sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Take you home.

- Você tem certeza disso Ally? – Charlie me perguntava com o celular em mãos.
- Tenho. – Continuei lavando a louça da noite anterior e me forcei a engolir o choro mais uma vez quando ouvi os passos da minha amiga se afastando da cozinha. “Ei Josh, tudo bem?” ouvi antes que ela fechasse a porta de seu quarto. Não conseguiria falar com ele, pelo menos não em tão pouco tempo, mas também não podia continuar andando pra cima e pra baixo com um carro que era dele. Não era certo, fora que eu tinha crises de choro só de adentrá-lo. Eu tinha dinheiro suficiente para comprar um carro pra mim, e mesmo que a entrega demorasse eu poderia muito bem me virar com um taxi; dirigir uma memória ambulante não era opção.
Depois de alguns minutos Charlotte retornou à cozinha e se sentou na bancada do lado oposto em que eu me encontrava.  “Pronto”, ela falou.  “Ele me disse que vai combinar com o pai dele vir buscar o carro pra você não ter que pagar taxi pra voltar pra casa”. Precisei parar por alguns segundos. Mesmo depois de terminar nosso relacionamento ele ainda se preocupava comigo, a ponto de não me deixar gastar dinheiro a toa. “Aham”, respondi com a voz pesada.  Foi então que senti minha amiga me abraçando por trás, o queixo fino apoiado no meu ombro.
- Tá tudo bem baixinha?
- Vai ficar. – Me soltei de seus braços e forcei um sorriso- Você não ia sair?
- E vou mesmo, ia te convidar pra ir também. Vou comprar algumas coisinhas pra minha fantasia e tal. – Charlie dizia enquanto saia correndo pelo apartamento à procura de sua bolsa – Falando nisso, você já sabe o que vai usar?
- Eu não tenho a menor ideia. O pessoal queria fazer uma fantasia de grupo mas ninguém chegou a conclusão nenhuma.  Acho que vou com você mesmo.
A verdade é que: Louise queria se vestir de Wendy, Ashton e Isaac seriam João e Miguel, Jenny seria a Tinkerbell, Ty seria Peter, e eu uma versão feminina do Capitão Gancho. Mas acabou que Jenny decidiu que queria se vestir de Rainbow (roubando minha primeira – e nada criativa- ideia de fantasia), Isaac seria padrinho de casamento no mesmo dia e o aniversariante Tyler queria usar uma “fantasia surpresa”; o que me levava à estaca zero mais uma vez.
Depois de horas andando pelas ruas de Los Angeles com Charlotte me puxando de loja em loja, voltamos ao nosso apartamento com algumas sacolas de roupa – poucas delas eram parte da fantasia de minha amiga, mas quem está contando? – e diversos potes de glitter. Digamos que a fantasia dela será no mínimo suja.
***
Estava pegando meu último figurino da primeira temporada da série quando bateram de leve na porta do meu camarim. Antes que eu pudesse responder a porta se abriu e um Tyler sorridente entrou na sala carregando nosso café da manhã.
- Bom dia pequena. Um cappuccino canela e um brownie quentinhos para a senhorita. – disse deixando um dos copos e um pacotinho de papel sobre minha mesa de centro.
- Bom dia grandão. – respondi com um beijo em sua bochecha rosada e cheia de sardas- E obrigada pelo café, te pago daqui a pouquinho, vou só me trocar.
- Até quando eu preciso falar que é um presente meu? – Tyler corou quando notou que eu já começara a me trocar em um canto da sala, se virando de costas para mim- Você não tem que pagar nada.
- Você já faz muito por mim Ty, pagar meus cafés é o mínimo que eu posso fazer. E você já pode virar – completei rindo enquanto lhe dava um tapinha nas costas.
Rindo, o ruivo tomou um gole grande do copo de isopor em sua mão e foi se sentar em um dos sofazinhos vermelhos da sala e a cor do estofado fez com que o tom de sua pele me parecesse ainda mais claro.
- E você conseguiu resolver aquele problema? – Ele me perguntava cruzando as longas pernas. Não tocávamos no nome do meu ex namorado desde aquele sábado. Me sentei na cadeira em que costumo estar para a maquiagem e tomei um gole do meu cappuccino antes que pudesse responder.
- Estamos resolvendo. Vou entregar o carro amanhã pro pai dele e acho que vou segunda mesmo atrás de um pra mim. Aliás, se você quiser me acompanhar na saga pra encontrar um carro, está mais do que convidado.
- Eu não entendo muito de carros, mas seria uma honra. – E abriu um sorriso. Aquele sorriso. – Por falar em ajuda, será que você pode me dar uma mãozinha com os preparativos pra festa amanhã? Você pode se arrumar lá em casa se preferir.
Tem como dizer não para um sorriso desses? Não, não tem. Fui até o sofá em que Tyler estava sentado e me pus ao seu lado segurando meu copo com as duas mãos. Encostei minha cabeça em seu ombro e senti que ele inclinava a dele sobre a minha. Seu braço esquerdo abraçando minhas costas.
- Muito obrigada por tudo tá? – Soltei antes de lhe dar um beijo no rosto que acabou lhe acertando o pescoço branquíssimo.
- É o mínimo que eu posso fazer. – E beijou o topo de minha cabeça, como sempre – Agora toma logo esse negócio antes que a maquiadora chegue.
Essas últimas semanas não estavam sendo fáceis de jeito nenhum, mas tê-lo por perto estava realmente me fazendo bem. Estava dormindo mais, mais bem humorada, e por incrível que pareça estava até fumando menos depois de tantos pedidos de Tyler para que eu me cuidasse mais. Me lembrei então de um dia desses em que estava voltando a pé do estúdio para a casa do ruivo, em que ele me passou o braço pela cintura e enquanto andávamos devagar me disse algo que eu não esperava jamais. “Você precisa se amar mais. Se você sente sono, durma. Se está com fome, coma. Se estiver triste, chore. Você é importante demais pra se privar de ser você mesma. Me promete?”
