Quando eu era garoto Londres era meu lugar favorito no mundo
todo, quase como se fosse minha própria casa. Me lembro de contar os dias para
o início das férias de verão, época em que eu passava uma temporada na cidade
com meus tios. Tia Margareth sempre me tratou como o filho que ela nunca teve.
Agora, depois de tantos anos a cidade parece bem mais cinzenta do que eu me
lembrava. Ou talvez a falta de cor seja apenas efeito desse bichinho que vem
crescendo em meu peito. Dizem que lar é onde seu coração está e eu te garanto
que o meu não me acompanhou na viagem intercontinental.
Foi só enquanto o avião se preparava para a decolagem que me
dei conta do que estava acontecendo. Eu queria que ela estivesse sentada na
poltrona ao lado da minha, observando as manobras quase grudando o rosto na
janelinha. E ela seguraria a minha mão mesmo suada, sabendo o quanto eu odeio
decolagens. “Fica calminho amor, vai dar
tudo certo tá? Eu tô aqui.” Mas ela não estava. Eu estava deixando Allison.
Nós estávamos tão ocupados pensando em como nos despedir que esquecemos de
pensar no que aconteceria depois. E agora aqui estamos nós – ou melhor, e agora
aqui estou eu, já que ela está a milhares de quilômetros.
Eu tento não parar pra pensar em como ela está lá na sempre
ensolarada Califórnia mas absolutamente tudo me lembra dela. Uma vez que entrei
no mercado e estavam tocando Blink 182
nos auto falantes. Quando encontro um episódio de Friends passando na tv, quase
consigo ouvi-la rindo ao meu lado e repetindo as falas como sempre fazia. “Chandler M. Bing é meu spirit animal Josh.
É por isso que eu sou cômica assim.” Alguns dias atrás jurei tê-la visto no
café perto do meu novo apartamento. Os cabelos castanho claros da garota eram
iguais aos dela quando eu parti. Longos e lisos com uma franja lhe cobrindo a
testa. Mas os olhos, ah os olhos daquela garota não eram nem de longe tão
hipnotizantes quanto os de Ally. Me lembro daquele primeiro sábado, naquela
nossa cafeteria, na nossa mesa. Assim que ela me olhou com aqueles olhos verdes
enormes eu senti que alguma coisa incrível estava acontecendo.
Eu tentei não me envolver, não me deixar apaixonar mas
quando dei por mim já era tarde demais pra parar. Eu estava de quatro por Ally
e não havia nada que me fizesse mudar. Quando a abracei na minha festa de
aniversário tudo em mim berrava que eu não devia deixa-la nunca. E eu tentei, e
como tentei. Passei meses a fio tentando convencer meu pai com todos os
argumentos que consegui. “Mas eu sou novo
demais”, “Eu não mereço um cargo desses”, “Você deveria ir pai, eu cuido
daqui”, “Marla não pode ir? Ela já tem vinte anos de casa, merece muito mais do
que eu”. Nada funcionou.
- Sua tia quer você
lá dentro Joshua. Ela confia mais em você do que em mim se bobear. Você é
totalmente capaz disso garoto, e esse não era seu sonho? O que está errado com
você? – Meu pai respondia me olhando incrédulo do outro lado da enorme mesa de
seu escritório. Ser filho do chefe nunca me ajudou em nada, se é que você quer
saber. Quando eu disse para ele o que me fez mudar de ideia sobre ir para
Londres, ele quase riu na minha cara.
- Vocês estão noivos por um acaso? – Neguei com a cabeça –
Então não tem motivo pra não ir. Você não vai jogar fora uma chance dessas por
uma garota que você conhece há uns dois meses. Joshua, muitas pessoas aqui
matariam pra estar no seu lugar.
- Então mande uma dessas pessoas, porra! Porque isso tem que
ser tão difícil? – Saltei da cadeira com minha voz alterada. Queria poder virar
aquela mesa, xingar aquele lugar inteiro e pedir demissão mas a vida não é tão
simples assim.
- Olha aqui garoto, aqui eu sou o seu chefe. Abaixe esse teu
tom de voz e cuidado como fala comigo. – Seu indicador estava a milímetros do
meu rosto e sua voz estava exatamente como quando eu era criança e era suspenso
da escola por fazer bagunça demais. – Você vai pra Londres e fim de história.
Se eu parasse pra listar tudo o que eu sinto falta naquela
garota, a lista provavelmente seria longa o suficiente para me levar até ela.
Tenho saudades da voz de sono dela quando acorda cedo pra
sair para o trabalho. Do seu perfume que me lembra o aroma de um pacote de
marshmellows recém aberto. Do som dos seus saltos altos no piso do meu
apartamento e dela os xingando baixinho. “Você
não tem ideia do quanto isso dói Josh. É um instrumento de tortura.” Sinto
falta do gosto dos beijos dela e das pequenas constelações de sardas que ela
tem sobre as maças do rosto e cobrindo os ombros. Tenho saudades da forma como
ela segurava minha mão e do cheiro de seu cabelo que sempre acabava me cobrindo
o rosto quando dormíamos juntos. Me lembro da primeira vez que ela se despiu na
minha frente e como seu rosto ficou corado. Sinto saudades disso também. E
nenhum pensamento meu pode ser vulgar porque é ela, e não há nada de vulgar em
Allison.
