguém. Se for pra gostar de mim que seja assim, até com as rachaduras ou me faça o favor de desgostar.  Mesmo com menos de duas décadas de vida eu sei que só palavras bonitas não farão meu coração acelerar mais. Se faça inteiro belo, não só suas palavras. Prove pra mim que eu não tenho mais o que temer, que o meu passado pode ficar pra trás. Faça isso que das minhas cicatrizes cuido eu.

Por Mariana J.