E eu prometi
***
Passei toda a minha manhã de sexta apreensiva com a visita de meu ex-sogro. Mesmo que estivesse marcado dele aparecer só depois do horário de almoço. Tão apreensiva que pela primeira vez em meses eu tinha a opção de dormir até tarde e ainda assim já estava de olhos abertos antes das 8. Aproveitando o tempo a mais que teria , decidi que faria meu desjejum em algum café ou padaria assim que buscasse minha fantasia para a festa de aniversário/ Halloween adiantado de Tyler. E aliás, acabou que me escolheram para ser a Tinkerbell depois de tudo. Então antes que o relógio marcasse nove horas da manhã, me coloquei para fora do apartamento com as roupas mais confortáveis que eu consegui encontrar e uma maçã – Mania que eu acabei roubando do meu amigo ruivo. Chequei o endereço da casa de fantasias no meu celular e sai caminhando pelas ruas constantemente movimentadas de L.A.
Encontrar a loja foi fácil. Carregar a fantasia também – O que há de pesado em um vestido  verde e curto (até um pouco demais, se posso dizer)? Difícil mesmo foi virar uma esquina e dar de cara com a cafeteria em que conheci Josh. Foi como se todos os meses que passamos juntos voltassem de uma só vez, somado a todos os meses em que estávamos separados e à incerteza de que nos veríamos novamente. Então tudo o que eu queria naquela hora era voltar no tempo. Voltar para aquele sábado de manhã. Voltar para aquele momento em que o vi pela primeira vez e tudo o que conseguia pensar era “wow”. Voltar para as risadas que me faziam doer o abdome enquanto corríamos pela rua em direção ao velho cinema. Eu só queria ter Josh de volta e isso me machucava demais. Me lembrava de cada detalhe daquele dia. Das roupas que ele vestia, do que eu pedi, a careta que ele fez quando soube que eu não tomava café puro, o jeito que ele me fez sentir só de olhar para mim.
Me sentei em uma das mesinhas do lado de fora para aproveitar a manhã de sol. Nossa mesa estava vazia do lado de dentro, porém eu não ousaria sentar nela desacompanhada. Era a nossa mesa, mesmo que “nós” não existisse mais. A cadeira vazia do outro lado da mesa redonda parecia me observar, ou ao menos esperar que alguém a ocupasse. Mas ninguém apareceria. Coloquei lá a sacola em que carregava minha fantasia na esperança que assim a sensação passasse; o que não aconteceu. Precisei unir todas as minhas forças para não desabar lá mesmo. Eu não queria que alguém ocupasse aquela cadeira. Eu queria que ele ocupasse aquela cadeira. Me lembrei da promessa que fiz a Tyler mas naquele momento não seria possível, me recusava a chorar em público. Imaginar que algum paparazzi poderia acabar colocando fotos minhas chorando na internet era exatamente o que eu precisava para deixar as lágrimas de lado de vez. Ou pelo menos até chegar em casa.
Depois de ter tomado duas xícaras de café – puras em homenagem àquele que me colocou nessa vida de café sem nada – resolvi fazer o caminho de volta para casa com o máximo de calma possível. Mesmo que fosse chegar tarde, queria aproveitar aquele tempo para colocar meus pensamentos em ordem. Juro que nas semanas seguintes ao rompimento eu fiz tudo o que eu pude para apagar todo e qualquer pensamento relacionado a Joshua da minha cabeça. Acontece que isso era muito mais difícil do que parecia. Estava tentando me acostumar com a ideia de que aquelas memórias não seriam o tipo de coisa que você pode simplesmente apagar. No máximo camufla-las na minha cabeça até que eu conseguisse esquece-las.  Mesmo que eu insistisse em procurar pelo responsável por aquelas memórias em todo lugar.
Enquanto estava a metros do prédio em que morava e tentava esconder os fragmentos de Josh nos cantos mais escuros do meu cérebro, eis que minha mania de vê-lo em toda parte ataca novamente. Mesmo de costas para mim eu conseguia notar as semelhanças. Vestido em roupas sociais, talvez um pouco mais alto que ele, os cabelos levemente grisalhos, mas a estrutura era exatamente a mesma. Em frente à entrada, busquei meu molho de chaves na bolsa que carregava pendurada no braço antes de ser interrompida por uma voz rouca logo atrás de mim.
- Com licença. – A pessoa me tocou de leve nas costas, me fazendo virar quase que instantaneamente- A senhorita mora aqui?
Foi então que eu vi. Olhos castanhos. O nariz fino. Eu sabia que já conhecia aqueles traços.
- Sim. – Respondi temendo o motivo da pergunta e por meio segundo me xinguei mentalmente por não estar mais bem vestida. Tinha a sensação de que aquele era o meu ex-sogro, caso contrário seria uma coincidência doentia.
- Ótimo, - O homem respondeu sorrindo de leve e juntando as mãos ao peito- eu estou procurando... Allison O'Callaghan? Eu me esqueci de perguntar o número do apartamento. – Ele disse com um sorriso de canto de boca que parecia bastante com outro que eu não via a muito tempo.
“Ai caralho”, eu pensei rezando para que ele não soubesse ler mentes.
- Essa seria eu. – Respondi com a voz risonha e um sorriso no rosto (mesmo que por dentro eu estivesse gritando) antes de cumprimenta-lo com um aperto de mão – É um prazer conhece-lo, Sr. Smith.
- O prazer é todo meu, querida. E pode me chamar de William. – O pai de Josh me disse mantendo o sorriso de canto de boca – Espero que você não se importe por eu ter vindo antes do horário combinado, saí mais cedo de uma reunião mas descobri que tenho outra daqui a pouco então estava torcendo para que você estivesse em casa.
- Não é problema nenhum, espero que o senhor... Você – Me corrigi no mesmo segundo – não tenha ficado aqui fora por tempo demais. Eu acho que... – Olhei rapidamente para o interior da minha bolsa e tateei um pouco por lá – Tá aqui. – Respondi tirando a chave do carro de Josh de lá – Se importa de esperar aqui mais um pouquinho? Só vou tirar o carro do estacionamento ok?
“Sem problemas querida”, ouvi William dizendo enquanto eu corria até a garagem. Eu tremia da cabeça aos pés. De todas as formas que eu imaginara conhece-lo, nenhuma delas incluía devolver o carro do meu ex-namorado. Colocar a chave na ignição foi um desafio, assim como levar esse carro para a rua sem chorar. Por fim consegui estaciona-lo em frente ao prédio no mínimo de tempo possível.
- Prontinho. – Soltei com um sorriso enquanto entregava a chave ao homem na minha frente.
