sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Take you home.

- Você tem certeza disso Ally? – Charlie me perguntava com o celular em mãos.
- Tenho. – Continuei lavando a louça da noite anterior e me forcei a engolir o choro mais uma vez quando ouvi os passos da minha amiga se afastando da cozinha. “Ei Josh, tudo bem?” ouvi antes que ela fechasse a porta de seu quarto. Não conseguiria falar com ele, pelo menos não em tão pouco tempo, mas também não podia continuar andando pra cima e pra baixo com um carro que era dele. Não era certo, fora que eu tinha crises de choro só de adentrá-lo. Eu tinha dinheiro suficiente para comprar um carro pra mim, e mesmo que a entrega demorasse eu poderia muito bem me virar com um taxi; dirigir uma memória ambulante não era opção.
Depois de alguns minutos Charlotte retornou à cozinha e se sentou na bancada do lado oposto em que eu me encontrava.  “Pronto”, ela falou.  “Ele me disse que vai combinar com o pai dele vir buscar o carro pra você não ter que pagar taxi pra voltar pra casa”. Precisei parar por alguns segundos. Mesmo depois de terminar nosso relacionamento ele ainda se preocupava comigo, a ponto de não me deixar gastar dinheiro a toa. “Aham”, respondi com a voz pesada.  Foi então que senti minha amiga me abraçando por trás, o queixo fino apoiado no meu ombro.
- Tá tudo bem baixinha?
- Vai ficar. – Me soltei de seus braços e forcei um sorriso- Você não ia sair?
- E vou mesmo, ia te convidar pra ir também. Vou comprar algumas coisinhas pra minha fantasia e tal. – Charlie dizia enquanto saia correndo pelo apartamento à procura de sua bolsa – Falando nisso, você já sabe o que vai usar?
- Eu não tenho a menor ideia. O pessoal queria fazer uma fantasia de grupo mas ninguém chegou a conclusão nenhuma.  Acho que vou com você mesmo.
A verdade é que: Louise queria se vestir de Wendy, Ashton e Isaac seriam João e Miguel, Jenny seria a Tinkerbell, Ty seria Peter, e eu uma versão feminina do Capitão Gancho. Mas acabou que Jenny decidiu que queria se vestir de Rainbow (roubando minha primeira – e nada criativa- ideia de fantasia), Isaac seria padrinho de casamento no mesmo dia e o aniversariante Tyler queria usar uma “fantasia surpresa”; o que me levava à estaca zero mais uma vez.
Depois de horas andando pelas ruas de Los Angeles com Charlotte me puxando de loja em loja, voltamos ao nosso apartamento com algumas sacolas de roupa – poucas delas eram parte da fantasia de minha amiga, mas quem está contando? – e diversos potes de glitter. Digamos que a fantasia dela será no mínimo suja.
***
Estava pegando meu último figurino da primeira temporada da série quando bateram de leve na porta do meu camarim. Antes que eu pudesse responder a porta se abriu e um Tyler sorridente entrou na sala carregando nosso café da manhã.
- Bom dia pequena. Um cappuccino canela e um brownie quentinhos para a senhorita. – disse deixando um dos copos e um pacotinho de papel sobre minha mesa de centro.
- Bom dia grandão. – respondi com um beijo em sua bochecha rosada e cheia de sardas- E obrigada pelo café, te pago daqui a pouquinho, vou só me trocar.
- Até quando eu preciso falar que é um presente meu? – Tyler corou quando notou que eu já começara a me trocar em um canto da sala, se virando de costas para mim- Você não tem que pagar nada.
- Você já faz muito por mim Ty, pagar meus cafés é o mínimo que eu posso fazer. E você já pode virar – completei rindo enquanto lhe dava um tapinha nas costas.
Rindo, o ruivo tomou um gole grande do copo de isopor em sua mão e foi se sentar em um dos sofazinhos vermelhos da sala e a cor do estofado fez com que o tom de sua pele me parecesse ainda mais claro.
- E você conseguiu resolver aquele problema? – Ele me perguntava cruzando as longas pernas. Não tocávamos no nome do meu ex namorado desde aquele sábado. Me sentei na cadeira em que costumo estar para a maquiagem e tomei um gole do meu cappuccino antes que pudesse responder.
