sexta-feira, 30 de maio de 2014

One

Eu não me lembro o mês ao certo... Acho que era Fevereiro. Me lembro que o clima estava mudando, nem quente, nem frio.  Era um sábado e mal se passava das oito horas da manhã. Poucas coisas conseguem me fazer sair da cama antes das dez em um fim de semana – que ainda por cima era chuvoso, nesse caso - : Viagens e cinema. No dia em questão o a segunda opção era o motivo pelo qual eu acordei mais cedo do que o normal e rumei para fora do apartamento que divido com a minha melhor amiga. Tem esse cinema antigo aqui que todo primeiro sábado do mês apresenta uma seção única de algum filme que não se encontra mais em cartaz. O filme do mês era “O Iluminado” de Stanley Kubrick, conhecido também como  “Um Dos Meus Filmes Favoritos Da Vida”. Me recordo que ainda estava vestida em homenagem ao filme: uma calça jeans, uma camiseta estampada com a clássica imagem de Jack Nicholson olhando pelo rombo na porta de madeira com a igualmente clássica frase “Here’s Johnny!” (que por um acaso foi um improviso de Nicholson, vale lembrar), e um cardigã azul claro, no mesmo tom dos vestidos das gêmeas. 

Sempre saía do nosso pequeno apartamento no máximo às nove e meia da manhã, visto que as seções especiais de sábado começavam às dez, eu tinha tempo hábil de chegar ao cinema mesmo que a pé. Mas aquele sábado foi diferente. Eu acordei mais cedo. Me arrumei mais rápido. Saí de casa bem mais cedo e decidi passar nessa cafeteria que ficava a algumas quadras do cinema e fazer meu desjejum lá mesmo, além de gastar um tempo escrevendo ou lendo qualquer coisa. E assim o fiz. Fui caminhando pelas ruas já movimentadas, com filas de carros parados com seus motoristas irritados, amaldiçoando uns aos outros. Apesar da manhã acinzentada e das buzinas estridentes daqueles presos nos engarrafamentos eu estava estranhamente animada. Consegui abstrair todo aquele ambiente e tudo o que importava para mim era o ritmo quase dançante dos meus pés no concreto e a canção que tocava apenas pra mim.

Foi quando eu estava chegando à cafeteria que o vi. Ele vinha cruzando a rua andando calmamente, quase como se a faixa de pedestres fosse a sua passarela particular. E meus olhos teimaram em acompanhar aquele desfile.  Se eu pudesse descreve-lo em uma única palavra naquele momento, seria: Uau. Sim, uau. Os cabelos escuros e curtos, bagunçados de um jeito matreiro contrastando diretamente com o paletó que vestia sobre a camiseta branca e suas calças jeans. Entrei na cafeteria e me encaminhei até o caixa para registrar meu pedido, como o lugar já estava bastante cheio (ah, grandes cidades) temi que o garçom demorasse a me atender, e fui me sentar a uma das poucas mesas livres.  Por algum motivo meu cérebro me obrigou a olhar pela enorme janela que estava ao meu lado e de lá eu vi – adivinhem quem? – o moço dos cabelos escuros. Ele estava mexendo no bolso interno do paletó quando sacou um pacote de Marlboro Lights de lá e já levou um até seus lábios. Me lembro de ter reclamado mentalmente, algo do tipo “Como alguém tão bonito pode fumar?”. Pois é, eu já fui do time contra tabagismo, quem diria? Como se meus pensamentos fossem altos demais, o rapaz se virou na minha direção e sorriu um sorriso de canto de boca quando notou que eu o observava, antes de soltar a fumaça branca. Até a fumaça dele era bonita.

