quarta-feira, 30 de abril de 2014

I'll be home for next year

Estou a um segundo de sentir sua falta de novo.
E eu me encolho dentro do meu moletom surrado, não pra me aquecer, mas porque o calor desse tecido me lembra o seu abraço e o quão confortável seria te ter aqui.
Coloco uma música pra tocar. Aquela música. Daquela banda que você falava o tempo todo que era a sua favorita. Aquela mesma banda que você surtou comigo por meses porque o show estava chegando e você estaria lá, gritando cada palavra.  É ingênuo e até um pouco infantil admitir, mas eu me agarro a cada canção que você deixou pois assim parece que você nunca partiu. Me leve para onde você está.
Então eu cubro parte do meu rosto com a gola do meu moletom e inspiro fundo antes de sorrir um sorriso triste. Ainda que seu aroma não esteja mais lá ele ainda está gravado em mim, e se eu me esforçar um pouco, tudo cheira a você. Tudo tem aquele aroma amadeirado.
E eu ainda me lembro de todas as palavras que um dia você me disse. Lembro de cada promessa, de cada piada, de cada mentira, de cada declaração, de cada briga e cada pedido de desculpa. Me lembro do momento em que acreditei que era o fim e do dia em que você me disse que não conseguiria viver sem mim. E tudo parece tão real, tão recente.  Eu não vou esquecer.
Por um segundo eu consigo sentir seus dedos passeando por  meus cabelos. Sinto seu rosto afundado no meu pescoço e a ponta gelada do seu nariz em minha pele, me fazendo arrepiar. Seu braço pendendo sobre meu quadril enquanto seus dedos brincando com um pedaço da barra do meu moletom. Escuto sua respiração no meu ouvido e a vibração do seu coração batendo de encontro com as minhas costas. Sinto seus pés se entrelaçando aos meus por debaixo do meu cobertor florido e ouço a seu riso baixo. Te sinto mesmo que nunca tenha estado aqui.
As vezes a saudade é tamanha que chega a transbordar.
A saudade tem nome, tem sobrenome. Tem cidade natal, tem sotaque de um estado do sudeste. Queria estudar História mas foi para a área de exatas por pressão. A saudade bebe demais e tem o verde como cor favorita. Viaja com frequência e fuma mais cigarros do que deveria pela falta de saúde. A saudade gosta de sorvete de limão e ouve muita música indie. A saudade tem tatuagens e olhos castanhos. A saudade disse que não iria me deixar.

E foi ficando.

Até que ficou.

Por Mariana J.  