É estranho não
ouvi-la cantando algum punk pop no chuveiro ou enquanto me ajuda a arrumar a
cozinha. Nem sempre era dentro de tom mas ela não cantava para agradar, cantava
porque tinha vontade. Eu não tenho com
quem dividir balas de gelatina em forma de tubarão, nem ninguém que aguente me
ouvir reclamar dos programas da tv ou de cafés fracos. Por falar nisso o café
da cafeteria daqui é péssimo, até comecei a tomar moccas, cappuccinos e coisas
do gênero. E ela riu muito de mim quando contei isso a ela. Sinto falta até
dela reclamando toda vez que eu acendo um cigarro, mesmo ela tendo dividido uns
comigo uma vez ou outra.
Ao lado dela o tempo passava tão rápido, tudo era tão
simples. Quando ela deitava sua cabeça sobre o meu peito eu só queria deixa-la
lá para sempre. Os dois ligados por um elo invisível, como se tivéssemos uma
corda amarrada ao calcanhar de cada um, impedindo que nos afastássemos demais.
Mesmo longe eu a sinto aqui comigo. Sentada sobre a bancada de pedra da pia, me
observando cozinhar. Deitada no meu colo quando assisto algum filme de ação. Me
fotografando enquanto eu tento acender um cigarro ao vento. “Eu odeio admitir, mas você fica tão sexy
quando fuma. Você é sexy de qualquer jeito”. E a risada. Ah, como eu amo o
som da risada dela. Tudo em mim implora por um pouco dela.
Agora eu só consigo falar com Ally ao telefone nos fins de
semana ou quando ela tem uma folguinha entre as gravações que estão cada vez
mais apertadas. A série é conhecida até aqui na terra da rainha. Todas as vezes
que me deparo com alguma publicidade, ou revista trato logo de registrar e
mandar para seu celular. Sei o quanto ela está se esforçando para isso tudo e
eu não poderia me sentir mais orgulhoso da minha menina. É claro que eu queria
que ela estivesse aqui comigo mas saber que ela está se divertindo, finalmente
fazendo o que ama, me deixa ainda mais feliz. Na verdade eu queria estar lá.
Meu coração quer voltar pra casa. Eu preciso voltar pra casa. Reencontrar a
parte de mim que tive que deixar para trás. Só espero que não demore demais.
Por Mariana J.
n/a: Esse foi um extra da história do meu casal favorito. Achei que já tava na hora de deixar o Josh falar um pouquinho. Daqui a pouco sai a parte 5 e enquanto isso deixo as anteriores: 1234. E pra terminar, fica a música que dá nome ao conto. Espero que gostem.
Era a quinta vez que eu ligava para ele em três minutos e
ele ainda assim não me atendia. Eu sabia que Josh estava trabalhando mas eu
estava tão eufórica que não conseguia evitar, tinha que falar com ele naquele
mesmo segundo. Já estava pronta para fazer uma sexta tentativa de contatá-lo
quando sua foto pulou na tela do meu celular que vibrava tanto quanto as minhas
mãos.
- Ally? Tá tudo bem? O que acont...
- Josh, eu passei.
- Passou? Espera, do que você tá falando? – Eu senti que ele
estava sorrindo e fiz o mesmo. Ele sabia do que eu estava falando.
- A série, Josh, eles me escolheram. É sério. ELES ME
ESCOLHERAM EU SOU PARTE DO ELENCO PRINCIPAL EU SOU PARTE DA SÉRIE JOSHUA! – Sentia
como se meu rosto fosse rasgar a qualquer segundo de tão enorme o sorriso no
meu rosto era.
- MEU DEUS ALLISON! – Comecei a chorar no meio da rua.
Vergonhoso, eu sei – Isso é tão incrível amor, eu estou tão orgulhoso de você!
Eu sabia que você conseguia, você é incrível princesa. NÓS TEMOS QUE COMEMORAR,
eu vou pensar em alguma coisa e te mando as coordenadas por mensagem.
Eu não podia pedir um namorado melhor.
De noite, depois de eu ter passado a tarde com uma melhor
amiga que estava tão surtada quanto eu – Charlie saiu na sacada pelo menos dez
vezes pra gritar “MINHA AMIGA VAI SER UMA ESTRELA” a quem quisesse, ou não,
ouvir- Joshua me buscou para jantar em um restaurante tão sofisticado que eu me
senti mal por não estar vestindo um longo.
Contei a ele todos os detalhes do segundo teste e de como me escolheram
para um papel diferente do qual eu me candidatei.
- Qual o nome da sua personagem mesmo amor? – ele servia
minha terceira taça de vinho e eu já conseguia sentia meu rosto esquentando.
- Rainbow. Já da pra imaginar que é uma personagem bem...
Única né? – A sitcom seguiria os padrões de Friends, mostrando o dia a dia de
um grupo de seis amigos que no caso se conhecem desde a época do colégio. Minha
querida personagem era formada em artes plásticas e morava num micro
apartamento/atelier totalmente pintado e decorado com peças próprias. Um
espírito livre, não muito parecida comigo, o que era muito legal. Só tinha dois
probleminhas.
- A personagem tem cabelo bem comprido. E umas mechas em
roxo bem forte. – Meus cabelos estavam coisa de um palmo abaixo dos meus ombros
e eu nunca nem mesmo tinha usado qualquer tipo de tintura – Me disseram que vão
me colocar uns apliques.
Josh começou a rir baixo enquanto pescava a sua salada Caprese
no enorme prato de porcelana à sua frente. Quando o perguntei o motivo do riso,
me respondeu:
- Você vai ficar uma fofura de cabelo roxo. Vai parecer uma
blueberry. – depois que percebeu minha confusão sobre se parecer uma frutinha
era uma coisa boa, completou – Foi um elogio, a propósito. Com essas suas bochechas
redondinhas e cabelo roxo, vai ficar o extremo da fofura. – Eu sempre odiei que
me apertassem as bochechas, mas não com Josh. Não havia nada que ele fizesse ou
falasse que eu não amasse loucamente. Até me chamar de blueberry.