- Estamos resolvendo. Vou entregar o carro amanhã pro pai dele e acho que vou segunda mesmo atrás de um pra mim. Aliás, se você quiser me acompanhar na saga pra encontrar um carro, está mais do que convidado.
- Eu não entendo muito de carros, mas seria uma honra. – E abriu um sorriso. Aquele sorriso. – Por falar em ajuda, será que você pode me dar uma mãozinha com os preparativos pra festa amanhã? Você pode se arrumar lá em casa se preferir.
Tem como dizer não para um sorriso desses? Não, não tem. Fui até o sofá em que Tyler estava sentado e me pus ao seu lado segurando meu copo com as duas mãos. Encostei minha cabeça em seu ombro e senti que ele inclinava a dele sobre a minha. Seu braço esquerdo abraçando minhas costas.
- Muito obrigada por tudo tá? – Soltei antes de lhe dar um beijo no rosto que acabou lhe acertando o pescoço branquíssimo.
- É o mínimo que eu posso fazer. – E beijou o topo de minha cabeça, como sempre – Agora toma logo esse negócio antes que a maquiadora chegue.
Essas últimas semanas não estavam sendo fáceis de jeito nenhum, mas tê-lo por perto estava realmente me fazendo bem. Estava dormindo mais, mais bem humorada, e por incrível que pareça estava até fumando menos depois de tantos pedidos de Tyler para que eu me cuidasse mais. Me lembrei então de um dia desses em que estava voltando a pé do estúdio para a casa do ruivo, em que ele me passou o braço pela cintura e enquanto andávamos devagar me disse algo que eu não esperava jamais. “Você precisa se amar mais. Se você sente sono, durma. Se está com fome, coma. Se estiver triste, chore. Você é importante demais pra se privar de ser você mesma. Me promete?”
E eu prometi
***
Passei toda a minha manhã de sexta apreensiva com a visita de meu ex-sogro. Mesmo que estivesse marcado dele aparecer só depois do horário de almoço. Tão apreensiva que pela primeira vez em meses eu tinha a opção de dormir até tarde e ainda assim já estava de olhos abertos antes das 8. Aproveitando o tempo a mais que teria , decidi que faria meu desjejum em algum café ou padaria assim que buscasse minha fantasia para a festa de aniversário/ Halloween adiantado de Tyler. E aliás, acabou que me escolheram para ser a Tinkerbell depois de tudo. Então antes que o relógio marcasse nove horas da manhã, me coloquei para fora do apartamento com as roupas mais confortáveis que eu consegui encontrar e uma maçã – Mania que eu acabei roubando do meu amigo ruivo. Chequei o endereço da casa de fantasias no meu celular e sai caminhando pelas ruas constantemente movimentadas de L.A.
Encontrar a loja foi fácil. Carregar a fantasia também – O que há de pesado em um vestido  verde e curto (até um pouco demais, se posso dizer)? Difícil mesmo foi virar uma esquina e dar de cara com a cafeteria em que conheci Josh. Foi como se todos os meses que passamos juntos voltassem de uma só vez, somado a todos os meses em que estávamos separados e à incerteza de que nos veríamos novamente. Então tudo o que eu queria naquela hora era voltar no tempo. Voltar para aquele sábado de manhã. Voltar para aquele momento em que o vi pela primeira vez e tudo o que conseguia pensar era “wow”. Voltar para as risadas que me faziam doer o abdome enquanto corríamos pela rua em direção ao velho cinema. Eu só queria ter Josh de volta e isso me machucava demais. Me lembrava de cada detalhe daquele dia. Das roupas que ele vestia, do que eu pedi, a careta que ele fez quando soube que eu não tomava café puro, o jeito que ele me fez sentir só de olhar para mim.