- Muito obrigada Alisson. Vejo que você cuidou muito bem dele. – William falava alisando a lataria brilhante do automóvel. Apenas ri baixo, sem saber exatamente como manter uma conversa com ele. – Foi um enorme prazer te conhecer. Se precisar de qualquer coisa é só me ligar ok? – Disse antes de me abraçar. Carinho nas costas, assim como o filho costumava fazer.
-O prazer foi meu Sr.Smith. William. – Ri do meu próprio erro e da cara de reprovação do meu ex-sogro enquanto ele entrava no carro. “Allison?” ele disse assim que eu abri a porta de entrada do prédio, me fazendo virar em sua direção uma última vez.
- Sou muito grato por você ter feito meu filho feliz. Eu sinto por muito tudo isso.
E tudo o que eu fiz foi concordar com a cabeça e acenar de leve enquanto William partia. Antes que eu me desse conta estava chorando sozinha mais uma vez. Mais uma vez chorando por alguém que não estava por perto e que aparentemente não queria mais estar.  Então busquei meu celular dentro da minha bolsa e chamei o primeiro número que me veio a cabeça.
- Ty? – Estava com voz de choro e sabia que acabaria preocupando-o mas eu não conseguia pensar em mais nada – Tudo bem se eu chegar aí mais cedo?
***

Quando cheguei de olhos vermelhos e com uma bolsa enorme nas mãos ao apartamento de Tyler, esse já me esperava literalmente de braços abertos. Não me perguntou nada, apenas me abraçou junto ao seu peito e me deixou chorar em paz, fazendo carinho nos meus cabelos e não tocou no assunto pelo resto do dia. Ensinei Ty a preparar um macarrão à putanesca  - que modéstia a parte, ficou muito bom – e depois de descansarmos um pouco começamos os preparativos para a festa daquela noite.
Incontáveis garrafas de bebidas alcoólicas ocupavam dois terços do interior da geladeira de duas portas e eu não entendo o motivo da minha surpresa quando as abri. Tyler e álcool são palavras comumente ouvidas na mesma frase. Em poucos minutos já tínhamos limpado e decorado todo o terraço do prédio e o relógio quase marcava 19 horas quando as comidas que ele havia encomendado começaram a chegar. “Ninguém consegue viver só de vodca né?” Disse me dando uma piscadela enquanto passava por mim levando caixas e mais caixas de comida para a cozinha.
***
- Sai logo desse banheiro, daqui a pouco teus convidados começam a chegar e você vai estar trancado aí dentro. – Eu dizia impaciente do lado de fora.
- Calma aí baixinha, tá cedo ainda. E eu já estou me secando ok? – “Aham, sei.” Respondi cruzando os braços, mesmo que ele não pudesse me ver  com a porta fechada – Quer que eu prove?
Ouvi a porta se destravando e rapidamente cobri meus olhos com as mãos.
- EU NÃO QUERO TE VER PELADO TYLER!
- Ei, calma aí, eu tô de toalha. – Ele ria alto enquanto descobria meu rosto e passava por mim em direção ao seu quarto. Era a primeira vez que o via sem camisa e só queria dizer que ele estava de parabéns, mas preferi guardar isso pra mim. A toalha azul escuro que lhe cobria a parte de baixo fazia com que sua pele parecesse ainda mais branca e destacava as sardas que lhe pintava as costas. Eu poderia dizer que não pensei em segundo algum naquela toalha caindo, porém isso seria uma mentira.
- Eu... Vou tomar um banho... Me arrumar... É. – Eu disse sem olhar na direção em que ele estava e corri para o banheiro. Um banho frio. Era exatamente isso que eu precisava. “Quando sair tranca a porta e vai lá pra cima. Vou arrumar o som.” Consegui ouvir sua voz abafada.
- Allison, o que você tá fazendo? – Me perguntei olhando para meu reflexo no espelho. As mãos apoiadas na pedra fria da pia. Não sabia o que exatamente estava acontecendo comigo mas me convenci naquele momento que nada poderia acontecer entre nós dois, mesmo que por vezes eu quisesse. Muito. Como naquele momento. Banho frio é sempre uma boa opção.
***
Quando cheguei ao terraço, alguns convidados de Tyler já haviam chegado, entre eles estava Ashton vestido de Peter Pan. Ou melhor, uma versão meio rock do personagem. Ash tinha ambos os braços quase cobertos por tatuagens e alargadores nas orelhas mas ainda assim fazia um Peter.
- Hey Tinkerbell, dá uma rodadinha aí. – Ashton dizia com um sorriso malicioso no rosto que rapidamente virou uma cara de aprovação – Você tá linda Ally. Acabei de perguntar por você pro esquisitão. – E apontou para o lado. Pela altura e pelo “esquisitão” que Ash disse presumi que se tratasse de Tyler. De costas conseguia ver que ele vestia uma calça preta, um par de tênis retro da Addidas, e um agasalho cinza de moletom com a cabeça protegida pelo capuz.
- Ally! – Tyler gritou depois que Ashton o chamou. Aparentemente o ruivo já estava levemente alterado, a jugar pela sua alegria excessiva e o copo vermelho em sua mão – Você está maravilhosa. – Passando seu braço direito pelo meu pescoço, me puxou para perto antes de me beijar o rosto- ADIVINHA A MINHA FANTASIA!
Então ele parou bem na minha frente. As bochechas rosadas por causa do álcool. Foi aí que eu vi que na verdade ele estava vestindo um macacão, não uma calça. Um macacão preto com estampa de esqueleto. O agasalho cinza, com o capuz deixando escapar algumas mechas ruivas. O tênis dos anos 80. Atrás dele Ashton acenava pra mim e repetia alguma coisa com os lábios sem deixar sair nenhum som.
- Você é... – comecei a falar ainda olhando para Ash, tentando entender o que ele estava falando – Donnie Darko?
Felizmente eu entendi certo o que Peter Pan tentava me comunicar e Donnie quase explodiu de felicidade antes de correr para cumprimentar mais pessoas que chegavam.
- Posso pegar uma bebida pra você? – Ashton disse passando o braço pela minha cintura.
- Acho que eu vou precisar mesmo pra não acabar matando o aniversariante. – A melhor maneira de lidar com uma pessoa bêbada é acompanhar na bebedeira. 