- Me escolheram pro papel da Rainbow depois da cena que eu
fiz com o Tyler. Ele vai interpretar o Max, par da minha personagem. – Senhoras e Senhores, apertem os cintos.
Joshua quase cuspiu vinho no restaurante inteiro. Conseguia sentir o nervosismo
dele do outro lado da mesa, enquanto ele buscava o guardanapo de linho do colo
para limpar os lábios. Nem estavam sujos pra começo de conversa.
- Você... Você vai ter um par romântico Allison?
- Não no começo. A história deles vai se desenvolver com o
tempo. Tipo Mondler, sabe? – Eu tentava ser casual, continuei cortando o meu
frango recheado como se estivéssemos falando sobre a previsão do tempo pro fim
de semana.
- E esse... Esse Tyler, é... Bonito? – Ele nem me olhava no
rosto. Estava se empenhando muito em cortar o mesmo pedaço de canelone de
ricota dez milhões de vezes. Resolvi ver até onde ele aguentava. Aquele era um
Joshua completamente novo pra mim. Com ciúmes, quem diria.
- Pode se dizer que sim. O cara parece um armário. Deve ter
1,90 e pouco de altura. Olhos azuis, uma barbinha legal... Ele é ruivo!
Primeiro ruivo que eu conheço. Super gente boa, tem piadas ótimas.
- Aham, aham, aposto que ele deve ser muito legal mesmo. – A essa altura ele já havia desistido de cortar
seu jantar e deixou os punhos fechados sobre a mesa para dois. Quando olhou pra
mim notei as rugas que marcavam a sua testa e a veia pulsando em seu pescoço
rosado – E vai demorar muito pra Rainbow e Max darem umas beijocas? Talvez uns
três episódios?
Mesmo sendo até divertido vê-lo tão enciumado, comecei a me
preocupar com o tamanho da veia pulsante e decidi que era hora de parar. Mandei
minhas mãos até as dele que estavam fechadas como se fossem socar alguém. Logo
que toquei sua pele já senti a tensão diminuir e vi seus músculos relaxarem,
quase como se ele soltasse a respiração depois de prende-la por tempo demais.
- Ei, eu não dou a mínima pro cara ok? Ele é só um colega de
trabalho, não tem nada além disso. E como eu poderia olhar pra qualquer cara do
mundo quando eu tenho o melhor só pra mim? – Consegui que ele me mostrasse
aquele sorriso pra mim e por um momento juro que esqueci até de onde estávamos.
Eu só queria pular no seu colo e lascar um beijo naquele homem.
- Desculpa tá? – Agora ele segurava as minhas mãos. Nada de
veia pulsando. Nada de rugas na testa. Só o bom e velho Josh. – É que eu te amo
demais e não consigo nem imaginar ter que te dividir com alguém.
- E nem vai.
***
Minha rotina estava completamente louca. Acordava bem mais
cedo todos os dias e corria até o estúdio que por acaso ficava a quilômetros da
minha casa – ugh, cidade grande – para mais um dia agitado de gravações. Todos
eram extremamente simpáticos, do elenco até os caras da equipe técnica que os
abasteciam de café todo dia. Estávamos a poucos dias do lançamento oficial da
série na tv a cabo e meu coração parecia querer romper minha caixa torácica. Charlote
sempre passava o texto comigo e me obrigava a gravar as cenas no nosso
apartamento para que eu soubesse o que precisava mudar. Joshua estava bem mais
tranquilo quanto ao meu “par romântico” que nem par era ainda. E mesmo com a
loucura de gravações/photoshoots de divulgação eu ainda conseguia ter um pouco
da minha antiga rotina. Comida chinesa toda Quinta com Charlie, café da manhã
todo Sábado com Josh, noite de filme todo Domingo.
Em um dos Domingos, minha colega de apartamento estava fora
da cidade – Tinha o casamento de uma prima em Iowa – e Josh e eu acabamos
pegando no sono enquanto assistíamos “2001: Uma odisseia no espaço” (devo
avisar que depois desse episódio nós realmente vimos o filme e ele é bem legal
até). Os créditos já haviam acabado a tempos e nós já estávamos até acordados.
Os dois deitados no meu colchão largado no meio da sala porque era mais
confortável que o sofá. Joshua, desenhando linhas nas minhas costas, do meu
pescoço até o cós da minha calça de moletom. Eu, deitada com minha cabeça em
seu peito, ouvindo sua respiração e a batida de seu coração e absorvendo seu
perfume como se fosse minha última chance. Ninguém falava nada. E nem
precisava.
Então ele me puxou para perto, me aninhando em seu peito. Quando
já estava a um segundo de cair no sono novamente, senti seu peito vibrar de
leve. Seus braços me envolviam com tanta força que honestamente achei que
ficaria marcada. Normalmente Josh me abraçava como se estivesse tocando em
porcelana, delicadamente, como se tivesse medo de me partir em milhares de
cacos. O extremo oposto do que acontecia no momento. Ele me abraçava como se
não quisesse me deixar partir. Sentia seus lábios no topo da minha cabeça.
Havia Josh para todos os lados em que olhava, estava totalmente tomada e era
bom. Sua respiração estava irregular. A vibração em seu peito aumentou e ele
soltou a respiração pesada, como se sentisse dor. Foi aí que percebi que
chorava. Tentei me desvencilhar de seus braços, mas foi em vão. Tudo o que
consegui foi encostar minha testa na dele.