Sentia meu rosto corar. Desviei o olhar do rapaz. Encarei minhas unhas descascadas, o tecido da calça que vestia, as conversas de cada mesa se tornando um som indecifrável, o casal sentado na mesa em frente a minha, a menininha de cabelos loiros que me encarava algumas cadeiras a minha frente. Tudo se tornou extremamente interessante.  Mexi na minha bolsa, chequei o horário no meu celular, arrumei meu cabelo, pigarreei, reclamei mentalmente da demora do meu pedido. E então voltei a olhar para fora. Ele já não estava mais lá, me fazendo sentir um misto de decepção e alívio. Um alívio quase inexistente, para ser honesta. Assim que olhei na direção do caixa, vi que lá estava ele provavelmente fazendo seu pedido como eu havia feito anteriormente. Fingi que estava muito ocupada vendo algo na tela do meu celular. Metade de mim querendo que ele se sentasse perto o suficiente para que eu pudesse observa-lo, metade orando pra que ele apenas pegasse seu pedido e saísse de lá para que eu pudesse respirar de novo.

- Com licença – uma voz rouca disse logo na minha frente e não me atrevi a levantar os olhos – posso me sentar com você? As outras mesas estão cheias.
Era ele. O rapaz dos cabelos bagunçados, com uma das mãos sobre o encosto da cadeira a minha frente, apenas aguardando minha autorização. O aroma de cigarro com perfume amadeirado me deixou um tanto desnorteada, assim como aquela voz. Deus, aquela voz... 
- Claro – finalmente consegui dizer, mesmo achando que minha voz soava quase como um sussurro.  Ao mesmo tempo em que com uma mão ele afastou a cadeira para se sentar, estendia a outra na minha frente para me cumprimentar.
- Obrigado. Eu sou Josh... Joshua na verdade.
- Eu sou Ally... Allison na verdade. – disse imitando-o enquanto apertava sua mão. Estava me controlando ao máximo para não entrar em combustão instantânea ou falar alguma coisa muito ridícula.
- É um prazer te conhecer, Ally. – Joshua falou enquanto se arrumava na cadeira na minha frente e seus lábios se abriram no sorriso mais maravilhoso que eu já vi. Provavelmente daqui a 20 anos eu ainda vou me lembrar daquele sorriso.
- Já fez seu pedido? – ele me perguntava com uma naturalidade invejável, era como se nos conhecêssemos há anos. Confirmei com a cabeça e ele voltou a falar: “O que você pediu?”.
- Um mocca e um brownie. – Logo que disse “mocca” vi seu rosto se contorcendo numa careta cômica – O que foi? – perguntei rindo baixo.
- Mocca. Mocca não é café. Café bom é café puro. – Joshua falava pausadamente.
- Não seja assim tão preconceituoso Joshua, mocca também tem café. Assim você vai acabar ferindo os sentimentos do pobrezinho.
- Daqui a pouco meu café vai chegar e você vai tomar um gole pra aprender o que é bom nessa vida.
Apenas ri e tentei parecer natural. Eu queria perguntar tudo sobre ele. Queria saber suas bandas favoritas, de que tipo de filmes ele gostava, qual era a sua viagem dos sonhos, as vergonhas que passara no ensino médio, o que fazia da vida, quantos anos tinha, onde morava, e tantas outras coisas mas não. Apenas esperei que ele quebrasse o silêncio.
- O que te traz à rua tão cedo, Ally?
- Perdão? – eu havia ouvido o que ele dissera, mas sua voz era tão apaixonante que eu poderia ouvi-lo falando para sempre.
- Digo, o que te fez acordar tão cedo em um Sábado nublado desses? Por exemplo, eu tinha uma reunião que aparentemente foi cancelada e ninguém teve a decência de me avisar. Então estou aqui esperando meu café, e você?
- Bem, eu estou esperando dar o horário da minha seção de cinema. Tem um cinema não muito longe daqui que apresenta uma seção especial com um filme fora de cartaz todo primeiro sábado do mês.
Enquanto eu me explicava, um dos garçons parou à nossa mesa e deixou sobre ela os nossos pedidos.
- Mesmo? Eu não sabia que tinha esse tipo de coisas por aqui. Qual filme vão exibir hoje? – Josh disse logo após tomar um gole do seu café sem acrescentar açúcar- Hum, isso aqui tá ótimo.
- “O Iluminado” se não me falha a memória. – mas é lógico que não me falhava a memória, eu estava usando a merda de uma camiseta do filme – Você também é contra açúcar no café, Joshua?
- Não diria que sou contra, mas eu gosto do meu café com gosto de café. Posso roubar um pedaço desse teu brownie? – enquanto eu empurrava o prato de porcelana preto e o garfo de prata para o outro lado da mesa, ele me empurrava de volta sua xícara já quase pela metade – Aproveita pra experimentar o que é café de verdade.
Segurei a xícara morna na minha mão direita e aspirei o aroma que o líquido exalava. Forte mas bom. Cuidadosamente levei-a até meus lábios mas tomei um gole maior do que deveria, do que me arrependi instantaneamente. Fiz uma careta enquanto engolia e notei que Josh me observava rindo do outro lado da mesa.
- E? – me perguntou com as sobrancelhas arqueadas.
- Amargo. Demais. Preciso. De. Brownie. – ri e troquei a xícara que eu segurava pelo prato de porcelana.