Enquanto Ash pegava nossas bebidas, vi Charlotte chegando. Os cabelos loiros armados e bagunçados, os olhos azuis bem contornados com lápis preto e muito (muito) glitter. Vestia uma combinação de duas regatas – uma sobre a outa, sendo uma justa e outra larga – um shorts jeans bem curto e detonado, meia calça escura com alguns rasgos, coturnos pretos mal amarrados, colares com penas, várias pulseiras diferentes nos pulsos e cifrões desenhados pelos braços para completar. Sim, minha amiga era Ke$ha por uma noite. E estava maravilhosa.
- Quem é o Peter Pan ali? – Ela me perguntou ao pé do ouvido, apontando para meu colega de elenco que estava de costas para nós duas. Antes que eu tivesse a chance de responde-la, Ashton veio em nossa direção com uma garrafa de cerveja em uma mão e um grande copo vermelho e bem cheio na outra.
- Pronto Ally, você vai ter que descobrir o que eu coloquei aqui. – Me disse entregando o copo sem tirar os olhos de cima de Charlie que fazia exatamente a mesma coisa.
- Valeu Ash. E falando nisso, Ashton, Charlotte; Charlotte, Ashton. – Falei me colocando de fora dos olhares dos dois que logicamente não estavam nem aí pra mim e saí com a minha bebida. Já de costas consegui ouvir Ash perguntando se poderia pegar uma bebida para Charlie – É, parece que alguém vai se dar bem aqui hoje. – E ri comigo mesma antes de tomar um gole da mistura misteriosa que eu carregava. E estava bem forte.
***
Tyler
Já era tarde da noite e alguns dos meus convidados já haviam ido embora mas a festa continuava. Eu estava meio embriagado e não conseguia encontrar Allison em lugar nenhum. Não sei ao certo o porquê, mas eu sentia que eu deveria estar com ela.
- ASHTON! – Gritei do outro lado do terraço enorme e decorado com abóboras, luzes e esqueletos antes de correr em sua direção. – Você viu a Ally?
- Hum, não. – respondeu antes de voltar a beijar a garota que estava sentada em seu colo.
- Cara isso é sério porra, eu tô preocupado com ela.
- Eu realmente não sei cara, talvez ela esteja no seu apartamento. – Eu notava que ele estava irritado por eu estar atrapalhando o momento, mas eu não tinha notado com quem ele estava tendo um momento. Charlie.
- Oi de novo Tyyyyy – Ela dizia com a voz alterada por causa do álcool – feliz aniversário lindão.
- Valeu Charlie. – respondi sorrindo para ela antes de ir saindo de perto dos dois – Podem continuar a troca de saliva aí.
- Me chama se precisar de ajuda com a Ally – ouvi Charlotte dizendo antes de ser brutalmente interrompida pelos lábios de Ashton.
Então corri até o elevador e desejei com todas as minhas forças que eu encontrasse Allison no meu apartamento. Potencialmente bêbada, depois de todas as doses que a vi virar, mas bem. Assim que as portas metálicas se abriram vi que ela estava lá, tentando sem êxito nenhum colocar a chave a fechadura, xingando baixinho.
- O que você tá tentando fazer?
- Oh, eeeeeei Tyler! Eu tô... – Ela então se encostou à porta de entrada do meu apartamento. Os seus cabelos que antes estavam presos em um coque alto, agora já estavam totalmente soltos, lhe cobrindo os ombros sardentos. – Tentando abrir a sua porta mas ela é meio que impossível. – Completou depois de alguns segundos em silêncio.
- E o que você ia fazer lá? A festa ainda tá rolando lá em cima. Tá tudo bem? – Perguntei apoiando a lateral do meu corpo no batente da porta. Ally imitou o movimento e se virou para mim.
- Eu lembrei que deixei meu celular lá dentro.
- E pra quem você ia ligar? – Não sei se era culpa da bebida mas ela parecia ainda mais bonita naquela noite. Coisa que eu achava que não seria possível.
- Pra ninguém, eu só... Esquece. – Ally disse balançando a cabeça e indo em direção ao elevador parado naquele andar.
- Ei, volta aqui. – E a puxei pela mão de volta ao lugar onde estávamos antes de passar meus braços pela sua cintura. Eu sabia que ela estava pensando no ex. – Deixa isso pra lá ok? Se quiser a gente pode conversar. – Ela apenas negou de cabeça baixa enquanto brincava com os cordões do agasalho que eu vestia – Quer voltar lá pra cima? – Perguntei levantando seu queixo delicadamente. Eu nunca antes tinha visto seus olhos tão de perto e me perguntei se eles sempre foram lindos daquele jeito.
- Aham. – Allison disse encostando seu rosto em meu peito e largando os braços ao lado do corpo como se estivessem pesados demais. Entramos abraçados no elevador. Meu braço direito envolvendo os ombros dela e seu braço esquerdo fazendo carinho nas minhas costas. Quando estávamos quase chegando ao terraço, com a cabeça ainda apoiada no meu peito ela disse: - Feliz aniversário grandão.
Agradeci com um beijo no topo de sua cabeça enquanto a apertava o mais junto de mim que conseguia. Não era difícil dizer que aquele estava sendo meu melhor aniversário até o momento, e não, não era coisa da bebida. Era coisa de Allison.

Assim que as portas se abriram, encontramos Ashton e Charlie ainda se engolindo, mas se largaram assim que nos viram. “Arrumem um quarto”, Ally disse ao passar por eles no seu caminho até a mesa de bebidas. “É isso que vamos fazer O’Callaghan.” Meu amigo disse em resposta , mesmo que ela não o fosse escutar com a música alta.
- Cara, posso falar com você? – Perguntei segurando seu braço. Notando que era um assunto pessoal, Charlie pediu licença e disse que ia se despedir de Allison enquanto isso.
- Manda bala Hawkins. – Disse cruzando os braços junto ao corpo. Me segurei muito pra não rir na cara dele, era difícil levar a sério um cara vestindo calça verde grudada no corpo.
- Eu quero ficar com a Allison.
- Você o que? – A expressão de espanto na cara dele era impagável e eu novamente me segurei muito pra não rir, por mais que o assunto fosse sério. Tudo é muito mais engraçado quando você está bêbado – Tem certeza de que não é só o álcool falando?
- Pode ser também, mas tem muito tempo que eu quero isso. Eu não paro de pensar nisso desde que gravamos a cena do beijo.
- Mas você não tinha combinado que ia cuidar dela pro cara lá? – “Cara lá” = Joshua.
- Eu sei, é exatamente esse o problema Ashton. – Abaixei meu tom de voz assim que vi que Charlie voltava para onde estávamos.