- Josh? Amor... Josh, porque você tá chorando? – Não me
respondeu. Sentia as lágrimas que brotavam de seus olhos, rolando por suas
bochechas até alcançarem as minhas. A sua respiração irregular, o peito
vibrando contra o meu. – Ei ei, o que aconteceu príncipe?
Novamente ele não me respondeu, apenas tentou se aproximar
mais de mim – mesmo não existindo mais espaço para isso – e passou a abraçar
minha cintura, deitando sua cabeça em meu peito como se fosse um garotinho
buscando abrigo. Eu não sabia o que fazer ou o que dizer já que ele não me
explicava o que estava acontecendo. Beijei o topo de sua cabeça e fazendo um
cafuné, disse sem saber bem o motivo:
- Eu não vou a lugar nenhum. Eu te amo. Eu sou sua e eu não
vou a lugar nenhum.
Joshua continuou chorando até cair no sono, deixando minha
camiseta úmida.
***
A série estava indo muito bem. O lançamento fora um sucesso
e as gravações estavam a todo vapor. Tínhamos a primeira entrevista com a
imprensa marcada para a semana seguinte.
Teen Vougue. Quem diria? Charlie me mandou uma foto dela toda sorridente ao
lado de um cartaz da série que estava colado na entrada do metrô enquanto eu
estava me preparando para a gravação. Meu celular rodou pelas mãos de todos
naquele estúdio, do elenco às maquiadoras e todos estavam extremamente animados
com tudo o que estava acontecendo. Tudo estava dando tão certo na minha vida
que eu acreditava que caso jogasse na loteria, ganharia sozinha. Por isso mesmo
fiz um jogo enquanto voltava do mercado, uns dias depois.
Naquela noite Josh convidara Joseph e Isabella para o
jantar. Joseph estudou Administração com Josh na faculdade, que acabou
conseguindo um estágio para o colega na empresa do pai e os dois trabalhavam juntos
desde então. Na verdade o pai de Josh não era dono da empresa, e a empresa não
era literalmente uma empresa. Margareth, tia de Josh era estilista e o pai era
o responsável por carregar a marca. Tia Margareth (como Josh dizia) vinha com
os modelitos e o pai dele e todos os milhares de funcionários espalhados pelo
mundo cuidavam de todo o resto. Isabella, namorada de Joseph era uma garota de
longos cabelos loiros e olhos azuis grandes como bolas de tênis com quem havia
conversado bastante durante a festa de aniversário de Josh, quase seis meses
antes.
A noite estava sendo maravilhosa. O casal era extremamente
divertido, Josh havia se superado naquela lasanha vegetariana, David Bowie
cantava no vinil que rodava calmo na sala. Tudo estava perfeito até depois da
sobremesa, quando Joseph depois de me ajudar a levar as louças sujas até a pia,
me disse:
- E aí Ally, já tá treinando seu sotaque britânico?
Eu não entendi onde Joe estava tentando chegar com aquela
pergunta, apesar dela ser bem direta na verdade. Vi Josh congelar do outro lado
da cozinha e Isabella ficar mais branca do que cal.
- Você vai visitar o Josh não vai? – Joe dizia num tom
risonho sem nem perceber a expressão de todos ao seu redor.
- Como assi... – E antes que eu pudesse completar a frase,
olhando para o rapaz petrificado do outro lado do cômodo a outra garota
interrompeu dizendo um “agora não é hora pra isso amor”, e dando um tapinha em
suas costas como se o repreendesse. Por sorte o casal já estava de partida
porque tudo ficou bastante constrangedor depois daquilo. Fiquei sentada em um dos banquinhos vermelhos
da cozinha enquanto via o rapaz se despedindo dos amigos na porta e juro que
consegui ouvir Joe dizendo um “Desculpa cara, eu achava que ela sabia”. Eu
claramente estava perdendo alguma coisa.
Josh voltou para cozinha sem levantar os olhos de seus pés e
parou ao meu lado se apoiando na bancada de pedra. Ninguém disse nada por um
período que me pareceu longo demais. Me sentia como se estivesse numa aeronave
sendo pressurizada. Aquele mal estar.
- Me desculpa. – Ele disse finalmente. – Por não ter sido
honesto com você.
- O que tá acontecendo Joshua? – Meu coração batia tão forte
que eu conseguia ouvi-lo nos meus ouvidos. Ele não disse mais nada. – ME RESPONDE
JOSHUA, O QUE TÁ ACONTECENDO AQUI? – Eu não sabia explicar o porque mas estava
a um milímetro de começar a chorar. O peito pesado.
- Eu vou pra Londres. Em uma semana.
E tudo desabou. Naquele momento eu juro que parei de
respirar. Senti meu corpo afundando naquele banquinho como se me tacassem um
bloco de concreto na cabeça. Mal conseguia juntar as palavras pra falar.
- O-Oque? – Perguntei quase num suspiro. Londres. Outra
cidade. Outro país. Outro continente.
- Eu preciso. O cara que tava gerenciando a empresa lá tá se
aposentando e minha tia disse que queria que eu assumisse o cargo. Isso é
enorme Ally, é um passo enorme pra mim. – Ele dizia sem me olhar. Eu não sabia
se dava um tapa na cara dele, se saía correndo, se chorava ou se exigia uma
explicação. Tudo era confuso demais. Uma semana para que ele partisse do país e
ele não me dissera absolutamente nada sobre aquilo. Aquele apartamento inteiro
rodava e eu só queria que tudo fosse mentira.