Estávamos os dois em frente à porta da cafeteria e pela primeira vez vi o quão mais baixa do que ele eu era. Minha testa batia no meio de seu peito.  Alcancei meu celular dentro da minha bolsa para checar o horário, mesmo tendo assistido ao filme no mínimo umas dez vezes eu sempre odiei chegar atrasada ao cinema.
- Se importa? – Josh me perguntava enquanto sacava o maço de cigarros de dentro do paletó. Neguei com a cabeça antes de falar:
- Bem, já está quase na hora do meu filme então... Eu já vou – falei indicando a direção que seguiria com o polegar – Foi um prazer te conhecer te conhecer Joshua.
Eu realmente queria ficar ao lado dele, falar sobre cafés e coisas bobas durante todo o meu sábado mas senti que aquele era o momento de se despedir e seguir em frente. Joshua seria só um cara – muito – atraente com quem tive a sorte de dividir uma mesa naquele café. Fim. Contrariando o que eu esperava, ele tirou o cigarro dos lábios finos e após soltar uma quantidade considerável de fumaça na direção do vento, disse:
- Sabe, eu estava pensando... Já que eu nunca vi “O Iluminado” e não vou ter aquela reunião chata mesmo, você se importaria se eu te acompanhasse? – E sorriu aquele sorriso de canto de boca pelo qual eu já havia me apaixonado. Naquele momento eu soube que jamais conseguiria dizer “não” para o dono daquele sorriso.
- É claro, – não consegui evitar o sorriso que tomou conta do meu rosto – só temos que correr porque faltam só quinze minutos pra começar e...
Foi o tempo que eu tive para guardar meu celular de volta à minha bolsa e para ele o tempo de arremessar o cigarro quase intacto para dentro da lixeira quando ele gritou:

- CORRE ALLY! – e me puxou correndo pela mão em direção ao cinema. Duas quadras depois ele percebeu que não sabia onde ficava o lugar da seção, e rindo me fez trocar de lugar com ele. Agora eu o puxava pela mão. Chegamos afobados, com os cabelos bagunçados e com nossos abdomens doendo de tanto rir. Aquele foi o primeiro de muitos dias felizes que tive com ele. 

Por Mariana J.

n/a: 1- Esse conto era/é na verdade o primeiro capítulo de uma história que eu ainda estou pensando. Talvez eu volte a postar mais dela aqui. 2- Eu tive sérios problemas para escolher o título mas felizmente meu "muso" Ed Sheeran me ajudou com uma das suas músicas, que não por acaso deu o nome ao conto. Segue o vídeo da música que (na minha opinião) combina muito com a história. 3- (adicionado recentemente haha) Esse texto já tem uma continuação YAY! Leia "Can't help falling in love".

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