- Bem Tyler, só o que posso dizer é: Não faça nada de que vá se arrepender depois. – Disse baixo me dando um abraço antes de entrar no elevador de mãos dadas com Charlie, que acenava para mim. Antes que as portas se fechassem, completou: - E se precisar tem bebida suficiente pra mais umas três festas aí.
Fiquei alguns segundos olhando fixamente para as portas fechadas do elevador enquanto os dois iam até o térreo e tentei colocar meus pensamentos em ordem. Não fazer nada de que iria me arrepender depois era praticamente impossível. De um jeito ou de outro eu acabaria me arrependendo.
- Oi grandão. – Quase como se pudesse ouvir meus pensamentos, Ally me chamou da porta atrás de mim. Encostada ao batente da porta, um copo vermelho na mão, o sorriso juvenil.
- Oi baixinha. – Respondi sentindo como se naquele momento não existisse mais ninguém no mundo. Coisa que eu sempre sentia quando estava com ela.
- Estão te procurando aqui fora. Eles foram embora? – Perguntou fazendo cara de confusa. Allison bêbada era a melhor coisa do mundo e eu estava descobrindo aquilo na hora. Confirmei com a cabeça enquanto ia de encontro com ela. – Ah eles foram lá pra casa. Ah não...Ugh, eu não quero ouvir os dois transando Ty. Eu tava brincando sobre o “arrumem um quarto”. – Ally disse deitando a cabeça no meu peito. A voz tristonha.
- Hoje você dorme aqui. Não vou te deixar cruzar a cidade sozinha e bêbada.
- Se eu desmaiar você vai me levar para a cama? – Ela dizia me olhando com um sorriso malicioso no rosto antes de cair na risada. Confirmei com a cabeça. – Então vou continuar isso aqui. – Completou antes de virar o que quer que aquele copo continha de uma vez só.
***
O céu estava começando a acordar quando me despedi dos meus últimos convidados. Quando voltei para o terraço quase deserto, encontrei Allison vestida com meu agasalho, usando uma das abóboras de plástico da decoração como acento. Os cabelos castanho claros ainda enrolados nas pontas, fruto do coque que usava antes.  O tom de verde do vestido que usava realçava ainda mais a cor de seus olhos. Havia copos plásticos e garrafas vazias por todos os lados, e ainda assim aquele cenário era perfeito. Perfeito por causa dela.
- Pronto pra arrumar essa bagunça? – Ally perguntou se levantando da abóbora.
- Não precisa se preocupar com isso baixinha, eu contratei uma equipe de limpeza pra cuidar disso aqui. Inclusive daqui umas horas eles devem aparecer aqui.
- Nossa, olha só quem manja muito de organização de eventos. – Ela disse rindo e subindo nos meus pés, antes de largar suas mãos no meu pescoço.
- Tenho que gastar o salário com alguma coisa né? – Respondi rindo de tudo aquilo, puxando seu corpo para mais perto do meu.
- Acabei de lembrar que deixei seu presente no sofá de casa. Espero que Ashton e Charlie não transem em cima dele.
- Eu também espero, sinceramente. – Soltei enquanto ria – Mas você não precisava se preocupar Ally, de verdade. Te ter aqui já é um presentão. – Falei enquanto cobria sua cabeça com o capuz do agasalho. Incrível como conseguia ser linda de qualquer jeito. Então ela puxou minha cabeça para mais perto dela, até que estivéssemos com as testas coladas.
- Acho que você merece um segundo presente. – Ela disse com os lábios quase juntos dos meus.
- Você tem certeza disso? – Perguntei procurando seus olhos verdes. Uma das minhas mãos na lateral de seu rosto, a outra nas suas costas. Ela confirmou com a cabeça. – Não é o álcool falando? –  “E quem se importa se for?” ela disse num sussurro. Seus lábios a meio milímetro dos meus. Até que essa distância desapareceu. Então eu finalmente entendi o que estava acontecendo. Estava me apaixonando por Allison e aparentemente não havia nada que eu pudesse fazer para evitar tudo aquilo. Uma de suas mãos me puxava o cabelo na nuca enquanto a outra continuava no meu pescoço e eu me perguntei mentalmente se ela se sentia como eu, sem coragem para perguntar em voz alta.
Quando percebi que as coisas estavam ficando intensas demais, ao invés de continuar acabei cortando o beijo, afastando levemente o corpo de Allison do meu, que com as mãos sobre meu peito perguntou o que estava acontecendo.
- Isso tá errado Ally. Eu tô meio bêbado. Você tá ainda mais. Não é justo com você. – Ela concordou, mesmo que desapontada.
- Podemos ir pro seu apartamento pelo menos? – Perguntou descendo dos meus pés e bocejando longamente.
***
Enquanto Allison se vestia no banheiro com uma camiseta velha minha, eu carregava meu travesseiro e um cobertor qualquer para a sala, sem acreditar direito no que acontecera alguns minutos antes. Ainda conseguia sentir o seu gosto e seus dedos no meu pescoço. Durante meu transe Ally saiu do banheiro e veio de encontro comigo:
- O que você pensa que tá fazendo? – Os cabelos presos em um coque baixo, a minha camiseta azul quase como um vestido, o hálito de hortelã.
- Já arrumei a cama pra você no meu quarto, eu vou dormir aqui mesmo. – Respondi largando meu travesseiro sobre o estofado com um meio sorriso.
- Não Ty, dorme comigo por favor. – Ela disse segurando minhas duas mãos – Prometo que não vou tentar nada. Por favor.
Ponderei. Sabia que não era a melhor ideia mas preferia estar por perto se ela acabasse passando mal.
- Tá certo. Só vou tirar esse macacão e escovar os dentes. – Antes que eu terminasse de falar ela já estava indo para o quarto. Dentro do banheiro me perguntei onde eu estava com a cabeça. Como alguma coisa poderia ser tão certa e tão errada ao mesmo tempo? Vestido apenas com a calça do agasalho que eu havia usado para a fantasia, entrei em meu quarto e encontrei Ally colocando meu travesseiro ao lado do dela.
- Boa noite pequena. – Soltei quando já estávamos os dois dividindo o colchão, antes de lhe beijar a bochecha. Mesmo que eu quisesse beija-la em outro lugar.