- Há quanto tempo – Precisei pegar fôlego para continuar a
frase – você sabe disso?
- Foi antes de te conhecer. Dois dias antes. Meu pai me
chamou na sala dele e minha tia estava lá e ela me disse o quanto isso era
incrível e quanto eu merecia aquilo e meu pai me abraçou e me disse que estava
orgulhoso de mim e estava tudo certo até que você apareceu. – Sua voz começou a
ficar embargada ao mesmo tempo em que eu sentia meus olhos se inundando em
lágrimas. Eu não queria chorar na frente dele. – Foi por isso que te disse
aquela vez que eu queria ter te conhecido antes, Ally. – Senti seus olhos
pousados em mim pela primeira vez desde que começara a falar mas me recusei a
olha-lo. Não com os olhos cheios de lágrimas.
- Quando você ia me contar? – Meu corpo inteiro doía. Se eu
tivesse perdido uma luta de boxe meus músculos não doeriam tanto.
- Logo. – Logo?
Faltava uma semana, porra. – Tem muito tempo que eu queria te contar mas eu
ainda estava tentando convencer meu pai a encontrar alguém pra me substituir lá,
ou a assumir a de Londres e eu assumiria a daqui mas ele não quer. Eu não sabia
o que fazer Ally. Eu não sei o que
fazer.
- Quanto tempo?
- O quanto for necessário. Talvez um ano. Ou mais. Ou menos.
Eu realmente não sei.
Eu não tinha o que dizer. Eu não sabia o que dizer. As
lágrimas não paravam de rolar e eu não conseguia respirar e tudo estava errado.
Ficamos em silêncio por outro longo período de tempo e isso doía porque apesar
de tudo eu queria ouvir a voz dele, e só de pensar que eu não o teria por perto
fazia meu coração se partir em milhares de partes.
- Você me odeia? – Me perguntou parando na minha frente e
tentando afastar minha franja com a ponta dos dedos. Eu queria odiá-lo, ah como
eu queria, naquela hora mais do que em qualquer momento, mas de alguma forma eu
simplesmente não conseguia. Tudo o que eu fazia era imaginar como seria ficar
longe daquele rapaz idiota por quem eu era perdidamente apaixonada e chorar
como uma criança.
- Eu não conseguiria nem se tentasse.
E eu acabei não ganhando na loteria.
***
A semana passou rápido demais para minha tristeza. Eu tentei
passar o máximo de tempo que era possível com ele mas as filmagens me tomavam
boa parte do dia. Antes de tomarmos nosso rumo ao aeroporto, Josh passou no meu
apartamento para se despedir de Charlote. “Vou sentir sua falta seu babacão”
ela disse tentando envolve-lo com os bracinhos dela “É bom que você me traga um
guarda-roupa completo novinho quando voltar ou eu não te deixo chegar perto da
minha Ally.”
Ele dirigia devagar, como se tentasse prolongar qualquer
tempo que tivéssemos juntos, mesmo que esse fosse uma viagem até o aeroporto. O
rádio estava tocando mas eu nem estava ouvindo, só sabia que se tratava de Jake
Bugg porque eu mesma havia colocado o cd mais cedo. Eu só queria que me
acordassem daquele pesadelo. Josh estacionou o carro próximo à uma das portas
de entrada e saltou para abrir a porta do meu lado do carro. Estava levando
duas malas não muito grandes, seu pai despacharia o que mais fosse necessário
depois.
Já no saguão eu não conseguia me soltar dele. Meus braços pareciam
estar grudados ao suéter que ele vestia. Mesmo que meu coração estivesse em
cacos, não conseguia derramar uma lágrima sequer. Imaginei que talvez tivesse
me desidratado ao longo daquela semana. Sentia o queixo de Josh no topo da
minha cabeça e seus braços me apertavam tanto quanto naquele Domingo em que o
vira chorar. Dezenas de pessoas passavam por nós a cada minuto mas parecia que
estávamos só os dois naquele lugar. Ninguém falava nada. Eu conseguia ouvir seu
coração batendo e sentia o aroma de amaciante com seu perfume amadeirado e o
cheiro de cigarro. Fechei os olhos tentando gravar aquele aroma para sempre na
minha memória. Só Deus sabia quando eu poderia abraça-lo de novo.
Enfim chamaram seu voo no auto falante. “Embarque imediato”, a voz dizia. Eu só queria que me acordassem
daquele pesadelo. Nenhum dos dois queria se soltar, por mais que fosse
necessário.
- Eu te amo tanto. – Josh sussurrou ao meu ouvido, ainda me
apertando contra seu peito. Como se ainda fosse possível, senti meu coração se
partindo mais uma vez, esmagando os cacos e pedaços ainda menores.
- Eu te amo mais. – Disse no mesmo tom. Era como se estivéssemos
presos dentro de uma bolha, apesar de todo o barulho daquele lugar a voz dele
era tudo o que eu ouvia. Era tudo o que eu queria ouvir pra sempre.
- Eu te ligo quando chegar. – E começou a me soltar. “Embarque imediato”, a voz rompeu nossa
bolha, nos trazendo de volta ao mundo real. – Eu te amo mais do que tudo. –
Joshua me beijou como nunca havia feito antes mas tudo me deixava um gosto
amargo na boca e seu toque me machucava, até que me soltou de vez. E foi em
direção à sala de embarque. E acenou para mim quando parou à porta.