sábado, 26 de abril de 2014

Eu não vou deixar você voltar sozinho

Gabriel estava sentado em frente ao computador com a tela desligada enquanto tentava em vão se concentrar no livro de história. Mesmo com o prazo de entrega do trabalho sobre Esparta se aproximando não havia nada no mundo que conseguisse fazer com que o garoto passasse da primeira frase no topo da página.  “Os guerreiros espartanos...” e de repente a única coisa em que ele conseguia pensar era no quase inaudível som das pontas dos dedos de Léo passando sobre o texto escrito em braile. A respiração baixa do garoto. A canção distante de um pássaro qualquer. Foi então que ele desistiu de tentar. “Foda-se” pensou.
Afastou o livro alguns centímetros para o lado e assim deixou seu rosto pender sobre a mão gelada. Existia algo em Léo que o deixava assim. Mãos geladas, o coração acelerado, aquela sensação de que poderia fazer qualquer coisa no mundo para protegê-lo. Gabriel adorava poder observar o outro garoto mesmo sabendo que nunca seria pego por ele com os olhos deliciados. “Por que você tá me olhando assim Gabriel?” imaginou o amigo falando com aquele tom risonho de sempre. Tudo o que Léo não conseguia expressar pelo olhar ele conseguia, de alguma forma, expressar com os lábios e essa era uma das coisas que ele mais gostava no colega de sala.
Queria poder se aproximar, tocar seus cabelos castanhos, sentir a textura de cada fio. Ter o rosto do rapaz em suas mãos para que seus dedos o decorassem da mesma forma que os de Léo decoraram o alfabeto braile. Sentir o seu perfume misturado com o cheiro de roupa recém lavada, aquele aroma confortável que fazia com que seus pulmões se sentissem em casa a cada vez que inspirava. Ter os dedos de Leonardo entrelaçados nos seus ao invés de apenas tocando seu braço enquanto o guiava de volta para casa depois de um dia no colégio.
E se Léo enxergasse? Será que ele o acharia tão atraente quanto as garotas do colégio diziam que ele era? Será que ele não acharia os cabelos do garoto volumosos demais? Ou os olhos demasiadamente grandes?  Magro demais? Talvez devesse malhar mais... Ou quem sabe, voltar para a natação.  Seria Gabriel alto demais para ele? Tudo o que ele sabia era que o garoto em sua frente era simplesmente perfeito em todos os sentidos. Bonito, engraçado, inteligente, um ótimo amigo, corajoso, bondoso com todos, independente na medida do que era possível e  mesmo que tímido tinha sempre um sorriso enorme iluminando todo lugar em que chegava. Ah como ele queria poder ficar daquele jeito para sempre... Apenas observando-o e admirando cada traço do garoto. 
Subitamente Léo afastou os dedos das páginas do livro sobre seu colo fazendo com que Gabriel tomasse um susto que o fez sorrir sozinho. Era como se de alguma forma o amigo soubesse que estava sendo observado a longos minutos.
- Gabriel? – perguntou em direção ao lugar onde o garoto estava sentado com o rosto preocupado.
- Oi Léo – com a resposta o primeiro garoto automaticamente voltou a sorrir e Gabriel não conseguiu evitar de sentir algumas borboletas no estômago como acontecia todas as vezes que via aquele sorriso.
- Ah, achei que você tava dormindo ou sei lá... Tinha me deixado sozinho aqui. – Leonardo disse fechando o livro calmamente. Gabriel respirou fundo tentando acalmar as borboletas que pareciam querer sair por sua garganta de tanto que se debatiam antes de responder:
- Eu nunca vou te deixar sozinho Léo. Pode acreditar.

Por Mariana J.

n/a: Esse texto é na verdade uma fanfic (one shot talvez?) baseada do longa nacional "Hoje eu quero voltar sozinho" que sinceramente se você ainda não viu, deveria. 