- Boa noite grandão. – Ela me disse com aquele sorriso no rosto e depois se virou para o outro lado. Silêncio profundo. Por vários minutos eu continuei lá, olhos abertos, observando a silhueta da garota. Sem sono para dormir, sem coragem para falar com ela. Assim que eu me virei e passei o observar o teto, Ally se virou para o meu lado – Ty? – Ela chamou.
- Ally? – Respondi voltando para a minha antiga posição.
- Eu não bebi mais nada alcoólico desde a hora que o Ash e Charlie saíram. – Ela falou se aproximando de mim, passando de seu travesseiro para o meu. Então senti sua mão novamente na minha nuca. Estávamos perigosamente próximos mais uma vez. Mesmo na penumbra daquele quarto eu conseguia ver claramente seus olhos verdes. Seu nariz alinhado ao meu. Antes que seus lábios encontrassem os meus novamente, ela completou:
- Talvez você não saiba, mas eu sou péssima em cumprir promessas.

Por Mariana J.

n/a: E tá aí a parte 7/especial de Halloween, finalmente. Espero que vocês estejam gostando da história porque eu tô gostando ~demais~. E como de costume, termino o post com a música do capítulo. Happy Halloween! 

terça-feira, 28 de outubro de 2014

3:33

Eu nunca fui do tipo que se apaixona. Mas então veio você.
Você e esses lábios bem desenhados. Você e seus olhos cor de céu de manhã cedo. Você e suas mãozinhas delicadas. Você e sua mania boba de brincar com os meus dedos, com os meus cabelos, com minhas camisetas e com o que mais conseguir. Você e essa insistência em me fazer feliz mesmo quando não está por perto. De repente cada e qualquer minuto que passei do seu lado se tornou o melhor da minha vida, algo para me manter de olhos abertos até muito tarde.
E mesmo depois de tanto tempo eu insisto em voltar para aquela noite de sábado.  Seus cabelos escuros caindo sobre os ombros, os olhos claros desenhados em preto, o vestido vermelho escuro deixando sua pele ainda mais alva. E quando te disse o quão bela estava, o rubor do que vestia subiu até suas bochechas e refletiu no fundo dos meus olhos.  O jeito com que seus braços envolviam meus ombros enquanto os meus abraçavam sua cintura, usando minhas pernas como acento. Eu só queria continuar daquele jeito para sempre. Meu queixo apoiado em seu ombro nu, meus lábios a centímetros de seu pescoço. E eu o beijo, mesmo sabendo que não deveria.  E você sorri, sabendo que eu te conheço tanto quanto você mesma. Apenas esse momento se repetindo infinitamente, o modo como seus lábios se abrem no sorriso mais belo, fazendo seus olhos quase se fecharem e como tudo isso parece ter saído de um conto de fadas.
Ainda sinto seus dedos brincando com os meus cabelos “longos demais” enquanto eu tentava prestar atenção na avenida deserta. E eu desejei com todas as minhas forças que fosse horário de pico para que todo o caminho até a porta da sua casa fosse o mais demorado possível, assim ao menos eu não teria que me despedir tão cedo. As luzes amareladas dos postes deixando toda a paisagem melancólica e – se possível- seu rosto ainda mais belo, enquanto você encostava a cabeça no meu ombro direito e cantarolava a música do rádio. E quando eu te deixei tarde da noite em frente ao seu portão e você me beijou o canto da boca, desejei que tivesse errado a mira.
A verdade é que você é boa demais para mim. Diz que não gosta de seu próprio sorriso, mas ainda assim não consegue mantê-lo trancado ao meu lado e, Deus, eu me sinto tão sortudo por isso. E aqueles pequenos pedaços de céu que você carrega nos olhos me faz paralisar. Talvez por medo. Talvez porque nenhum outro par de olhos já me observou como os seus fazem. Talvez porque meu medo de te perder seja superior à minha vontade de te ter nos meus braços. Maior do que a minha vontade de te pegar as mãos e nunca mais soltar, encontrar um lugar em que finalmente seremos apenas nós dois.  E isso seria mais do que suficiente.
Mas eu insisto em esconder tudo isso nos cantos mais escuros do meu peito, partes que pertencem a você e ninguém mais. Enquanto tiver seu nome escrito dentro do meu coração, será como se você fosse minha, mesmo que eu seja o único a saber disso. E quem mais precisa saber? Enquanto eu te guardo em mim sei o quão puro são meus sentimentos, e isso basta. Ter suas mãos nas minhas, sua cabeça deitada em meu peito e seu riso me inundando os ouvidos é tudo o que eu preciso. O que mais me dói é saber que isso eventualmente acaba, que um dia nossos caminhos irão se bifurcar e não sei se voltarão a se unir um dia. Eu sou muito sortudo por te ter, mesmo que não exatamente como meu coração deseja. 
Só espero que você saiba disso. 

Por Mariana J.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Meu amigo John


Conheci Johnny quando éramos dois adolescentes. Me lembro bem demais daquele pub cheio de gente e fumaça de cigarro e os gritos de todos quando ele, ao lado de seus amigos, subiu naquele palco. Johnny usava uma jaqueta de couro gasta, camiseta branca, jeans justos e um par de botina nos pés. Os cabelos no estilo teddy boy que todos os caras usavam na época. Se aproximando do microfone, o rapaz tragou o cigarro que pendia de seus lábios finos pela última vez antes de taca-lo no chão. “Olha, olha, olha que coisa. Nem consigo enxergar o fim desse lugar hoje. Você consegue Paulie?” Dizia aos colegas de banda apagando a bituca ainda acessa com a sola do sapato, enquanto forçava a visão tentando enxergar o rosto de cada um naquele lugar. Acenei. Ele sorriu. Acenou de volta.
Horas depois estávamos todos sentados em frente ao pub em que a banda tocara antes. O ar frio da madrugada, o céu acordando aos pouquinhos, cada um com um enorme copo de cerveja nas mãos. John se sentava novamente ao meu lado na calçada, me pedindo que segurasse sua bebida para que a sua leve embriagues não o deixasse desperdiçar boa cerveja, como ele mesmo me disse com sua voz rouca. Eu não estava sentada de fato diretamente na calçada. Johnny pegou o  jornal do dia que se encontrava à porta de uma das casas da vizinhança e distribuiu entre as garotas do grupo para que pudessem se sentar sem medo de sujar suas saias. “As mães de vocês não ficariam muito feliz de saber que vocês passaram a noite sentadas na calçada com um bando de rebeldes do rock, certo?” E de fato não seria muito simples explicar, até porque meus pais achavam que eu estava dormindo na casa de uma amiga naquela noite.