O carro tinha o seu cheiro. Aquela maldita mistura de
perfume, amaciante e Marlboro Lights. Vesti o sinto de segurança e deu a
partida. Reconheci que “Someplace” soava dos auto falantes do automóvel. “Don’t go away. I need you to stay.”
Cheirei minha camiseta. Tinha o mesmo aroma do carro. Cheiro de casa. Cheiro de
Josh. E eu me lembrei que o dia seguinte era um Sábado. O primeiro Sábado que não
o veria em meses. “And I’ll be down on my
knees, begging you. Begging you don’t, I love you.” E se fosse possível,
senti os cacos do meu coração virarem pó ao mesmo tempo que voltei a chorar.
Chorei como nunca havia chorado antes. Chorei todo o caminho de volta.
Por Mariana J.
n/a: 1- E depois de muito tempo, aqui está a quarta parte da história do meu casal favorito, mas espera que ainda tem mais. 2- Pra não fugir pra tradição, aqui está a música título do conto. Espero que gostem.
O céu mudando suas cores e as árvores totalmente sem folhas
formavam o cartão postal ideal. Uma transição de rosa para azul pintava o céu
inteiro com maestria, enquanto à pouca luz da rodovia as árvores sem folhas
pareciam feitas de papel. A garota abraçava os próprios joelhos enquanto
observava o anoitecer sentada no banco traseiro do carro. Seus pensamentos
flutuando na mesma velocidade em que tudo dentro e fora do automóvel escurecia.
Lembrou-se daquela tarde em que andava
apressada pelo centro da cidade. As mãos guardadas nos bolsos do casaco
vermelho escuro, os pés rápidos sobre a calçada, a ponta de seu nariz e o topo
das maças de seu rosto rosadas pelo atrito com o vento frio. Quando se pôs a
aguardar que os carros parassem no semáforo vermelho foi que o viu, do outro
lado da rua. Vestia uma calça caqui, uma camisa xadrez e um pesado casaco por
cima como todo mundo naquele dia. Mesmo com o excesso de roupas dava pra saber
que tinha um ótimo físico. Um pouco de cabelo loiro escuro saia da touca cinza
e lhe cobria a testa. Quando passou pelo rapaz que vinha na direção contrária
nem ao menos conseguiu desviar o olhar. Nunca tinha visto olhos azuis tão bonitos
antes. Foi por segundos, mas ele também a observou com os olhos atentos e um
sorriso enorme no rosto. E passou. E sumiu na multidão.
E ele era belo, de fato, mas nada nele havia chamado tanto a
atenção da garota quanto o seu sorriso. Largo, dentes claríssimos, os lábios
bem desenhados. Um sorriso que conseguiria iluminar qualquer lugar e melhorar o
dia de alguém. Um sorriso que parecia muito com um outro que conhecera anos
antes. Felipe era o extremo oposto de quem vira na rua. Tinha a pele mais
morena, os olhos tão escuros quanto seus cabelos, não era tão forte quanto o
outro, mas o sorriso... Ah, o de Felipe era ainda mais bonito. Luiza e Felipe se
conheceram em um bar por intermédio de João, um amigo em comum com quem ele fazia
aulas de teatro desde a época do colégio. Ele chegou bem depois do horário
combinado vestindo camisa e calça social, finalizada com uma gravata preta
estreita e gel nos cabelos que precisavam ser cortados.
“Eu tava em um casamento cara, desculpa a demora” se explicou enquanto
cumprimentava João e sua namorada, Laís. “Parece
que eu não conheço todo mundo nessa rodinha hoje” disse cutucando o amigo
com o cotovelo, sem tirar os olhos de Luiza. Depois que foram devidamente
apresentados, o rapaz não saia de seu lado por nada, apenas para ir até o
balcão pegar algo para beber. “Quer uma
cerveja? Dose? Caipirinha? Eu pego pra você.” Disse passando uma das mãos
nos cabelos muito longos e loiros da garota que respondeu: “Eu aceito uma água” “Água? Mesmo?” “Sim, eu não bebo” ela ria da
expressão incrédula do rapaz. “Porra...
Porque?” ele perguntava enquanto virava seu corpo na direção do bar. “Eu só não vejo a necessidade de beber pra
me divertir.”, Luiza respondeu em tom de riso. Era sempre assim. “Você é uma QUA-DRA-DA ok? Já trago a sua
água.” Felipe respondeu sorrindo e se afastando de onde estavam antes.
Mais tarde o rapaz saia do banheiro masculino com os cabelos
desarrumados propositadamente, tentando sem nenhum êxito dobrar as mangas da
camisa que vestia até a altura dos cotovelos. “Lu, me dá uma ajudinha aqui?” perguntava com aquele sorriso divino
nos lábios enquanto pegava a garrafa de cerveja pela metade que havia deixado
com João. Luiza desabotoou os pulsos da camisa e começou a dobrá-las, sentindo
os olhos do rapaz rastreando cada ponto do seu corpo. “Espera aí, vou arrumar a gola. Essa gravata tá séria demais assim.”
Completou antes de lançar as mãos ao pescoço do moço e abrir os dois primeiros
botões do colarinho da camisa cinza, e puxar a gravata alguns centímetros para
baixo. Quando voltou a olha-lo, Felipe acabara de tomar um gole grande de
cerveja direto da garrafa e iluminava o bar na penumbra com seu sorriso. “Obrigado” completou passando a mão
livre nos cabelos bagunçados.