terça-feira, 22 de abril de 2014

Carta para minha alma gêmea

Mesmo sem te conhecer eu sei que vou amar a cor dos seus olhos, o comprimento dos seus cabelos, a sua barba ou a falta dela. Vou decorar a forma como você fala e cada pequena ruga que aparece nos cantos dos seus olhos quando sorri.  Vou me apaixonar pelas suas mãos e no modo com que seus dedos brincam com os meus. Eu vou amar as suas imperfeições. Vou amar aquele dente que nasceu torto, os joelhos que você acha que são grandes demais, os dedos que são muito longos, cicatrizes, pintas, sardas ou marcas de nascença e vou liga-las para formar o mapa do meu universo particular em sua pele. Eu vou amar a rouquidão da sua voz quando você desperta pela manhã e sei que esse vai ser o som que vai tomar conta dos meus ouvidos e dos meus pensamentos pelo resto do dia.
Não me pergunte o porquê, mas eu sei.
Eu simplesmente sei.
Sei que você vai ser a minha companhia favorita para quase tudo nesse mundo. Eu vou amar acordar do seu lado, mesmo quando for seis horas da manhã e eu estiver com um mal humor insuportável. Sei que vou roubar as suas camisetas das quais mais gosto e espero que isso não te irrite.  Vou decorar o modo com que gosta de deixar suas coisas arrumadas e o modo que sua voz muda quando tenta me contar uma piada que já sabe que vai ser sem graça. Sei que vou passar horas e mais horas falando sobre as mais diferentes coisas possíveis; dos motivos pelos quais eu prefiro os Beatles aos Stones até onde eu me imagino daqui a 20 anos. Onde eu nos imagino daqui a 20 anos.
Uma vez me disseram que a maioria das pessoas conhece a pessoa com quem vai passar o resto da sua vida até os 16 anos de idade. Isso significa que eu talvez já tenha te conhecido, mas e agora? Onde você está? Será que eu estava tão cega que não pude te enxergar? Será que estou tão preocupada te buscando ao longe que não consigo te ver bem na minha frente? Eu sei que talvez não seja possível que assim que meus olhos pousem nos seus eu saiba que “pronto, eu o encontrei”; mas eu espero que seja fácil de saber. Quero sentir novamente as borboletas no meu estômago e sentir minha face corando só de pensar em você. E quero que você sinta o mesmo por mim.
Quero poder ver seus olhos brilhando enquanto me fala dos seus filmes favoritos e como você se comporta enquanto dorme. Quero saber os pratos dos quais mais gosta e os que odeia e o porque você prefere vinho branco ao tinto. Ou o contrário. Quero saborear do seu gosto musical e adotar algumas das suas músicas favoritas. Quero te mandar uma mensagem no meio da tarde simplesmente porque senti sua falta. Quero fazer morada no seu abraço e ter seu perfume nos meus pulmões. Quero que seus cabelos sejam o playground das minhas mãos e que meus lábios sejam os únicos que pronunciam seu nome com tamanha devoção.
E eu te prometo. Prometo que vou aprender a fazer café do jeito que você gosta, e se não gostar de café te preparo um chá de maçã com canela pra te adoçar o paladar e acalmar o coração. E vou estar do seu lado quando estiver acordado às quatro horas da manhã porque não consegue pegar no sono, mesmo que isso me custe um par de olheiras. Prometo que vou acompanhar o campeonato em que o seu time do coração está participando mesmo que eu não entenda nada de futebol. Mesmo. Te prometo ainda que vou dar nó nas suas gravatas e te ajudar a comprar roupas na última moda mesmo que você não me peça isso. Prometo te segurar junto a mim quando você estiver triste com o que quer que seja e festejar todas as suas conquistas como se fosse réveillon.  Eu prometo – com todo o meu ser - que vou tentar te fazer o homem mais feliz desse mundo inteiro se tiver a chance.  
Eu preciso sentir sua respiração quente no meu pescoço, preciso sentir seu coração pulsante contra o meu. Preciso saber que não importa o quão fria ou nebulosa a vida possa ficar, você sempre estará lá me esperando voltar para casa, pronto pra me receber com um abraço que me veste melhor do que meu suéter favorito e um sorriso tão puro que terminaria guerras. Eu preciso saber que você está por aí e que está me buscando como eu faço. Continue me procurando, por favor, eu posso estar bem mais perto do que você imagina.


Por Mariana J.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Tango na corda bamba