Me sentei em uma das mesinhas do lado de fora para aproveitar a manhã de sol. Nossa mesa estava vazia do lado de dentro, porém eu não ousaria sentar nela desacompanhada. Era a nossa mesa, mesmo que “nós” não existisse mais. A cadeira vazia do outro lado da mesa redonda parecia me observar, ou ao menos esperar que alguém a ocupasse. Mas ninguém apareceria. Coloquei lá a sacola em que carregava minha fantasia na esperança que assim a sensação passasse; o que não aconteceu. Precisei unir todas as minhas forças para não desabar lá mesmo. Eu não queria que alguém ocupasse aquela cadeira. Eu queria que ele ocupasse aquela cadeira. Me lembrei da promessa que fiz a Tyler mas naquele momento não seria possível, me recusava a chorar em público. Imaginar que algum paparazzi poderia acabar colocando fotos minhas chorando na internet era exatamente o que eu precisava para deixar as lágrimas de lado de vez. Ou pelo menos até chegar em casa.
Depois de ter tomado duas xícaras de café – puras em homenagem àquele que me colocou nessa vida de café sem nada – resolvi fazer o caminho de volta para casa com o máximo de calma possível. Mesmo que fosse chegar tarde, queria aproveitar aquele tempo para colocar meus pensamentos em ordem. Juro que nas semanas seguintes ao rompimento eu fiz tudo o que eu pude para apagar todo e qualquer pensamento relacionado a Joshua da minha cabeça. Acontece que isso era muito mais difícil do que parecia. Estava tentando me acostumar com a ideia de que aquelas memórias não seriam o tipo de coisa que você pode simplesmente apagar. No máximo camufla-las na minha cabeça até que eu conseguisse esquece-las.  Mesmo que eu insistisse em procurar pelo responsável por aquelas memórias em todo lugar.
Enquanto estava a metros do prédio em que morava e tentava esconder os fragmentos de Josh nos cantos mais escuros do meu cérebro, eis que minha mania de vê-lo em toda parte ataca novamente. Mesmo de costas para mim eu conseguia notar as semelhanças. Vestido em roupas sociais, talvez um pouco mais alto que ele, os cabelos levemente grisalhos, mas a estrutura era exatamente a mesma. Em frente à entrada, busquei meu molho de chaves na bolsa que carregava pendurada no braço antes de ser interrompida por uma voz rouca logo atrás de mim.
- Com licença. – A pessoa me tocou de leve nas costas, me fazendo virar quase que instantaneamente- A senhorita mora aqui?
Foi então que eu vi. Olhos castanhos. O nariz fino. Eu sabia que já conhecia aqueles traços.
- Sim. – Respondi temendo o motivo da pergunta e por meio segundo me xinguei mentalmente por não estar mais bem vestida. Tinha a sensação de que aquele era o meu ex-sogro, caso contrário seria uma coincidência doentia.
- Ótimo, - O homem respondeu sorrindo de leve e juntando as mãos ao peito- eu estou procurando... Allison O'Callaghan? Eu me esqueci de perguntar o número do apartamento. – Ele disse com um sorriso de canto de boca que parecia bastante com outro que eu não via a muito tempo.
“Ai caralho”, eu pensei rezando para que ele não soubesse ler mentes.
- Essa seria eu. – Respondi com a voz risonha e um sorriso no rosto (mesmo que por dentro eu estivesse gritando) antes de cumprimenta-lo com um aperto de mão – É um prazer conhece-lo, Sr. Smith.
- O prazer é todo meu, querida. E pode me chamar de William. – O pai de Josh me disse mantendo o sorriso de canto de boca – Espero que você não se importe por eu ter vindo antes do horário combinado, saí mais cedo de uma reunião mas descobri que tenho outra daqui a pouco então estava torcendo para que você estivesse em casa.
- Não é problema nenhum, espero que o senhor... Você – Me corrigi no mesmo segundo – não tenha ficado aqui fora por tempo demais. Eu acho que... – Olhei rapidamente para o interior da minha bolsa e tateei um pouco por lá – Tá aqui. – Respondi tirando a chave do carro de Josh de lá – Se importa de esperar aqui mais um pouquinho? Só vou tirar o carro do estacionamento ok?
“Sem problemas querida”, ouvi William dizendo enquanto eu corria até a garagem. Eu tremia da cabeça aos pés. De todas as formas que eu imaginara conhece-lo, nenhuma delas incluía devolver o carro do meu ex-namorado. Colocar a chave na ignição foi um desafio, assim como levar esse carro para a rua sem chorar. Por fim consegui estaciona-lo em frente ao prédio no mínimo de tempo possível.