A banda tocava “I should’ve known better” dos Beatles e
Luiza cantava cada palavra como se a música estivesse gravada em si. Felipe por
outro lado cantarolava uma outra música, enquanto batia os pés no chão grudento
de bebida do lugar. “Você sabia que essa
música tem uma versão em português? Não é exatamente uma versão já que agora eu
vejo que as letras não tem nada a ver. É ‘Renato e seus Blue Caps’ mas é legal”
O rapaz falava ao ouvido da garota, tentando abafar todo o som do ambiente
lotado. “Menina linda eu te adoro.
Menina pura como a flor” ele cantarolava ao mesmo tempo que
ela cantava: “That when I tell you that I love you, oh, you're gonna say you love me too”.
Eles
eram extremo opostos em tudo. Ela era tão branca que nem se passasse uma semana
tomando sol direto, não conseguiria ter o tom moreno da pele de Felipe. Ele era
extrovertido, do tipo que tira milhões de fotos com os amigos, fazendo careta
em todas elas (o que de fato aconteceu naquela noite) e ela sempre fora mais
reservada. Ela era louca pelo quarteto de Liverpool, ele era viciado pelos
Stones. Ela cursava humanas, ele era da área de exatas. Ainda assim os dois se
entendiam de um jeito quase improvável.
Era
o intervalo do show e Laís e Luiza foram até o balcão pedir mais bebidas para o
grupo em que estavam. “E aí Lu, gostou do
Fê?” a garota muito alta e de cabelo Chanel perguntava enquanto esperava
sua caipirinha de saquê e morango. “Aham,
ele parece ser muito legal” disse cruzando olhares com o rapaz que a
esperava perto do palco baixo. Felipe conversava com João, encostado em uma das
enormes caixas de som. Felipe sorriu. Luiza sorriu. Laís lhe deu um cutucão na
costela e uma olhadela de quem sabia o que ia acontecer. Ela sempre sabia.
Voltaram
ao palco carregando um balde cheio de gelo e seis garrafas de cerveja bem a
tempo dos integrantes da banda voltarem aos seus devidos lugares. Quando os
primeiros acordes de “And I love her” começaram a soar, as garotas se
entreolharam e no outro segundo já estavam abraçadas fingindo chorar. “Olha aqui, se você não se importa Lu eu vou
roubar a minha namorada pra dançar um pouco ok?” João disse mais para
Felipe do que para Luiza, propriamente. Foi questão de segundos até que o
garoto a puxasse para dançar também. As mãos dele na cintura dela. As mãos dela
ao redor do pescoço dele. E era como se o resto do mundo tivesse parado por um
instante. “Eu posso te roubar um beijo?”
ele perguntou encostando seu nariz ao dela, seus olhos escuros perto demais dos
verdes de Luiza. “Se me pedir não é
roubado” ela disse segundos antes que
ele avançasse sobre seus lábios. Ficaram um nos braços do outro até o dia
começar a raiar e não haver como prolongar mais aquilo. “Eu vou estar apresentando uma peça amanhã às 19. Laís sabe onde é. Ia
amar te ver lá.” Felipe dizia ainda com as suas mãos puxando o corpo da
garota para si, mesmo sabendo que era hora de partir. “Eu vou tentar ir”. E se despediram com um último beijo.
Luiza
tinha um compromisso de família do dia seguinte. Felipe não a viu na peça.
Nunca mais se encontraram no bar, nem em festas. Se viram por segundos em
pequenas apresentações de teatro mas nunca trocaram nada além de sorrisos
carregados de saudade daquela noite. As vezes a vida funciona assim. E dentro
daquele carro escuro Luiza imaginava se algo seria diferente hoje caso tivesse
ido à apresentação de Felipe. Mesmo com o peito pesado de saudades, a garota
respirou fundo e deixou que tudo o que pensava deixasse seu corpo junto ao ar
que expirava pelos lábios. Então soube que aquela noite ficara guardada para
sempre em sua memória e em seu coração e simplesmente seguiu em frente. Assim
como Felipe.
Eu não sei o que está acontecendo comigo, Laura. Eu
realmente não sei. Sei que meses atrás disse a mim mesmo que você não estava
mais dentro de mim, eu sentia isso, eu sabia. Agora eu não tenho mais certeza.
Passei horas acordado na madrugada passada, olhando o teto baixo do meu quarto
e pensando em tudo o que você disse. Que está em Paris, que conheceu um cara (e
riu quando perguntei se ele se chamava Pierre; Não seu bobo, é Jerome) e que estava gostando tanto da cidade que
pretendia ficar mais. Quem sabe eu até
não fique por aqui mesmo, me disse. Mas e a sua família? E a faculdade? E o
seu trabalho? Me explicou que tinha encontrado uma academia de artes incrível,
que tinha um curso de fotografia para iniciantes que começava dentro de duas
semanas – no qual já estava inscrita, claro – e que ficaria em uma pensão
antiga no centro enquanto juntava dinheiro pra um apartamento pequeno.
Senti o peito pesar até quase colar às costas. Então é
assim? Nunca mais te verei? Nunca mais vou ouvir a buzina do seu carro me
avisando que já estava me esperando na entrada? Nunca mais sentirei seus braços
finos ao redor do meu corpo? As mãos delicadamente afagando minhas costas
daquele jeito que você, e apenas você, consegue? Ah Laura, você já é
crescidinha demais para que alguém tente te domar – até que na verdade domada é
algo que você nunca foi. Sempre tive inveja desse seu espírito livre, quase
como um pássaro. Nunca se deixou prender, nem por lugares e muito menos por
pessoas. Vê? Aí está a nossa maior diferença. Eu me prendo, demais se quer
saber, a tudo. E me prendi a você, mesmo que sem querer. E no momento eu me
arrependo disso.