Nada ilustra mais a pessoa que ele era do que esse ato. Roubando jornal da casa de uns pra garantir o conforto de outros. Com o passar do tempo comecei a conhecer aquele rapaz de nariz reto, olhos e cabelos castanhos e de alguma forma, a cada segundo que eu passava em sua presença o meu carinho e admiração por ele cresciam exponencialmente.  Ele me contou de sua infância complicada e como vivera com os tios desde muito novo. Sabia que o pai estava na Nova Zelândia. Ou ao menos estava lá na última vez que teve notícias dele. “Não que eu me importe com aquele porco.” Me disse uma vez enquanto andávamos até minha casa depois de mais um show. Mas ele se importava sim, eu conseguia sentir só pelo jeito que olhava para os próprios pés enquanto dizia isso. Porém ele era assim. Aparentemente aprendera a guardar as próprias emoções dentro de si, por isso eu entendia o laço que tínhamos para que ele chegasse a me contar essas coisas.
Ele só queria ser um herói da classe operária.  Ele só queria cantar o que amava e levar uma mensagem ao público. Poder para o povo. Dar uma chance para a paz. Mas não se deixe enganar; apesar da imagem que ele fazia, John não gostava de política. Não gostava de confronto de nenhuma natureza apesar de ser um tanto encrenqueiro. Era rotina sua tia receber cartas do diretor do colégio quando ele ainda era menino. Tinha uma língua afiada demais, um humor extremamente sarcástico e um tanto boca suja. E apesar de sua infância difícil, o falecimento da mãe quando finalmente estavam se reaproximando e toda a dor que não deixava mostrar, Johnny tinha um coração enorme. Um romântico escondido atrás de uma máscara de rebelde. Sempre disposto a por um sorriso no rosto de alguém com suas piadas e imitações. Atencioso até seu último dia. E eu sou muito grata pela pessoa que ele foi.
Mesmo depois que ele e os outros rapazes saíram da cidade em busca do sucesso que tanto desejavam, John não deixou seu passado para trás. Falava com sua tia quase que religiosamente e apesar da distância, nós sempre mantemos contato. Ele me mandava cartas e cartões postais das cidades pelas qual passavam, canhotos de ingressos dos shows que faziam e eu lhe enviava as notícias daquela cidade portuária. E eu acompanhei com um sorriso no rosto o crescimento daqueles garotos que antes tocavam em um pub apertado e acabaram lotando estádios e levando milhões de adolescentes à loucura. E ele continuava o mesmo. Apesar da fama, do dinheiro, das drogas e das mulheres que o seguiam por todas as partes, ainda conseguia ver nele aquele garoto encrenqueiro com cabelo teddy boy e jaqueta de couro.
Não me entenda mal, ele não era um santo. Longe disso. Soube por sua esposa na época, e mãe de seu primeiro filho, que John a traía constantemente. As vezes chegava até a agredi-la. E ela aceitava. Simplesmente porque o amava demais. Não concordei com nenhum dos dois para ser honesta, nem com Cynthia por se prestar ao papel, e muito menos com ele por ficar por aí com mulheres que só se importavam com o status dele enquanto tinha esposa e filho esperando que voltasse para casa. E isso se repetiu com sua segunda esposa; mas essa por sua vez decidiu deixa-lo até que John se desse conta de seus erros. E isso funcionou muito bem, de fato. Apesar de tudo isso era visível o amor que ele sentia por ambas.
Sua língua afiada causou problemas a ele mesmo fora do colégio. Quando afirmou que sua banda era mais popular do que Jesus (e ainda hoje eu concordo), o rapaz viu uma quantidade considerável de pessoas lhe virarem as costas no auge do sucesso; gerando queima de discos em praça pública, artigos muito mal educados por parte da mídia e o horror de famílias católicas com filhas enlouquecidas pelo quarteto. “Não que isso não tenha sido um bom marketing. Os adolescentes amam o que é proibido.”, ele me explicou em uma de suas longas cartas.
Ele era um cara comum. Amava seus amigos e sua família apesar de ter errado muito com todos eles. Amava o que fazia. Amava sua cama. Era um péssimo motorista (mesmo). Tinha uma criatividade absurda. Adorava conseguir fazer alguém rir, assim como adorava implicar com seus colegas de banda. Amava passar um tempo com seus filhos e tentava manter um relacionamento bom com sua primeira esposa. Deixou a barba e os cabelos crescerem pela paz. Só desejava que as pessoas pudessem viver em harmonia uma com as outras. Deixou sua carreira profissional de lado para se tornar pai de família; coisa que ele não conseguiu ser para o primeiro filho. Querido com todos os que trabalhavam com ele ou para ele. Atencioso com os fãs até o fim. Literalmente.  Recebi a notícia pelo jornal no dia seguinte e era como se o mundo tivesse parado por alguns segundos. Qual era a motivação para se matar um homem como ele? Na porta de casa? Ainda hoje isso me deixa atordoada.
Ele se foi cedo demais. Ainda tinha muitas batalhas para liderar. Muitos movimentos para abraçar. Os filhos para ver crescer. Uma esposa para amar. Muita música a se fazer. Muitas autoridades pra enfrentar. Muita gente pra fazer feliz. Mas foi assim. Ele teve que ir mas eu sei que deixou para todos o seu espírito; e no coração de todos que acreditam que a paz é sim possível, existe um pouco dele nos impulsionando à luta. Uma luta sem armas, sem mortes, só com o amor.  E todo dia 9 de Outubro eu desejo que ele estivesse aqui para que eu pudesse lhe mandar um cartão de feliz aniversário, ou ligar para ele logo cedo para desejar que tivesse mais um ano cheio de alegria. Ainda assim me lembro daquele último aniversário que passei ao lado do adolescente rebelde. Todos ao redor da mesa da sala de jantar da tia do aniversariante que colocava um grande bolo de chocolate cheio de velas azuis no centro daquela constelação de alegria e sorrisos que éramos nós. E ele sorria. Aquele sorriso que iluminava seu rosto e se refletia no de cada um daquela sala. E ficava sem graça quando começávamos a cantar em coro. É esse o John que eu guardo no meu coração, mesmo que tudo o que eu disse não passe de memórias que eu inventei. A cada dia 9 de Outubro eu sei que, diferente do que ele costumava dizer, o sonho não morreu.
