segunda-feira, 30 de junho de 2014

Lovely sad.

Parou em frente ao portão branco da casa dos pais sentindo o coração afundando no peito magro. Podia muito bem fazer seu caminho garagem adentro e ir de encontro com seu lar quente e acolhedor, porém não tinha forças suficientes para fazer a curva à esquerda com seu carro compacto. Resolveu que seria melhor estacionar algumas casas a frente até que se sentisse melhor. Saltou do automóvel deixando o casaco justo ao corpo. O vento praticamente cortava o pouco de pele a mostra. Tudo o que se ouvia naquela rua de classe média era o som do solado das botas na altura do tornozelo que a garota calçava, de encontro com o asfalto. Da forma mais silenciosa que conseguiu, fechou a porta do carro e foi se sentar sobre o curto capô do mesmo. Inspirou e expirou profundamente, conseguindo ver claramente o vapor se condensando em pequenas nuvens esbranquiçadas à pouca luz dos postes. Lembrou-se de quando era muito pequena, pequena demais para entender como aquela história de vapor condensado funcionava, e levava um cigarro imaginário aos lábios fingindo que fumava.
Com as articulações da mão doendo e os dedos gélidos, buscou o maço de cigarros em um dos bolsos laterais do casaco verde militar e acinturado que vestia. Enquanto tentava produzir uma mísera chama com seu isqueiro quase vazio, ria da situação. Aos seis anos de idade brincava que fumava. Aos vinte, fingia que não. “Tinha gente pra caramba fumando lá, mãe”. O álibi de sempre, preso na ponta da língua. Checou o horário no celular. Exatos trinta e sete minutos antes ela estava rindo e se despedindo dos amigos na saída do bar, e agora não sentia nem de leve a felicidade de ter passado tanto tempo com pessoas queridas. Não sabia explicar nem a si o que a impedia de estar agora vestindo seu pijama flanelado e se escondendo embaixo das cobertas. O peito pesado, a sensação de vazio, de sufocamento. Já tinha se sentido assim.
 Sentia que estava construindo diversas muralhas dentro de si. A cada dia mais distante de quem era não muitos anos atrás. A cada dia mais perdida entre seus problemas camuflados e de suas desculpas ruins. Não sabia como parar a construção, nem como colocar as barreiras a baixo. As mãos tremendo, a falta de ar, o coração acelerado. Queria conseguir se sentar no meio daquela rua deserta e acordar toda a vizinhança com seu choro descontrolado e ensurdecedor, mas apenas uma lágrima se manifestou. Uma lágrima tão solitária e amarga quanto quem a derramara. A cada metro que se distanciava do bar em que antes estava, sentia toda a alegria compartilhada que antes esquentara sua noite se esvaindo e deixando no lugar nada mais do que solidão. 
Lembrou-se de quando tinha 16 anos e do quanto queria se zerar naquela época. Ainda conseguia sentir o gosto amargo de cada um dos comprimidos pouco antes de engoli-los um a um, desejando não ser acordada na manhã seguinte. Lembrou-se das gotas de sangue derramas de madrugada que ainda hoje manchavam seu cobertor favorito. Lembrava também vividamente da forma que abraçara seu pai com o corpo tremulo, ao lado do tumulo da avó e como jurou naquele mesmo dia que nunca mais pensaria ao menos em se zerar novamente. Alguns anos depois não sabia dizer se realmente não queria partir ou se estava apenas tentando poupar seus entes queridos de todo o trabalho e dor que sua partida traria.
Já estava no quinto cigarro quando notou que o céu começara a acordar e assim em breve, também seus pais. Puxou uma das mangas pesadas do casaco até a altura de seu cotovelo e apagou o que restava do papel e tabaco em brasa em sua pele. Nem mesmo a queimadura fizera com que sentisse algo. Gemeu baixo assim que o calor do cigarro encontrou sua pele gelada. Já sabia o que ia acontecer, não era sua primeira vez. Segurou o toco quase apagado contra o braço por alguns segundos, esperando que aquilo fizesse com que colocasse todas as lágrimas que sentia pesar nos olhos para fora, mas nada aconteceu. Apenas mais uma marca. Apenas mais uma cicatriz para sua coleção. Talvez a guerra civil dentro de sua cabeça estivesse recomeçando depois de quatro anos de trégua. Talvez aquela só fosse sua rotina voltando. Hábitos ruins não morrem. 

Por Mariana J.

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