Me lembro de quando te conheci como se fosse ontem. O calor
infernal do verão, estávamos na nossa formação inicial – Pedro, Anna, Thiago,
Melina, Giovanna e eu – sedentos por algo que nos refrescasse quando a
campainha da casa de Melina tocou.
Galera, a Laura chegou. Ela é minha prima... Na verdade não, meu tio se casou
com a mãe dela e tal. Eles se mudaram pra cá tem uns dias, sejam legais ok?
Ela nos dizia enquanto íamos em bando até o portão. No exato segundo em que
botei meus olhos em você eu soube que isso não daria nada certo. Sua calça
jeans justa ao corpo, a regata verde escuro, a pele tão clara quanto a minha,
os olhos escuros, o cabelo liso na altura dos ombros. E o sorriso. Aquele
sorriso. Laura, prazer em te conhecer,
disse ignorando a minha mão esticada e passando os braços magrelos a minha
volta. Seus dedos brincando no tecido xadrez esticado nas minhas costas. Eu
sentia que poderia ficar daquele jeito pra sempre. E era assim que eu me sentia
toda vez que você me abraçava, como se eu pudesse fazer dos teus braços a minha
moradia. Sempre como se fosse a primeira vez.
Eu fiquei tempo demais no banho hoje, sentado no azulejo
frio, relembrando nossos momentos juntos e pensando em como eu vou sentir a sua
falta. Em como eu já sinto a sua falta. Eu
decidi fazer um mochilão pela Europa, vou com a minha cara de pau, o dinheiro
que tenho economizado e seja o que Deus quiser, você me disse um dia antes
de partir em sua viagem. Laura sendo Laura. Sem planos, sem amarras, sem
problemas. Faculdade? Tranque. Família? Eles te conhecem bem demais. Trabalho?
Pedir demissão, fácil assim. Mas e quanto a mim? É ingênuo e infantil falar
assim mas você não pensou em mim nem em ninguém, mas também porque deveria?
Nada nunca te prendeu, porque eu te prenderia? Mas você poderia ter ao menos me
dito tchau, porra.
Ainda me lembro das noites em que íamos todos os sete,
esmagados como sardinhas dentro do seu carro de duas portas, procurando um bar
nessa cidade ridícula em que jovens não tem nada melhor do que beber pra fazer
o fim de semana passar. Lembro do dia em
que você vestiu minha antiga jaqueta de couro, e apesar dela ser grande demais
pro seu corpo você me disse que ela ficara perfeita. Ela tem seu cheiro Nicolas. Eu gosto. Lembro daquela noite fria, a
mesa cheia de copos, as risadas altas e a música ambiente que você cantava
junto. Não me lembro de te querer pra mim tanto quanto naquele dia. Cara, você tá com a maior cara de apaixonado - Thiago falou acertando uma bolinha de papel do outro lado da mesa - Não é verdade Pedro? Esse babaca aí foi
abatido, continuou. Todos riam, inclusive eu mesmo. Olhei pra ti
envergonhado e você desviou o olhar para um quadro do The Who pendurado na
parede, antes de voltar a me olhar com um sorriso milimetricamente desenhado
para me dizer um “eu sei” mudo. Acredito que você nunca ao menos desconfiou da
minha idolatria que venho nutrindo desde os nossos 16 anos, mas gosto de
imaginar que aquele sorriso significou o que eu achei que significava naquela
hora.
Juro que estou tentando me acostumar com a sua ausência, mas
é muito mais difícil do que eu imaginava. É como se tudo a minha volta te
lembrasse um pouquinho de ti e isso está me pesando os ombros, me afundando de
pouco em pouco. Eu quero te encontrar naquele bar que nós costumávamos ir,
bebendo cerveja direto da garrafa e misturando com doses de tequila. Quero te
ouvir reclamar que as minhas unhas estão grandes demais e que eu sempre pulo sua
música favorita do CD – mesmo que eu faça isso de propósito, admito. Eu quero
que você se apoie no meu braço quando vemos um filme qualquer no chão da sua
sala. Eu preciso ouvir a sua risada ecoando no meu apartamento. Eu quero te
indicar milhões de álbuns de bandas que você nunca ouviu falar e escutar tudo o
que você tem a falar sobre as faixas, já que você entende bem mais da parte
técnica do que eu. Eu quero ter de novo aquela sensação de poder morar nos teus
braços.
Você vai fazer o que achar melhor com a sua vida e eu vou
seguir a minha. E quem sabe em um futuro distante, nós nos encontremos de novo
em uma festa naquela casa em que nos conhecemos e tudo vai parecer como se
fosse a primeira vez. E o seu sorriso vai voltar a iluminar tudo à sua volta
como sempre fez. Talvez no fim da festa quando já tivermos bebido mais taças de
vinho do que seria aconselhável, eu te diga o quanto eu te quis por tantos
anos, como meu coração saltava no peito só de pensar em te encontrar e em como a
sua partida me deixou desolado por dias. Eu poderia ter te contado isso, seria
o melhor a fazer na verdade, mas eu nunca tive a coragem pra tal. Preferi
guardar todos esses meus sentimentos no fundo das minhas gavetas bagunçadas e
decidi que jamais falaria sobre eles a ninguém, muito menos a você. Você nunca
se despediu de mim, mas acho que essas palavras sejam um adeus justo mesmo que
eu esteja sentindo meu coração em queda livre e meus olhos inundados em
lágrimas. Ah Laura, eu sinto tanto a sua falta. Espero que você sinta a minha.