Obrigada por tudo Johnny boy. Feliz aniversário.

Te amo pra sempre.  

Por Mariana J.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

111 coisas que fazem a vida valer a pena

  1. Acordar de madrugada e descobrir que ainda tem tempo pra dormir mais;
  2. Rever um filme que você gosta demais;
  3. Descobrir novas bandas e novos artistas;
  4. Descalçar os sapatos depois de um dia longo;
  5. Comer algum prato que você queria há muito tempo;
  6. Reencontrar os amigos de longa data;
  7. Cheiro de livro novo;
  8. Ver Friends, mesmo que já tenha assistido o episódio mil vezes;
  9. Receber mensagem de "bom dia"/"boa noite" de alguém especial;
  10. Pessoas que te elogiam quando você não espera;
  11. Ver filme de terror na última seção do dia;
  12. Encontrar um banheiro quando você está prestes a explodir;
  13. Dançar até não conseguir sentir os pés;
  14. Sentir borboletas no estômago;
  15. Filmes da Disney;
  16. Comprar passagens aéreas pra qualquer lugar;
  17. Poder rir das besteiras que você fez no passado;
  18. Poder rir ainda mais das besteiras que seus amigos fizeram no passado e nunca deixar que eles esqueçam delas;
  19. Ver fotografias antigas de família;
  20. Encontrar pessoas que compartilham seus ideais;
  21. Quando seus artistas/bandas favoritas lançam músicas novas;
  22. Pizza;
  23. Abraços apertados;
  24. Encontrar dinheiro que você não sabia que tinha;
  25. Poder trabalhar com o que você ama;
  26. Esperar em fila de show;
  27. Drake & Josh;
  28. Pessoas que sorriem enquanto falam;
  29. Tirar uma nota boa numa prova que você tinha certeza que não ficava nem na média;
  30. Receber beijo no rosto;
  31. Ter sua música favorita tocando no rádio;
  32. Natal em família;
  33. Mudar o visual;
  34. Caminhar na praia em um fim de tarde;
  35. Passar horas falando da época do colégio com amigos de muitos anos;
  36. Brigadeiro;
  37. Receber um sorriso de alguém na rua;
  38. Quando seguram a porta pra você entrar em algum lugar;
  39. Subir na balança e ver que perdeu peso;
  40. Brincar com o cabelo alheio;
  41. Passar horas dentro de uma livraria;
  42. Ter alguém pra quem você sabe que pode contar qualquer coisa sem ser julgado;
  43. Conhecer um lugar totalmente novo;
  44. Filhotes. Não importa de qual animal, filhotes;
  45. Pessoas que avisam que você está com o farol do carro desligado de noite;
  46. Ou com um pneu murcho;
  47. Brisa do mar no rosto;
  48. Cheiro de pipoca de cinema;
  49. Vestir uma roupa que você sabe que fica bem;
  50. Cachorros;
  51. Pessoas que lembram de você (em viagens, com músicas, piadas, lugares, filmes, bandas, etc);
  52. Ser abraçada por pessoas muito mais altas do que você e assim conseguir ouvir o coração dela;
  53. Dias de chuva;
  54. Gente que se oferece pra te ajudar mesmo sem você pedir;
  55. O som de passos sobre folhas secas;
  56. Fazer carinho em alguém e ver a pessoa ficar feliz com isso;
  57. Cozinhar com os amigos;
  58. Receber mensagens carinhosas no dia do seu aniversário;
  59. Pessoas que param pra você atravessar a faixa de pedestres;
  60. Boas piadas;
  61. Tomar um banho quente, vestir algo confortável e ir pra debaixo das cobertas;
  62. Ter pessoas que apreciam seu trabalho;
  63. Internet;
  64. Fazer alguém sorrir;
  65. Ser recebido em casa pelo seu cachorro (ou qualquer bichinho de estimação) depois de um longo dia;
  66. Entregar um trabalho que você achava que nunca ia acabar;
  67. Ficar acordada até tarde falando sobre qualquer coisa com alguém que você gosta muito;
  68. Ver o sol nascer;
  69. Sorvete;
  70. Assistir filmes de terror com os amigos;
  71. Mudar o visual;
  72. Gente que responde mensagem rápido;
  73. Tomar cappuccino;
  74. Descobrir que você não perdeu a comanda do bar/balada;
  75. Gatos;
  76. Ingressos de shows;
  77. Cheiro de café fresco;
  78. Seguir um conselho que você achou errado, mas no fim descobriu que estava certo;
  79. Fé (independe de religião);
  80. Andar descalça na grama;
  81. Dirigir com as janelas abaixadas e som alto;
  82. Receber um presente inesperado;
  83. Abrir mão de pequenas coisas pra ver outra pessoa feliz;
  84. Gente que entende quando você está sendo sarcástica e quando fala sério;
  85. Passar o dia inteiro de pijama;
  86. Perfume masculino;
  87. Enfiar a mão em saca de feijão (ou qualquer coisa em grãos);
  88. Cheiro de bala de iogurte;
  89. Não ter horário pra acordar;
  90. Andar nos corredores cheios de ovos de páscoa no supermercado;
  91. Fazer as unhas e não estragar uma em meia hora;
  92. Brisar;
  93. Ser simpática com qualquer pessoa, principalmente se ela estiver de mau humor;
  94. Fazer seus amigos beberem muito no jogo do "eu nunca" por saber todos os podres deles;
  95. Comer alguma coisa depois de passar horas com fome;
  96. Quando as luzes se apagam antes de um show;
  97.  Trovões;
  98. Dormir com barulho de chuva;
  99. Dormir com o som do mar;
  100. Dormir;
  101. Tomar uma caneca de chá quente no inverno;
  102. Assistir o mesmo filme um zilhão e meio de vezes até conseguir repetir todos os diálogos;
  103. Fazer alguém rir (mesmo que você não se ache lá muito engraçado);
  104. Saber que alguém precisa de você;
  105. Conseguir superar medos;
  106. Ter a certeza de que não importa o tamanho do problema, um dia ele passa;
  107. Ter pessoas de confiança por perto;
  108. Acompanhar um por do sol;
  109. Decorar a letra de "I am the walrus" dos Beatles;
  110. Encontrar pessoas que gostam das mesmas coisas que você;
  111. Saber que você nunca está sozinho.