domingo, 6 de julho de 2014

O início, o meio e o fim.

Eu não sei o que está acontecendo comigo, Laura. Eu realmente não sei. Sei que meses atrás disse a mim mesmo que você não estava mais dentro de mim, eu sentia isso, eu sabia. Agora eu não tenho mais certeza. Passei horas acordado na madrugada passada, olhando o teto baixo do meu quarto e pensando em tudo o que você disse. Que está em Paris, que conheceu um cara (e riu quando perguntei se ele se chamava Pierre; Não seu bobo, é Jerome) e que estava gostando tanto da cidade que pretendia ficar mais. Quem sabe eu até não fique por aqui mesmo, me disse. Mas e a sua família? E a faculdade? E o seu trabalho? Me explicou que tinha encontrado uma academia de artes incrível, que tinha um curso de fotografia para iniciantes que começava dentro de duas semanas – no qual já estava inscrita, claro – e que ficaria em uma pensão antiga no centro enquanto juntava dinheiro pra um apartamento pequeno.
Senti o peito pesar até quase colar às costas. Então é assim? Nunca mais te verei? Nunca mais vou ouvir a buzina do seu carro me avisando que já estava me esperando na entrada? Nunca mais sentirei seus braços finos ao redor do meu corpo? As mãos delicadamente afagando minhas costas daquele jeito que você, e apenas você, consegue? Ah Laura, você já é crescidinha demais para que alguém tente te domar – até que na verdade domada é algo que você nunca foi. Sempre tive inveja desse seu espírito livre, quase como um pássaro. Nunca se deixou prender, nem por lugares e muito menos por pessoas. Vê? Aí está a nossa maior diferença. Eu me prendo, demais se quer saber, a tudo. E me prendi a você, mesmo que sem querer. E no momento eu me arrependo disso.
Me lembro de quando te conheci como se fosse ontem. O calor infernal do verão, estávamos na nossa formação inicial – Pedro, Anna, Thiago, Melina, Giovanna e eu – sedentos por algo que nos refrescasse quando a campainha da casa de Melina tocou. Galera, a Laura chegou. Ela é minha prima... Na verdade não, meu tio se casou com a mãe dela e tal. Eles se mudaram pra cá tem uns dias, sejam legais ok? Ela nos dizia enquanto íamos em bando até o portão. No exato segundo em que botei meus olhos em você eu soube que isso não daria nada certo. Sua calça jeans justa ao corpo, a regata verde escuro, a pele tão clara quanto a minha, os olhos escuros, o cabelo liso na altura dos ombros. E o sorriso. Aquele sorriso. Laura, prazer em te conhecer, disse ignorando a minha mão esticada e passando os braços magrelos a minha volta. Seus dedos brincando no tecido xadrez esticado nas minhas costas. Eu sentia que poderia ficar daquele jeito pra sempre. E era assim que eu me sentia toda vez que você me abraçava, como se eu pudesse fazer dos teus braços a minha moradia. Sempre como se fosse a primeira vez.
Eu fiquei tempo demais no banho hoje, sentado no azulejo frio, relembrando nossos momentos juntos e pensando em como eu vou sentir a sua falta. Em como eu já sinto a sua falta. Eu decidi fazer um mochilão pela Europa, vou com a minha cara de pau, o dinheiro que tenho economizado e seja o que Deus quiser, você me disse um dia antes de partir em sua viagem. Laura sendo Laura. Sem planos, sem amarras, sem problemas. Faculdade? Tranque. Família? Eles te conhecem bem demais. Trabalho? Pedir demissão, fácil assim. Mas e quanto a mim? É ingênuo e infantil falar assim mas você não pensou em mim nem em ninguém, mas também porque deveria? Nada nunca te prendeu, porque eu te prenderia? Mas você poderia ter ao menos me dito tchau, porra.
Ainda me lembro das noites em que íamos todos os sete, esmagados como sardinhas dentro do seu carro de duas portas, procurando um bar nessa cidade ridícula em que jovens não tem nada melhor do que beber pra fazer o fim de semana passar.  Lembro do dia em que você vestiu minha antiga jaqueta de couro, e apesar dela ser grande demais pro seu corpo você me disse que ela ficara perfeita. Ela tem seu cheiro Nicolas. Eu gosto. Lembro daquela noite fria, a mesa cheia de copos, as risadas altas e a música ambiente que você cantava junto. Não me lembro de te querer pra mim tanto quanto naquele dia. Cara, você tá com a maior cara de apaixonado - Thiago falou acertando uma bolinha de papel do outro lado da mesa - Não é verdade Pedro? Esse babaca aí foi abatido, continuou. Todos riam, inclusive eu mesmo. Olhei pra ti envergonhado e você desviou o olhar para um quadro do The Who pendurado na parede, antes de voltar a me olhar com um sorriso milimetricamente desenhado para me dizer um “eu sei” mudo. Acredito que você nunca ao menos desconfiou da minha idolatria que venho nutrindo desde os nossos 16 anos, mas gosto de imaginar que aquele sorriso significou o que eu achei que significava naquela hora.
Juro que estou tentando me acostumar com a sua ausência, mas é muito mais difícil do que eu imaginava. É como se tudo a minha volta te lembrasse um pouquinho de ti e isso está me pesando os ombros, me afundando de pouco em pouco. Eu quero te encontrar naquele bar que nós costumávamos ir, bebendo cerveja direto da garrafa e misturando com doses de tequila. Quero te ouvir reclamar que as minhas unhas estão grandes demais e que eu sempre pulo sua música favorita do CD – mesmo que eu faça isso de propósito, admito. Eu quero que você se apoie no meu braço quando vemos um filme qualquer no chão da sua sala. Eu preciso ouvir a sua risada ecoando no meu apartamento. Eu quero te indicar milhões de álbuns de bandas que você nunca ouviu falar e escutar tudo o que você tem a falar sobre as faixas, já que você entende bem mais da parte técnica do que eu. Eu quero ter de novo aquela sensação de poder morar nos teus braços.

Você vai fazer o que achar melhor com a sua vida e eu vou seguir a minha. E quem sabe em um futuro distante, nós nos encontremos de novo em uma festa naquela casa em que nos conhecemos e tudo vai parecer como se fosse a primeira vez. E o seu sorriso vai voltar a iluminar tudo à sua volta como sempre fez. Talvez no fim da festa quando já tivermos bebido mais taças de vinho do que seria aconselhável, eu te diga o quanto eu te quis por tantos anos, como meu coração saltava no peito só de pensar em te encontrar e em como a sua partida me deixou desolado por dias. Eu poderia ter te contado isso, seria o melhor a fazer na verdade, mas eu nunca tive a coragem pra tal. Preferi guardar todos esses meus sentimentos no fundo das minhas gavetas bagunçadas e decidi que jamais falaria sobre eles a ninguém, muito menos a você. Você nunca se despediu de mim, mas acho que essas palavras sejam um adeus justo mesmo que eu esteja sentindo meu coração em queda livre e meus olhos inundados em lágrimas. Ah Laura, eu sinto tanto a sua falta. Espero que você sinta a minha. 

Por Mariana J. 

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