- Prontinho. – Soltei com um sorriso enquanto entregava a chave ao homem na minha frente.
- Muito obrigada Alisson. Vejo que você cuidou muito bem dele. – William falava alisando a lataria brilhante do automóvel. Apenas ri baixo, sem saber exatamente como manter uma conversa com ele. – Foi um enorme prazer te conhecer. Se precisar de qualquer coisa é só me ligar ok? – Disse antes de me abraçar. Carinho nas costas, assim como o filho costumava fazer.
-O prazer foi meu Sr.Smith. William. – Ri do meu próprio erro e da cara de reprovação do meu ex-sogro enquanto ele entrava no carro. “Allison?” ele disse assim que eu abri a porta de entrada do prédio, me fazendo virar em sua direção uma última vez.
- Sou muito grato por você ter feito meu filho feliz. Eu sinto por muito tudo isso.
E tudo o que eu fiz foi concordar com a cabeça e acenar de leve enquanto William partia. Antes que eu me desse conta estava chorando sozinha mais uma vez. Mais uma vez chorando por alguém que não estava por perto e que aparentemente não queria mais estar.  Então busquei meu celular dentro da minha bolsa e chamei o primeiro número que me veio a cabeça.
- Ty? – Estava com voz de choro e sabia que acabaria preocupando-o mas eu não conseguia pensar em mais nada – Tudo bem se eu chegar aí mais cedo?
***

Quando cheguei de olhos vermelhos e com uma bolsa enorme nas mãos ao apartamento de Tyler, esse já me esperava literalmente de braços abertos. Não me perguntou nada, apenas me abraçou junto ao seu peito e me deixou chorar em paz, fazendo carinho nos meus cabelos e não tocou no assunto pelo resto do dia. Ensinei Ty a preparar um macarrão à putanesca  - que modéstia a parte, ficou muito bom – e depois de descansarmos um pouco começamos os preparativos para a festa daquela noite.
Incontáveis garrafas de bebidas alcoólicas ocupavam dois terços do interior da geladeira de duas portas e eu não entendo o motivo da minha surpresa quando as abri. Tyler e álcool são palavras comumente ouvidas na mesma frase. Em poucos minutos já tínhamos limpado e decorado todo o terraço do prédio e o relógio quase marcava 19 horas quando as comidas que ele havia encomendado começaram a chegar. “Ninguém consegue viver só de vodca né?” Disse me dando uma piscadela enquanto passava por mim levando caixas e mais caixas de comida para a cozinha.
***
- Sai logo desse banheiro, daqui a pouco teus convidados começam a chegar e você vai estar trancado aí dentro. – Eu dizia impaciente do lado de fora.
- Calma aí baixinha, tá cedo ainda. E eu já estou me secando ok? – “Aham, sei.” Respondi cruzando os braços, mesmo que ele não pudesse me ver  com a porta fechada – Quer que eu prove?
Ouvi a porta se destravando e rapidamente cobri meus olhos com as mãos.
- EU NÃO QUERO TE VER PELADO TYLER!
- Ei, calma aí, eu tô de toalha. – Ele ria alto enquanto descobria meu rosto e passava por mim em direção ao seu quarto. Era a primeira vez que o via sem camisa e só queria dizer que ele estava de parabéns, mas preferi guardar isso pra mim. A toalha azul escuro que lhe cobria a parte de baixo fazia com que sua pele parecesse ainda mais branca e destacava as sardas que lhe pintava as costas. Eu poderia dizer que não pensei em segundo algum naquela toalha caindo, porém isso seria uma mentira.
- Eu... Vou tomar um banho... Me arrumar... É. – Eu disse sem olhar na direção em que ele estava e corri para o banheiro. Um banho frio. Era exatamente isso que eu precisava. “Quando sair tranca a porta e vai lá pra cima. Vou arrumar o som.” Consegui ouvir sua voz abafada.