Eu estava deitada de costas para o chão com meus olhos vagando o teto branco do quarto abafado na madrugada, sentindo minhas pálpebras pesarem a cada minuto que se passava. Augusto repousava a cabeça cheia de fios longos e cortados assimetricamente sobre o osso saltado do meu quadril. Na posição em que me encontrava conseguia vê-lo soltando uma grande quantidade de fumaça branca e densa por ente os lábios antes de me entregar o cigarro fino e já bem reduzido entre o indicador e polegar ossudos de sua mão. Puxei. Segurei. E fui soltando a fumaça como num suspiro preguiçoso enquanto levava o cigarro de volta a Augusto que puxou só mais uma vez antes de abandona-lo sobre o chão frio. Se a vida de alguns é um eterno Carnaval, bem, a minha seria um tango. Sempre dramática, exagerada, passional, intensa. Antes de conhecer Augusto eu vinha dançando sozinha a muito tempo, tanto que eu ainda estava tentando reaprender os passos que antes eu dançava com outros caras. De olhos fechados deixei que meus dedos se perdessem naquela floresta de fios macios que era seu cabelo. Aquele momento não poderia ser mais perfeito. Nós dois totalmente altos, largados no chão de seu quarto. Eu fazendo um cafuné, ele passando a ponta dos dedos longos por sobre a minha perna direita. Um silêncio confortável enchia o cômodo e tudo o que eu conseguia ouvir era a sua respiração calma em descompasso com alguns carros que passavam na rua.
- Eu sempre gostei muito de cemitérios. – Ele soltou enquanto desenhava espirais no meu joelho.
- O que?
- Eu sempre gostei de cemitérios, sabia? De verdade. Acho fascinante.
- Disserte. – falei sorrindo. Augusto tem essa mania de dizer algumas coisas aleatórias, não necessariamente quando está sobre efeito de drogas.
- Eu sei lá, me sinto confortável, como se eu pudesse ser eu mesmo. Como quando você sabe que não tem ninguém te observando. Bem, talvez tenha algum espírito te observando – de olhos fechados eu conseguia notar pela forma com que sua voz saía que estava com um sorriso largo no rosto e sorri junto – nunca se sabe.
- Aham.
- Teve uma vez – ele disse enquanto se sentava, o que me fez abrir os olhos a tempo de observar seus movimentos- em que eu estava em Buenos Aires, alguns anos atrás. Eu sempre visito o cemitério das cidades em que vou, e sério, o cemitério de lá é muito bonito. E antigo. Antigo pra caralho. – Augusto falava tão calmamente que toda vez que ele abria a boca eu automaticamente queria me aconchegar mais perto só para ouvir sua voz.
- Sendo um cemitério tão antigo – voltou a dizer passando as mãos no cabelo como se tentasse bagunça-lo ainda mais- da pra imaginar a quantidade de túmulos que existe lá. Tem uns enormes, com estátuas belíssimas e dezenas de placas dedicatórias das pessoas que ficaram. Colegas de trabalho. Família. Amigos. Essas coisas.
Tem outros de famílias grandes que são praticamente mausoléus. Lembro de um que tinha mais de 10 caixões diferentes em estantes. Todos enormes, bonitos, bem cuidados, com flores frescas enfeitando. Pela estética do túmulo você consegue imaginar se a pessoa era querida certo? – concordei com a cabeça pra mostrar que estava acompanhando.
Então eu estava sentado em um dos banquinhos de madeira que tinha por lá e fiquei observando os outros turistas que estavam lá e todos – não uma meia dúzia, a grande maioria- parava pra observar e tirar foto dos enormes mausoléus. Ninguém nem olhava para aquelas lápides muito antigas, com o nome e data de falecimento tão desgastados que você mal consegue enxergar. Todo mundo passava direto. Eu parava em todos e ficava imaginando quem eram. As suas histórias, seus sonhos, as vidas que viveram. As pessoas que estão enterradas lá são menos importantes do que aquelas com os túmulos cheios de dedicatórias? E se as famílias não existem mais? E se elas simplesmente não podiam pagar uma sepultura mais elegante?
Eu sei que isso soa meio idiota mas as pessoas não deveriam se preocupar tanto com a estética do maldito tumulo, o morto não vai voltar pra agradecer. Você precisa cuidar do que realmente importa depois que alguém parte: das memórias, das histórias, dos momentos bons e ruins. Aquela lápide apagada, com um punhado de flores secas caídas pode ser de alguém muito mais querido do que aquele antigo chefe de uma empresa multimilionária que tem dezenas de placas de condolência de pessoas que nem se importavam na verdade. – Eu não sei explicar o quão fascinada eu estava por tudo o que ele estava falando. Nem em um milhão de anos eu conseguiria ter aquela linha de pensamento. Augusto cruzava as pernas enquanto se recostava na parede logo na minha frente. A ponta do cigarro pendendo dos dedos tatuados. Um sorriso largado nos lábios finos. Os olhos castanhos com as órbitas levemente avermelhadas.

- Sabe de uma coisa? – ele voltou a se pronunciar – Nós todos estamos na corda bamba. Só é necessário um deslize assim – falou aproximando o dedo indicador do polegar – pra que a gente caia. E não vai ter rede nenhuma lá embaixo pra te segurar, garota. A vida é muito frágil. Eu não sei se eu tenho medo de morrer sabe? Tenho mais medo de ter um túmulo cheio de placas de pessoas dizendo o quanto vão sentir falta de mim sendo que a maior parte delas me julga pelo meu corte de cabelo ou essa argola no meu nariz – disse zombando do seu piercing no septo, o que me fez rir baixo. De alguma forma eu sentia que a minha dança estava começando de novo. Então ele pousou seus olhos sobre os meus, como se procurando um lugar seguro pra descansar e desenhou um sorriso antes de voltar a deliciar meus ouvidos- Estamos na corda bamba. E eu não vou te deixar cair.

Por Mariana J.