- Allison, o que você tá fazendo? – Me perguntei olhando para meu reflexo no espelho. As mãos apoiadas na pedra fria da pia. Não sabia o que exatamente estava acontecendo comigo mas me convenci naquele momento que nada poderia acontecer entre nós dois, mesmo que por vezes eu quisesse. Muito. Como naquele momento. Banho frio é sempre uma boa opção.
***
Quando cheguei ao terraço, alguns convidados de Tyler já haviam chegado, entre eles estava Ashton vestido de Peter Pan. Ou melhor, uma versão meio rock do personagem. Ash tinha ambos os braços quase cobertos por tatuagens e alargadores nas orelhas mas ainda assim fazia um Peter.
- Hey Tinkerbell, dá uma rodadinha aí. – Ashton dizia com um sorriso malicioso no rosto que rapidamente virou uma cara de aprovação – Você tá linda Ally. Acabei de perguntar por você pro esquisitão. – E apontou para o lado. Pela altura e pelo “esquisitão” que Ash disse presumi que se tratasse de Tyler. De costas conseguia ver que ele vestia uma calça preta, um par de tênis retro da Addidas, e um agasalho cinza de moletom com a cabeça protegida pelo capuz.
- Ally! – Tyler gritou depois que Ashton o chamou. Aparentemente o ruivo já estava levemente alterado, a jugar pela sua alegria excessiva e o copo vermelho em sua mão – Você está maravilhosa. – Passando seu braço direito pelo meu pescoço, me puxou para perto antes de me beijar o rosto- ADIVINHA A MINHA FANTASIA!
Então ele parou bem na minha frente. As bochechas rosadas por causa do álcool. Foi aí que eu vi que na verdade ele estava vestindo um macacão, não uma calça. Um macacão preto com estampa de esqueleto. O agasalho cinza, com o capuz deixando escapar algumas mechas ruivas. O tênis dos anos 80. Atrás dele Ashton acenava pra mim e repetia alguma coisa com os lábios sem deixar sair nenhum som.
- Você é... – comecei a falar ainda olhando para Ash, tentando entender o que ele estava falando – Donnie Darko?
Felizmente eu entendi certo o que Peter Pan tentava me comunicar e Donnie quase explodiu de felicidade antes de correr para cumprimentar mais pessoas que chegavam.
- Posso pegar uma bebida pra você? – Ashton disse passando o braço pela minha cintura.
- Acho que eu vou precisar mesmo pra não acabar matando o aniversariante. – A melhor maneira de lidar com uma pessoa bêbada é acompanhar na bebedeira. 
Enquanto Ash pegava nossas bebidas, vi Charlotte chegando. Os cabelos loiros armados e bagunçados, os olhos azuis bem contornados com lápis preto e muito (muito) glitter. Vestia uma combinação de duas regatas – uma sobre a outa, sendo uma justa e outra larga – um shorts jeans bem curto e detonado, meia calça escura com alguns rasgos, coturnos pretos mal amarrados, colares com penas, várias pulseiras diferentes nos pulsos e cifrões desenhados pelos braços para completar. Sim, minha amiga era Ke$ha por uma noite. E estava maravilhosa.
- Quem é o Peter Pan ali? – Ela me perguntou ao pé do ouvido, apontando para meu colega de elenco que estava de costas para nós duas. Antes que eu tivesse a chance de responde-la, Ashton veio em nossa direção com uma garrafa de cerveja em uma mão e um grande copo vermelho e bem cheio na outra.
- Pronto Ally, você vai ter que descobrir o que eu coloquei aqui. – Me disse entregando o copo sem tirar os olhos de cima de Charlie que fazia exatamente a mesma coisa.
- Valeu Ash. E falando nisso, Ashton, Charlotte; Charlotte, Ashton. – Falei me colocando de fora dos olhares dos dois que logicamente não estavam nem aí pra mim e saí com a minha bebida. Já de costas consegui ouvir Ash perguntando se poderia pegar uma bebida para Charlie – É, parece que alguém vai se dar bem aqui hoje. – E ri comigo mesma antes de tomar um gole da mistura misteriosa que eu carregava. E estava bem forte.
***
Tyler
Já era tarde da noite e alguns dos meus convidados já haviam ido embora mas a festa continuava. Eu estava meio embriagado e não conseguia encontrar Allison em lugar nenhum. Não sei ao certo o porquê, mas eu sentia que eu deveria estar com ela.
- ASHTON! – Gritei do outro lado do terraço enorme e decorado com abóboras, luzes e esqueletos antes de correr em sua direção. – Você viu a Ally?
- Hum, não. – respondeu antes de voltar a beijar a garota que estava sentada em seu colo.
- Cara isso é sério porra, eu tô preocupado com ela.
- Eu realmente não sei cara, talvez ela esteja no seu apartamento. – Eu notava que ele estava irritado por eu estar atrapalhando o momento, mas eu não tinha notado com quem ele estava tendo um momento. Charlie.
- Oi de novo Tyyyyy – Ela dizia com a voz alterada por causa do álcool – feliz aniversário lindão.
- Valeu Charlie. – respondi sorrindo para ela antes de ir saindo de perto dos dois – Podem continuar a troca de saliva aí.
- Me chama se precisar de ajuda com a Ally – ouvi Charlotte dizendo antes de ser brutalmente interrompida pelos lábios de Ashton.
Então corri até o elevador e desejei com todas as minhas forças que eu encontrasse Allison no meu apartamento. Potencialmente bêbada, depois de todas as doses que a vi virar, mas bem. Assim que as portas metálicas se abriram vi que ela estava lá, tentando sem êxito nenhum colocar a chave a fechadura, xingando baixinho.
- O que você tá tentando fazer?
- Oh, eeeeeei Tyler! Eu tô... – Ela então se encostou à porta de entrada do meu apartamento. Os seus cabelos que antes estavam presos em um coque alto, agora já estavam totalmente soltos, lhe cobrindo os ombros sardentos. – Tentando abrir a sua porta mas ela é meio que impossível. – Completou depois de alguns segundos em silêncio.
- E o que você ia fazer lá? A festa ainda tá rolando lá em cima. Tá tudo bem? – Perguntei apoiando a lateral do meu corpo no batente da porta. Ally imitou o movimento e se virou para mim.
- Eu lembrei que deixei meu celular lá dentro.
- E pra quem você ia ligar? – Não sei se era culpa da bebida mas ela parecia ainda mais bonita naquela noite. Coisa que eu achava que não seria possível.
- Pra ninguém, eu só... Esquece. – Ally disse balançando a cabeça e indo em direção ao elevador parado naquele andar.
- Ei, volta aqui. – E a puxei pela mão de volta ao lugar onde estávamos antes de passar meus braços pela sua cintura. Eu sabia que ela estava pensando no ex. – Deixa isso pra lá ok? Se quiser a gente pode conversar. – Ela apenas negou de cabeça baixa enquanto brincava com os cordões do agasalho que eu vestia – Quer voltar lá pra cima? – Perguntei levantando seu queixo delicadamente. Eu nunca antes tinha visto seus olhos tão de perto e me perguntei se eles sempre foram lindos daquele jeito.
- Aham. – Allison disse encostando seu rosto em meu peito e largando os braços ao lado do corpo como se estivessem pesados demais. Entramos abraçados no elevador. Meu braço direito envolvendo os ombros dela e seu braço esquerdo fazendo carinho nas minhas costas. Quando estávamos quase chegando ao terraço, com a cabeça ainda apoiada no meu peito ela disse: - Feliz aniversário grandão.
Agradeci com um beijo no topo de sua cabeça enquanto a apertava o mais junto de mim que conseguia. Não era difícil dizer que aquele estava sendo meu melhor aniversário até o momento, e não, não era coisa da bebida. Era coisa de Allison.

Assim que as portas se abriram, encontramos Ashton e Charlie ainda se engolindo, mas se largaram assim que nos viram. “Arrumem um quarto”, Ally disse ao passar por eles no seu caminho até a mesa de bebidas. “É isso que vamos fazer O’Callaghan.” Meu amigo disse em resposta , mesmo que ela não o fosse escutar com a música alta.
- Cara, posso falar com você? – Perguntei segurando seu braço. Notando que era um assunto pessoal, Charlie pediu licença e disse que ia se despedir de Allison enquanto isso.
- Manda bala Hawkins. – Disse cruzando os braços junto ao corpo. Me segurei muito pra não rir na cara dele, era difícil levar a sério um cara vestindo calça verde grudada no corpo.
- Eu quero ficar com a Allison.
- Você o que? – A expressão de espanto na cara dele era impagável e eu novamente me segurei muito pra não rir, por mais que o assunto fosse sério. Tudo é muito mais engraçado quando você está bêbado – Tem certeza de que não é só o álcool falando?
- Pode ser também, mas tem muito tempo que eu quero isso. Eu não paro de pensar nisso desde que gravamos a cena do beijo.
- Mas você não tinha combinado que ia cuidar dela pro cara lá? – “Cara lá” = Joshua.
- Eu sei, é exatamente esse o problema Ashton. – Abaixei meu tom de voz assim que vi que Charlie voltava para onde estávamos.
- Bem Tyler, só o que posso dizer é: Não faça nada de que vá se arrepender depois. – Disse baixo me dando um abraço antes de entrar no elevador de mãos dadas com Charlie, que acenava para mim. Antes que as portas se fechassem, completou: - E se precisar tem bebida suficiente pra mais umas três festas aí.
Fiquei alguns segundos olhando fixamente para as portas fechadas do elevador enquanto os dois iam até o térreo e tentei colocar meus pensamentos em ordem. Não fazer nada de que iria me arrepender depois era praticamente impossível. De um jeito ou de outro eu acabaria me arrependendo.
- Oi grandão. – Quase como se pudesse ouvir meus pensamentos, Ally me chamou da porta atrás de mim. Encostada ao batente da porta, um copo vermelho na mão, o sorriso juvenil.
- Oi baixinha. – Respondi sentindo como se naquele momento não existisse mais ninguém no mundo. Coisa que eu sempre sentia quando estava com ela.
- Estão te procurando aqui fora. Eles foram embora? – Perguntou fazendo cara de confusa. Allison bêbada era a melhor coisa do mundo e eu estava descobrindo aquilo na hora. Confirmei com a cabeça enquanto ia de encontro com ela. – Ah eles foram lá pra casa. Ah não...Ugh, eu não quero ouvir os dois transando Ty. Eu tava brincando sobre o “arrumem um quarto”. – Ally disse deitando a cabeça no meu peito. A voz tristonha.
- Hoje você dorme aqui. Não vou te deixar cruzar a cidade sozinha e bêbada.
- Se eu desmaiar você vai me levar para a cama? – Ela dizia me olhando com um sorriso malicioso no rosto antes de cair na risada. Confirmei com a cabeça. – Então vou continuar isso aqui. – Completou antes de virar o que quer que aquele copo continha de uma vez só.
***
O céu estava começando a acordar quando me despedi dos meus últimos convidados. Quando voltei para o terraço quase deserto, encontrei Allison vestida com meu agasalho, usando uma das abóboras de plástico da decoração como acento. Os cabelos castanho claros ainda enrolados nas pontas, fruto do coque que usava antes.  O tom de verde do vestido que usava realçava ainda mais a cor de seus olhos. Havia copos plásticos e garrafas vazias por todos os lados, e ainda assim aquele cenário era perfeito. Perfeito por causa dela.
- Pronto pra arrumar essa bagunça? – Ally perguntou se levantando da abóbora.
- Não precisa se preocupar com isso baixinha, eu contratei uma equipe de limpeza pra cuidar disso aqui. Inclusive daqui umas horas eles devem aparecer aqui.
- Nossa, olha só quem manja muito de organização de eventos. – Ela disse rindo e subindo nos meus pés, antes de largar suas mãos no meu pescoço.
- Tenho que gastar o salário com alguma coisa né? – Respondi rindo de tudo aquilo, puxando seu corpo para mais perto do meu.
- Acabei de lembrar que deixei seu presente no sofá de casa. Espero que Ashton e Charlie não transem em cima dele.
- Eu também espero, sinceramente. – Soltei enquanto ria – Mas você não precisava se preocupar Ally, de verdade. Te ter aqui já é um presentão. – Falei enquanto cobria sua cabeça com o capuz do agasalho. Incrível como conseguia ser linda de qualquer jeito. Então ela puxou minha cabeça para mais perto dela, até que estivéssemos com as testas coladas.
- Acho que você merece um segundo presente. – Ela disse com os lábios quase juntos dos meus.
- Você tem certeza disso? – Perguntei procurando seus olhos verdes. Uma das minhas mãos na lateral de seu rosto, a outra nas suas costas. Ela confirmou com a cabeça. – Não é o álcool falando? –  “E quem se importa se for?” ela disse num sussurro. Seus lábios a meio milímetro dos meus. Até que essa distância desapareceu. Então eu finalmente entendi o que estava acontecendo. Estava me apaixonando por Allison e aparentemente não havia nada que eu pudesse fazer para evitar tudo aquilo. Uma de suas mãos me puxava o cabelo na nuca enquanto a outra continuava no meu pescoço e eu me perguntei mentalmente se ela se sentia como eu, sem coragem para perguntar em voz alta.
Quando percebi que as coisas estavam ficando intensas demais, ao invés de continuar acabei cortando o beijo, afastando levemente o corpo de Allison do meu, que com as mãos sobre meu peito perguntou o que estava acontecendo.
- Isso tá errado Ally. Eu tô meio bêbado. Você tá ainda mais. Não é justo com você. – Ela concordou, mesmo que desapontada.
- Podemos ir pro seu apartamento pelo menos? – Perguntou descendo dos meus pés e bocejando longamente.
***
Enquanto Allison se vestia no banheiro com uma camiseta velha minha, eu carregava meu travesseiro e um cobertor qualquer para a sala, sem acreditar direito no que acontecera alguns minutos antes. Ainda conseguia sentir o seu gosto e seus dedos no meu pescoço. Durante meu transe Ally saiu do banheiro e veio de encontro comigo:
- O que você pensa que tá fazendo? – Os cabelos presos em um coque baixo, a minha camiseta azul quase como um vestido, o hálito de hortelã.
- Já arrumei a cama pra você no meu quarto, eu vou dormir aqui mesmo. – Respondi largando meu travesseiro sobre o estofado com um meio sorriso.
- Não Ty, dorme comigo por favor. – Ela disse segurando minhas duas mãos – Prometo que não vou tentar nada. Por favor.
Ponderei. Sabia que não era a melhor ideia mas preferia estar por perto se ela acabasse passando mal.
- Tá certo. Só vou tirar esse macacão e escovar os dentes. – Antes que eu terminasse de falar ela já estava indo para o quarto. Dentro do banheiro me perguntei onde eu estava com a cabeça. Como alguma coisa poderia ser tão certa e tão errada ao mesmo tempo? Vestido apenas com a calça do agasalho que eu havia usado para a fantasia, entrei em meu quarto e encontrei Ally colocando meu travesseiro ao lado do dela.
- Boa noite pequena. – Soltei quando já estávamos os dois dividindo o colchão, antes de lhe beijar a bochecha. Mesmo que eu quisesse beija-la em outro lugar.
- Boa noite grandão. – Ela me disse com aquele sorriso no rosto e depois se virou para o outro lado. Silêncio profundo. Por vários minutos eu continuei lá, olhos abertos, observando a silhueta da garota. Sem sono para dormir, sem coragem para falar com ela. Assim que eu me virei e passei o observar o teto, Ally se virou para o meu lado – Ty? – Ela chamou.
- Ally? – Respondi voltando para a minha antiga posição.
- Eu não bebi mais nada alcoólico desde a hora que o Ash e Charlie saíram. – Ela falou se aproximando de mim, passando de seu travesseiro para o meu. Então senti sua mão novamente na minha nuca. Estávamos perigosamente próximos mais uma vez. Mesmo na penumbra daquele quarto eu conseguia ver claramente seus olhos verdes. Seu nariz alinhado ao meu. Antes que seus lábios encontrassem os meus novamente, ela completou:
- Talvez você não saiba, mas eu sou péssima em cumprir promessas.

Por Mariana J.

n/a: E tá aí a parte 7/especial de Halloween, finalmente. Espero que vocês estejam gostando da história porque eu tô gostando ~demais~. E como de costume, termino o post com a música do capítulo. Happy Halloween! 

Nenhum comentário:

Postar um comentário